terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Uma primeira síntese sobre as Ciências da Religião

1. Introdução

O objetivo deste trabalho é oferecer uma síntese – ainda que limitada e parcial – de alguns do temas (e textos) debatidos durante o curso Introdução ao Estudo das Ciências da Religião I, cursado no segundo semestre de 2010 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 
Como eixo do presente trabalho, levarei em conta, além dos temas e dos textos debatidos em sala de aula, a forma como eles cooperaram, mesmo que limitadamente, na definição e posterior redefinição de alguns pontos do meu projeto de pesquisa inicial.
A partir dessa relação, serão feitos comentários sobre a bibliografia vista em aula.
Para este trabalho, foram escolhidos três temas-chave, sempre relacionados ao projeto de pesquisa apresentado ao programa: em primeiro lugar, a questão da definição do objeto de estudo, a partir de uma compreensão mais sistemática da ciência, por meio de sua epistemologia; em segundo lugar, a diferença entre as CR e a Teologia e, por último, seu caráter multidisciplinar.
Ao final do texto, está disponibilizada uma lista da bibliografia consultada.

2. Percurso de um projeto de pesquisa: o objeto

O tema do meu projeto de pesquisa é a comunidade cristã Caminho da Graça, da qual eu participo há cerca de dois anos.
Em termos de movimento, o Caminho da Graça surgiu no Brasil em 2006, a partir da liderança de Caio Fábio de Araújo Filho, ex-pastor presbiteriano e liderança evangélica de expressão nacional.
A partir da reunião de grupos em diversos pontos do Brasil, que se formavam principalmente a partir de afinidade de idéias, células do movimento passaram a se constituir em várias cidades.
Cada uma dessas células denomina-se como “Estação do Caminho da Graça”.
A minha proposta original, apresentado como pré-projeto de pesquisa quando da admissão no programa da PUC, era a de estudar o Caminho da Graça a partir de sua concepção teológica, uma vez que ela pode ser entendida como própria, na medida em que se opõe ao que os pesquisadores da religião, principalmente nas áreas de Sociologia e Antropologia, definem como “Teologia da Prosperidade”. 
Entretanto, logo nas primeiras discussões com professores e outros colegas, surgiu a questão do interesse pelo Caminho da Graça, mas enquanto uma organização, talvez até mesmo como um novo exemplo de como é possível se organizar uma comunidade cristã nos dias atuais.
Assim, ao invés de um estudo sobre sua Teologia, a organização e a estrutura do Caminho da Graça se impuseram como temas relevantes para a pesquisa.
Desta forma, seria necessário entender como pode ser feita a pesquisa no campo das Ciências da Religião.
Segundo Greschat, em seu “O que é a Ciência da Religião”, o estudioso do fenômeno religioso pode estudar o seu tema a partir de uma ótica determinada.
Segundo o autor, os cientistas da religião percebem o seu objeto de pesquisa, a religião, como uma totalidade, o que favorece a noção de cientistas especializados no tema da religião, e não como sociólogos e psicólogos, por exemplo, que escrevem sobre temas relacionados ao campo religioso ocasionalmente.
 Ainda de acordo com Greschat, cientistas da religião devem enxergar o seu objeto a partir de quatro perspectivas complementares: como comunidade (ou grupo), como sistema de atos (rituais), como conjunto de doutrinas (Teologia, Tradição) e como sedimentação de experiências (sejam elas individuais ou grupais).
Os três primeiros aspectos dessa ótica permitem ver a religião como um objeto claramente definido e passível de pesquisa científica. O quarto item, ou seja, a sedimentação de experiências, só pode ser aferido a partir de entrevistas com membros e/ou sacerdotes de um determinado grupo religioso.
No caso do Caminho da Graça, o interesse pelo estudo de sua organização surgiu a partir da constatação do fato de que essa comunidade tem, como seu objetivo principal, diferenciar-se do que os pesquisadores (e os próprios membros de igrejas) entendem como instituição religiosa “evangélica” tradicional.
Como exemplos dessa tentativa de desinstitucionalização, podemos citar o fato de que nenhuma Estação do Caminho da Graça, seja no Brasil ou no Exterior (a comunidade já existe nos Estados Unidos, Europa e Ásia) tem a pretensão de organizar-se espacialmente como a maioria das igrejas, ou seja, com a criação de um templo.
Todas as reuniões das estações são realizadas em espaços cedidos gratuitamente (salas de aula em escolas, por exemplo), ou espaços alugados (auditórios de clubes, entre outros).
Outro diferencial importante: os sacerdotes da comunidade não são profissionais religiosos (“pastores”, já que se trata de um grupo cristão protestante, do ponto de vista tipológico).
No Caminho da Graça, a maioria dos pastores desempenha atividades profissionais próprias e sem relação com a instituição, o que é absolutamente necessário, uma vez que não existe cobrança de contribuições (dízimos ou ofertas) nas reuniões e a atividade de pastor não é remunerada.
Estes traços gerais são os que definem o Caminho da Graça enquanto uma comunidade religiosa, e se enquadram na concepção apontada por Greschat.
Entretanto, conforme sugestões apresentadas por professores e colegas, a proposta inicial de um estudo sobre a Teologia (doutrina) do Caminho da Graça será adiada por enquanto.

