domingo, 30 de janeiro de 2011

STENIO MARCIUS

Hoje, depois de uma certa embromation, completei minha coleção de CDs do compositor e cantor Stenio Marcius, um dos poucos artistas cristãos de que eu gosto.


O Stenio e sua esposa, Selma, ambos sempre extremamente gente boa, estiveram hoje lá no Caminho da Graça. 

Assim que terminar de ouvir os CDs, uma ou duas palavrinhas a respeito...

Até lá, Paz e Bem!

ORAÇÕES & POEMAS DE AMOR

Uma de minhas orações preferidas é a Oração da Serenidade, escrita pelo pastor protestante Reinhold  Niebuhr. 

A primeira parte da oração de Niebuhr consta neste blog, logo abaixo do título. 

Abaixo, eu a transcrevo na íntegra:

Deus, dai-me a serenidade para aceitar as coisas que eu não posso mudar,
coragem para mudar as coisas que eu possa, e sabedoria para que eu saiba a diferença.
Vivendo um dia a cada vez, aproveitando um momento de cada vez;
aceitando as dificuldades como um caminho para a paz;
indagando, como fez Jesus, a este mundo pecador, não como eu teria feito;
aceitando que Você tornaria tudo correto se eu me submetesse à sua vontade para que eu seja razoavelmente feliz nesta vida e extremamente feliz com você para sempre no futuro.
Que assim seja!

Sim, é uma oração! Entretanto, leitor ou leitora, caso você não seja particularmente interessado em temas espirituais, como eu, talvez ajude se você tentar pensar nesse texto como um poema. 

Nos breves momentos em que estou inspirado, gosto de pensar nas orações como exemplos de poemas de amor, daqueles antigos, que falam sobre amores proibidos ou separados por oceanos de tempo ou milhares de quilômetros. 

Acredito que ambos sejam semelhantes, uma vez que, nos dois casos, fala-se a alguém que não se pode ver, mas cuja presença está no coração. E, mesmo que não se possa ver ou tocar a pessoa amada, ainda assim, ela está lá...

Nunca escrevi orações; mas já feri os cotovelos escrevendo cartas de amor.

Um dos meus heróis, o monge cistirciense Thomas Merton, escreveu uma oração também, Abaixo, o texto, integral:
Oração de Thomas Merton

Senhor meu Deus,
não sei para onde vou.
Não vejo o caminho em frente,
nem sei ao certo onde ele findará.
Na verdade nem me conheço
e o facto de pensar
que estou a seguir a Tua vontade
não quer dizer que eu esteja a ser-lhe fiel.
Mas creio que o desejo de Te agradar
Te agrada realmente.
E espero manter este desejo
em tudo quanto fizer.
Espero jamais fazer qualquer coisa
alheia a esse desejo.
Sei que, se agir assim,
Tu me conduzirás pelo caminho certo,
embora eu nada possa saber sobre ele.
Por isso, sempre confiarei em Ti,
mesmo que me sinta perdido
ou às portas da morte,
nada recearei,
pois Tu estás sempre comigo
e nunca me deixarás sozinho.


Como em cartas de amor - as verdadeiras, as desesperadas - nas verdadeiras orações, percebemos como temos pouco controle sobre nossas vidas.

O místico, o homem - ou mulher - que busca a Deus, sabe disso. E o homem - ou mulher - loucamente apaixonado, acaba por aprender isso na marra. 

Não escolhemos a quem amar. Na verdade, o amor é poucas vezes racional e, infelizmente, quase sempre luta contra o nosso natural instinto de auto-preservação. 

E o que fazer, então?

Se você ainda se faz essa pergunta quando está apaixonado, então, talvez, ainda haja esperança.; talvez, você nem esteja tão louco de amor assim...

Porque, sinceramente, não há muito o que se fazer nessas horas...

Não é uma questão de escolha; não é uma questão de opção...

Paz e Bem!

DIQUE DA VILA GILDA

 Vista aérea da Favela do Dique da Vila Gilda, em Santos. 
Eu já andei por lá debaixo do sol do meio-dia... 
Boa parte das casas é de palafitas, que avançam sobre o rio. Não há esgoto tratado.

Foto de Stefan Lambauer

DA CARTA MAIOR

Brasil 500 anos, CUFA 11 anos

A Central Única das Favelas completa 11 anos de existência em 2011, período no qual vem procurando disseminar oportunidades para jovens negros e pobres dos 27 estados do território brasileiro que carregam até hoje as marcas desses mais de 500 anos de construção de uma nação.

Leandro Fonseca - Relação Institucional CUFA/SC

O Brasil é um imenso e verdadeiro caldeirão cultural, político e social. Nossa história começa a tomar uma nova configuração da chamada miscigenação a partir dos anos 1.500 quando Pedro Álvares Cabral ao comando das frotas que se dirigiam as índias, esbarraram no que chamamos hoje de América do Sul, ocupadas por povos indígenas que aqui ainda resistem em poucos espaços isolados. É num contexto hostil que ao longo de 500 anos nossa história continua a ser construída, de um lado uns lutando por justiça social e de outro, lutadores pelo acumulo de riquezas por meio de exploração desordenada.

Foi há mais de 500 anos que “três povos” configuraram nosso espaço nacional, os portugueses na corrida pela expansão territorial e comercial, os negros já dominados pelos europeus e os índios que lutaram bravamente para defender seu território. Nestes mais de 500 anos muita coisa mudou; Passamos por regimes imperiais, ditatoriais e a chamada democracia, povos de todos os continentes hoje aqui construíram do Brasil seu território de paz e cidadania, árabes, japoneses, chineses, espanhóis, alemães, norte americanos, entre outros. Mas e os índios que aqui habitavam a mais de séculos? Sim! Ainda continuam lutando para manter um espaço saudável para se viver; Os trabalhadores operários do campo e da cidade que há oito anos elegeram um presidente condizente de sua condição social, as mulheres que hoje possuem direitos a votar e ser votada participando do processo político do país rompendo mais uma importante barreira do preconceito e elegendo a primeira mulher presidente da República.

Aparentemente o país caminha para um novo tempo, um tempo de participação, distribuição de riquezas e de oportunidades; Oportunidades essas que só serão verdadeiras quando os negros assim como os índios ocuparem seus espaços, de quem herdou apenas as dívidas das riquezas extraídas do solo brasileiro.

Nesse novo tempo a organização de classe tem papel propulsor e fundamental na construção de uma nova era a era das oportunidades iguais; Onde: negros, índios e pobres passam ter os mesmos direitos de acesso a saúde, educação, lazer, trabalho e renda justa.

A CUFA (Central Única das favelas) completa 11 anos de existência no ano de 2011, mas não apenas mais de uma década de existência, e sim mais de uma década disseminando oportunidades, preparando jovens negros e pobres dos 27 estados do território brasileiro que carregam até os dias de hoje as marcas desses mais de 500 anos de construção de uma nação. É exatamente essa ferramenta chamada CUFA (Central Única das Favelas) que a cada dia que passa ocupa espaços importantes na sociedade brasileira construindo suas próprias alternativas com um plantel invejável de jovens, que deixam de ser apenas jovens (invisíveis na sociedade brasileira) e passam a ser jovens intelectuais, lutadores e respeitados nos mais diversos núcleos políticos, empresariais e nas suas comunidades, sendo os verdadeiros protagonistas de uma boa história.

Vivemos sim um novo tempo. É neste tempo que nos dias 15 a 19 de fevereiro, a CUFA que completa 11 anos, promoverá seu VI Encontro Nacional, onde jovens de diversos estados do Brasil, Alemanha, USA e Bolivia se encontrarão para debater e apontar os rumos e as estratégias de uma organização que sempre esteve à frente de nosso tempo.