3. Teologia ou Ciências da Religião?

De um ponto de vista estritamente pessoal, uma de minhas principais dificuldades quando do ingresso do programa foi a questão de conseguir diferenciar as Ciências da Religião da Teologia ou, até mesmo, da Filosofia da Religião.
Como brevemente exposto na seção anterior, a proposta inicial de pesquisa contemplava um estudo sobre a doutrina da comunidade a ser estudada, ou seja, um estudo de sua formulação teológica.
Além disso, a proposta inicial tinha como objetivo não apenas descrever a teologia do Caminho da Graça, mas ainda, compará-la com o que os estudiosos do fenômeno religioso definiram como “Teologia da Prosperidade”.
Alguns textos e debates realizados durante a disciplina me ajudaram a definir melhor essa questão, ou seja, a entender melhor os diferenciais entre ambas as ciências (as CR e a Teologia).
Em “A teologia em diálogo com a ciência da religião”, artigo publicado no livro “O Espectro Disciplinar da Ciência da Religião”, Afonso Maria Ligório Soares concorda com a tese de que “a teologia é o conjunto de discursos e doutrinas que o cristianismo organizou sobre Deus e sobre sua experiência de Deus”.
Ou seja, a partir desse conceito, retirado da obra francesa Dictionnaire critique de Theólogie, depreende-se que, em primeiro lugar, a teologia é uma ciência eminentemente ocidental, que surge e se consolida juntamente com o Cristianismo.
Ainda de acordo com Soares, “... a teologia é a arte de reafirmar certos valores – que, bem por isso, são absolutos na ordem do dever-ser, mas infalsificáveis na ordem do ser – ao traduzí-los em novos significantes”.
Outra importante diferenciação feita entre a CR e a Teologia diz respeito à postura do pesquisador. “Fazer teologia é acolher numa atitude mística (dimensão afetivo-axiológica) afirmações que o pensamento científico só pode – como, aliás, é seu ofício na dimensão analítico-concreta – receber  com frieza e reticência (...) Do cientista se exige uma suspensão de juízo, um ‘ateísmo’ metodológico que deixe sua crença pessoal entre parênteses. Do teólogo se exige uma suspensão do ateísmo, um ‘teísmo’ metodológico – que deixe sua eventual descrença pessoal  entre parênteses e pressuponha a via mística ou a espiritualidade como condutoras de autoconhecimento e de intelecção da raiz ontológica da realidade”.
Desta forma, como colocado pelo autor, os labores do cientista da religião e do teólogo são completamente diferentes, uma vez que partem de pressupostos diversos exigidos de seus pesquisadores.