Nesta ocasião ocorrerá a posse da Gestão 2011 (16/02 Fortaleza –CE) CUFA, onde teremos um dos mais fortes quadros da CUFA (Preto Zezé) que ao lado de sua vice-presidenta (Karina Santiago de Assis Ávila) assumirão essa tarefa, dando continuidade e conduzindo a CUFA para um novo patamar gerando ainda mais oportunidades e preparando um número maior de jovens a ter um espaço digno na sociedade brasileira.
A ANGUSTIA DA ALMA QUE NÃO ESCOLHE CONFIAR
Caio Fábio

Jesus disse em João 7:17 que todo e qualquer ser humano só pode saber se o Seu ensino é Verdade ou não, se o praticar em fé. E assim dizendo Ele encerrou todos os debates infrutíferos acerca da “verdade”, pois disse que a Verdade só pode ser ‘experimentada’, e só então se fará atestar como tal. Portanto, sem a experiência da Verdade na vida, nenhuma Verdade de Deus é Verdade para mim, e não se manifestará como fruto de libertação e liberdade, e conforme o reino de Deus, que é justiça, paz e alegria no Espírito Santo.

Sim, eu serei cristão, mas não saberei o que é ser discípulo de Jesus!

A questão é que neste ponto somos colocados diante de uma escolha, ainda que com muitas caras, e que é a seguinte: Tenho eu coragem de reduzir minha existência a uma só coisa, a uma única certeza?

Ora, nossa natureza adoecida pela insegurança que a experiência da Queda nos causou, é incapaz de tal simplificação, pois nos parece loucura, e suicídio existencial.

Só um louco a praticaria, mesmo que fosse pela fé.

Todavia, Jesus disse que essa é a boa parte que de ninguém é tirada. Jesus também disse que isto só aconteceria se o ser fizesse sua síntese em Deus, ao invés de ficar servindo a dois senhores, ou, às vezes, a muitos senhores.

Assim aprendemos que é essa tentativa de bigamia da alma, ora amando a um e aborrecendo ao (s) outro (s) ( e outras vezes invertendo o processo), de fato, o centro da angustia do ser.

É como a alma que tenta ter dois amores e que se devota a um na mesma medida em que despreza o outro. 

E assim vai, sempre existindo na alternância deste mesmo processo, e sempre sem paz. Ora, só terá paz em Deus. Pois se escolher qualquer outro amor, lhe será angustia, posto que por mais que me devote a ele, mesmo assim clama em mim o lugar essencial do único amor, do amor do Autor da Vida.

No mundo visível o Dinheiro expressa bem essa paixão e essa devoção. É o culto ao imediato e ao Poder nas mãos. É o altar do sucesso recebendo o holocausto da ambição que foi gerada pela insegurança de quem não consegue confiar. O dinheiro é confiança na própria mão. Por isto ele expressa um terrível senhor. Pois quem pensa que o tem nas mãos, já há muito está nas mãos dele. 

Enfim, Jesus disse que tenho que reduzir minha existência a uma só coisa, a fim de que a boa parte não me seja tirada. E disse que somente a entrega à vontade do Pai é que poderia pacificar a alma e dar a ela sentido de significação eterna. No entanto, ele também disse que a fim de poder saber se Ele é a Verdade ou não, a pessoa tem que decidir antes, e pular de cabeça. Tem que escolher, e mergulhar sem medo. Pois, assim que o fizer, experimentará a graça do contentamento e da paz. O ser terá se unificado, e o contentamento tomará na alma o lugar das angustias antes geradas pelos serviços prestados aos muitos senhores; e prevalecerá a paz.

Ora, quando chegamos aqui, neste chão, onde de nós se demanda uma decisão, uma tomada de consciência, a pessoa tem que saber para onde olhar e como haverá de ponderar suas escolha e decisões de fé. Muitas vezes, e de modos muito diferentes, todos nós, durante a viagem no caminho, temos que escolher quem é o nosso Senhor. A maioria das vezes, o negamos; razão pela qual nossos seres vão apagando em sua luz interior, e o coração quase só amadurece como ente amargurado.

Paulo disse que atentava não nas coisas que se viam, mas nas que se não viam, pois as coisas que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas.

Essa era maneira dele olhar e ver nas muitas vezes em que tinha que escolher. E o sentido da escolha, é o seguinte: temos que eleger nesta vida as coisas que se preservam para a vida eterna—como amor, misericórdia, justiça, alegria e paz—, pois o nosso corpo envelhece e morre, mas há escolhas feitas durante essa jornada que são eleições que nós fazemos acerca de nós mesmos para a eternidade.

Assim, se alguém se dispuser a pular e praticar a Palavra de Jesus, simplificando a sua própria existência, saberá o que é a Verdade e experimentará a libertação, não antes. Ele ensinou que esta é uma decisão da fé que segue, que se lança, que não sabe mais como voltar.

No entanto, a maneira de se preservar isto é não dividindo o ser entre dois ou muitos senhores. A alma só deixa de existir nesse movimento de angustia de devoções pendulares—Deus ou riquezas, por exemplo—se for pacificada diante de um único e supremo Senhor. Fazendo, desse modo, pela fé, todas as coisas serem fruto de amor a Ele. E o coração caminha em paz. 

E isto só acontece se vamos ganhando coragem de interpretar a vida não privilegiando como cenário as coisas que se vêem, pois são temporais; mas sim atentando nas coisas que não se vêem, e que são permanentes. Isto é galardão na terra. É glória no ser. É Cristo em nós.

Mas ninguém saberá se não tiver a coragem de pular...

“Vem, e segue-me...”

“Para onde iremos nós, Senhor? Só tu tens as palavras da vida eterna!”
O QUE É A FÉ E COMO VIVEM AS SUAS TESTEMUNHAS?

Caio Fábio

A fé é a firme fundação das coisas que nós esperamos, e carrega em-si-mesma a prova das coisas que não se vêem... pois nela tais coisas preexistem a si mesmas como coisas.

Foi por meio da fé que os homens da antiguidade alcançaram bom testemunho para si mesmos diante de Deus.

Tudo aquilo de que nós nos apropriamos sem o auxílio dos sentidos é fé.

Por isso é que entendemos que todos os mundos foram criados pela Palavra de Deus, de modo que aquilo que chamamos de visível foi feito daquilo que não está disponível aos sentidos.

É a fé que estabelece a verdade das coisas diante de Deus.

Sabemos isso desde o princípio, pois foi pela fé que Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício que Caim. E foi também por meio da fé que Abel alcançou o testemunho de que era justo, pois a fé dava verdadeiro significado às suas oferendas.

Foi ainda por causa da fé que Abel, mesmo estando morto, ainda fala hoje. A fé imerge o homem num ambiente onde tudo é possível, sobretudo, porque a comunhão com Deus, faz a supressão definitiva de todas as categorias ligadas ao domínio do possível ou do impossível.

Por essa razão da fé é que sabemos que Enoque foi trasladado para não ver a morte; e não foi achado, porque Deus o trasladara; pois antes da sua trasladação alcançou testemunho de que agradara a Deus por meio da fé.

Enfim, sem fé é impossível agradar a Deus. Deus tem que ser visto como Aquele que existe, e que é galardoador dos que o buscam. E isso só acontece se houver fé. Pois sem fé, quem esperaria galardão do que não existe? Ou ser premiado por alguém a quem não se vê?

Os maiores marcos da História Universal aconteceram por meio da fé. O mundo da antiguidade foi afogado nas águas do Dilúvio. Começou um novo mundo. Mas quem passou do antigo mundo para o novo o fez por meio da fé.