4. Multidisciplinaridade

Uma das principais questões no estudo científico da religião diz respeito a própria possibilidade de se estudar o tema a partir de critérios científicos. E, em caso afirmativo, de que forma isso pode ser feito.
Em “A natureza do estudo da religião: o papel da explicação”, de Donald Wiebe, o autor afirma que é necessário abandonar a tradicional visão de que não é possível oferecer uma explicação científica – ou uma teoria científica – sobre a religião, sem correr o risco de reduzir o fenômeno a algo sem importância.
Ao adotar esta linha de argumentação, o autor coloca-se em oposição às tradicionais interpretações do fenômeno religioso, que consideravam a religião segundo dois principais pontos de vista.
O primeiro, de que a religião é uma ilusão. Entre os defensores dessa linha interpretativa, podemos citar autores tão diferentes entre si como Karl Marx – para quem, a religião era uma espécie de reflexo invertido da realidade social – e o pai da psicanálise, Sigmund Freud que, em textos como “O Futuro de uma Ilusão”, por exemplo, afirma que a religião é um traço da personalidade neurótica.
A segunda linha interpretativa afirmava que, mesmo não sendo uma ilusão, o estudo científico da religião deveria buscar compreender de que forma o fenômeno religioso oferecia pistas para a interpretação da realidade social, uma vez que a religião existiria mediante causas específicas e, portanto, teria uma espécie de funcionalidade. Nesta linha, podemos citar autores como o filosófo Ludwig Feuerbach e o sociólogo francês Émile Durkheim.
Segundo Wiede, é impossível oferecer um estudo científico acurado sobre o fenômeno religioso sem se levar em conta a interpretação do fenômeno feitas pelos sujeitos religiosos, ou seja, os crentes de determinada tradição.
Além de defender a visão de que a opinião dos crentes teria a mesma validade que a interpretação de um observador externo, Wiede também defende que o estudo da religião pode ter mais eficácia se for realizado pelo que os sociólogos – e os antropólogos, antes deles – definiram como “observador participante”.
Para o autor, a posição do observador participante, que ocupa uma posição “dentro” da tradição religiosa, mesmo que esta posição ainda tenha um caráter marginal, a bem da objetividade científica, oferece melhores condições para o levantamento de dados empíricos e, mais adiante, para sua necessária interpretação.
Desta forma, o estudo científico é uma possibilidade concreta, em termos epistemológicos. A segunda questão que se impõe, portando é a de que métodos devem ser utilizados nesta tarefa.
De acordo com a maior parte da literatura a respeito, a CR caracteriza-se por ser uma ciência necessariamente multidisciplinar, cruzando várias áreas de conhecimento e especialidades.
No caso de minha pesquisa sobre o Caminho da Graça, por exemplo, utilizarei ferramentas de pesquisa encontradas principalmente na Sociologia e na Antropologia, além do necessário levantamento bibliográfico, que permita encontrar uma teoria explicativa.
Um exemplo da ferramentas a serem utilizadas: observação dos cultos, em diversas “estações”; entrevistas com membros e com pastores, além de uma entrevista com o próprio fundador do movimento, o pastor Caio Fábio.
A partir da observação dos cultos, pretendo realizar uma série de descrições etnográficas dos mesmos, de forma a permitir ao leitor compreender o funcionamento dos “serviços religiosos”.

5 Conclusão

Durante o semestre do curso, foi possível, a partir das discussões e das leituras chegar a três conclusões importantes: a primeira, de que o estudo da religião, ou melhor, do fenômeno religioso, pode ser feito a partir de critérios científicos; a segunda, de que esse estudo, necessariamente, deve ser feito levando em conta a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade, e, por último, foi possível fixar a diferença entre a Teologia e a Ciência da Religião.
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O texto acima, escrito em 25 de janeiro de 2011, é um balanço de um semestre de um curso da PUC. Aqui, neste blog, eu o publico sem alterações. 

Um comentário:

  1. EMBORA EU ME DECLARE UMA PESSOA ANTI-RELIGIOSA OU LIBERAL TEÍSTA.CONSIDERO O ESTUDO DA RELIGIÃO UMA DAS FORMAS MAIS ABRANGENTES DE SE ENTENDER TODA A SOCIEDADE.VOLTAIRE EM SEU LIVRO"DICIONÁRIO FILOSÓFICO"FALA QUE A RELIGIÃO É ABSURDA,EM MUITOS PONTOS,CONTRADITÓRIA E ESCRAVISTA.NO FUNDO A RELIGIÃO IMPUTE AO HOMEM MAIS MALES DO QUE REALMENTE PRATICOU E MAIS TOLICES DO QUE PREGOU... BOA SORTE EM SUA CAMINHADA EM BUSCA DAS RESPOSTAS. BJ. CIDI.

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