Assim foi que pela fé, Noé, divinamente avisado pela voz de Deus acerca das coisas que ainda não se viam como fato ou sequer como possibilidade, sendo temente a Deus, preparou uma arca para o salvamento da sua família. A fé que salvou a Noé foi a mesma que condenou o mundo antigo. Desse modo, o homem que passou de uma era para a outra e tornou-se herdeiro da justiça que preservou a humanidade obteve o seu próprio futuro e também o nosso, por meio da fé.

A fé se fez história. Foi por meio da fé que onde não havia nenhuma história para a percepção dos homens, Deus estava fazendo a História, a qual a história humana não reconhecia enquanto ela acontecia.

A História de Deus com os homens acontece primeiro no coração, onde é a residência da fé.

Foi pela fé que Abraão, um total desconhecido, sendo chamado por Deus, obedeceu, saindo para um lugar que havia de receber por herança, e partiu sem saber para onde ia. Ninguém sabia dele senão somente Deus! Pela fé Abraão peregrinou pelo chão da terra como quem anda sobre a promessa; vivia como em terra alheia no chão que, pela fé, ele sabia que já era seu, sendo, ironicamente o dono daquilo que ainda não podia possuir; habitando em tendas com Isaque e Jacó, seus descendentes, e herdeiros com ele da mesma promessa... De fato, Abraão esperava a cidade que tem Fundamentos, da qual o arquiteto e edificador é o próprio Deus.

Foi também pela fé que a própria Sara, sua mulher, recebeu a virtude de conceber um filho, mesmo que totalmente fora da idade. Isso porque ela creu que Aquele que lhe havia feito a promessa de gerar um filho era Deus fiel para cumprir o prometido.

A fé é pura ironia... Afinal, é de Abraão, um velho amortecido em sua potência masculina, que descenderam tantos filhos, em multidão como as estrelas do céu e como a areia inumerável que está na praia do mar!

A fé é a esperança que ousa declarar-se e viver com as conseqüências da confissão! Ela se contenta na certeza de que aquilo que ainda não se materializou ou se realizou, todavia, já é. Desse modo é que todos acerca dos quais falamos morreram na fé, sem terem, entretanto, alcançado a materialização histórica das promessas a eles feita por Deus. Eles, todavia, viram a realização das promessas com os olhos da fé, tendo acenado para elas mesmo que de longe, pois sabiam que nenhuma promessa se totaliza na Terra.

Eles, pois, viam-se e confessavam-se estrangeiros e peregrinos na Terra. Daí o tratarem a imaterialização plena do prometido, com tanta paz e serenidade: eles aguardavam a materialização de tudo nos ambientes onde a matéria é feita daquilo que não se corrompe. Isso porque quem age como um peregrino — um hebreu — demonstra estar buscando uma outra pátria. E esse tal só não anda direto para a sua pátria final por não se lembrar daquilo que já sabe. Pois se na verdade se lembrasse daquela pátria de onde saiu, voltaria para ela imediatamente.

Esta é a estranheza... Os homens mais cheios de fé e os mais esperançosos que já viveram na Terra não tinham aqui o fundamento de suas esperanças finais. Ao contrário, eles sempre desejaram uma pátria melhor, isto é, a pátria celestial. Essa é a razão de Deus também não se envergonhar deles — e a prova disso está no fato de Ele se deixar chamar de Deus por eles e para eles. E ainda mais: o próprio Deus já lhes preparou uma cidade, visto que eles confiaram a Deus a construção de sua pousada eterna.

A fé é incompreensível... De que outro modo poderíamos olhar o drama paterno de Abraão sem nos escandalizarmos? Foi exclusivamente pela fé que Abraão, sendo provado por Deus, num convite à loucura e à violação de todos os seus instintos, ainda assim ofereceu Isaque, seu filho, ao próprio Deus! Sim! Ia mesmo oferecendo o seu único filho, aquele filho que era o objeto das promessas, e acerca de quem se havia dito: "Em Isaque será chamada a tua descendência..." Sim! Julgando que Deus era poderoso para até dos mortos o ressuscitar, levou-o para ser sacrificado.

Deus não o permitiu. Mas viu que no coração de Abraão, Isaque havia sido oferecido, e, portanto, era como se tivesse sido imolado e morrido. Daí foi que também, ainda que figuradamente, Abraão recobrou seu filho de dentro da própria morte, como na ressurreição dos mortos. A fé carrega em si a semente da ressurreição!

Pela fé Isaque abençoou seus filhos Jacó e a Esaú no tocante às coisas futuras, que se tornaram tão reais e efetivas que ainda hoje fazem parte de nosso presente.

A fé fala do futuro. Foi por essa razão de fé que Jacó, quando estava para morrer, abençoou cada um dos filhos de José, e adorou a Deus, inclinado sobre a extremidade do seu cajado. Ele andara pela fé; o cajado apenas se sustentara em razão da fé que levou Jacó a adorar a Deus pelo passado, pelo presente e pelo futuro.

A fé se projeta de tal modo como certeza e confiança para o futuro que, pela fé, José, bisneto de Abraão, estando próximo da morte, afirmou que os filhos de Israel sairiam do Egito num Êxodo. E em razão disto é que deu ordem acerca de seus próprios ossos, afirmando que desejava que fossem levados de volta para a terra da promessa.

A fé invade o ser humano de tal modo que ele fica possuído com a certeza do conhecimento dAquele fez as promessas. Daí ser também sempre acompanhada por maravilhas.

E não somente isso; a fé se mostra também como inexplicável desígnio. A vida de Moisés nos mostra isto. Ele era menino numa terra e numa hora em que todos os meninos de seu povo eram mortos ao nascer. Mas foi pela fé que os seus pais, logo após o seu nascimento, ao verem-no, decidiram escondê-lo. Ele mamou e viveu escondido por seus pais durante três meses, porque viram que ele era um menino formoso. A fé também se serve da formosura. Por isso, tomados de fé, os pais de Moisés não temeram e desobedeceram ao decreto do rei.

Foi a fé que fez Moisés, sendo já homem, decidir se recusar a ser chamado filho da filha de Faraó. Foi também pela fé que ele decidiu comungar a dor de seu povo, ser com ele maltratado como o povo de Deus ao invés de entregar-se, no Tempo, ao gozo do pecado de não ser quem sabia que era. E entendeu isso quando, considerando todas as riquezas do Egito, viu-as como incomparavelmente menores que a Graça da riqueza de ser parte do opróbrio de Cristo. E seguiu com o povo de Deus porque tinha em vista a recompensa. Foi por isso que ele se deixou constranger por Deus a fim de liderar o povo nos dias daquela peregrinação.

A fé tira o medo, pois foi pela fé que Moisés deixou o Egito, não temendo a ira do rei. Ele não temeu porque a fé o fez ver firmemente Aquele que é Invisível.

A fé promove confiança no amor de Deus. Foi por essa razão que pela fé Moisés celebrou a páscoa e a aspersão do sangue sobre as casas dos hebreus, para que o destruidor dos primogênitos não lhes tocasse, enquanto morriam todos os demais primogênitos na terra do Egito.

A fé vê caminhos onde não há caminhos. Por isso é que os israelitas atravessaram o Mar Vermelho como quem caminha por terra seca. Mas os egípcios tentaram imitá-los fazendo o mesmo caminho e foram afogados.

A fé não se preocupa com fraqueza, mas com certeza. Ou não lembram que foi pela fé que caíram os muros de Jericó, depois de rodeados por sete dias? Ou também não foi a fé que fez Raabe, a meretriz, decidir acolher em paz aos espias de Israel e se associar a eles, tendo sido desobediente e traidora aos olhos dos seus, mas justificada em fé junto com o povo de Deus?

E que mais direi? Me faltará o tempo se eu for contar de Gideão, de Baraque, de Sansão, de Jefté, de Davi, de Samuel e dos profetas... Todos eles, por meio da fé, venceram reinos, praticaram o que sabiam ser a justiça, alcançaram promessas, fecharam a boca dos leões, apagaram a força do fogo, escaparam ao fio da espada, da fraqueza tiraram forças, tornaram-se poderosos na guerra, puseram em fuga exércitos estrangeiros!

Houve mulheres que pela fé receberam de volta à vida, como Graça da Ressurreição, os seus queridos que estavam mortos!

A fé também não conhece adversativas e nem adversidades que sejam maiores do que ela. Por essa razão, enquanto uns venciam diante de Deus e dos homens, outros venciam em profunda solidão, sendo vistos em sua justiça e verdade somente pelos olhos de Deus.

Assim, uns foram torturados, não aceitando negociar seu próprio livramento violando qualquer condição de consciência, porque criam que haveriam de alcançar uma melhor ressurreição. Houve outros que experimentaram escárnios e açoites. E houve muitos que conheceram o interior frio e abandonado de cadeias e prisões!

E que dizer dos que foram apedrejados? E o que falar dos que foram terrivelmente tentados? Ou deveríamos mencionar os que foram serrados ao meio? Ou, quem sabe, os que morreram ao fio da espada? Ou deveríamos mencionar os que andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, aflitos e maltratados? Saiba-se isto: eles eram os homens dos quais o mundo não era digno! Lá iam eles, andando em fé, errantes pelos desertos e montes, e pelas covas e cavernas da terra! E o mundo não os via...

A fé, entretanto, não se basta a si mesma. Ela encontra sua abastança absoluta não em si mesma, mas fora de si mesma. Ela realiza o impossível, só não realiza o impossível de se satisfazer em si mesma. Por isso é que todos acerca dos quais falamos, embora tendo recebido bom testemunho pela fé que tiveram, contudo não alcançaram a materialização da promessa em sua época. E a razão é que Deus preparara algo muito melhor para nós, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados.

A fé irmana a todos os seus filhos e os faz verem-se como irmãos, andando no mesmo caminho, vivendo vidas diferentes e em tempos diversos, mas os faz verem-se, acima de tudo, como sendo todos beneficiários do mesmo Deus e da mesma Graça; uns de um modo, outros de outro; uns sendo vistos, outros nem sendo percebidos; alguns recebendo galardão celeste enquanto conseguem vitórias entre os homens; outros, todavia, andando em profunda solidão, sem serem vistos por ninguém, mas sem desviarem-se do caminho, pois sabem que andam pela fé, e que nisto está sua justiça.

Assim diz o Senhor: O meu justo viverá pela fé, e se retroceder, nele não está o meu coração! Todavia, e que acerca dos que crêem Ele diz é: Vão indo de fé em fé, cada um deles aparece diante de mim e verão a minha face!

E assim, todos nós, com o rosto descoberto, seguimos caminhando em fé, vendo a Glória de Cristo — ainda que em meros reflexos —, e somos a cada dia transformados em Sua própria semelhança, sendo essa a incessante obra do Espírito Santo em nós!

Baseado em Hebreus 11
A ÁGUA DA ETERNA REALIDADE

Caio Fábio

A coisa maravilhosa da Água da Vida é que ela põe cada coisa do tamanho de cada coisa. Ela não é a Água da Magia. Ela não é alucinógena. Não é lisérgica. Ela é Água da Vida.

Portanto, quem a bebe continua tendo que ir ao poço de Jacó para pegar água (H2O) todos os dias. E tem que decidir se o “agora marido” é o marido ou não. No entanto, já não esperará do poço de Jacó nada mágico, nem esperará encontrar no peito de um homem, marido ou amante, o refúgio de Deus e a felicidade eterna.

Além disso, quem bebe da Água da Vida fica vendo montanhas apenas como montanhas, e vê a cidade de Jerusalém apenas como uma cidade.

Quem bebeu da Água da Vida já não ama mais pedras e nem se devota a elas. 

“Nem neste monte e nem em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. Deus é espírito, e importa que Seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”.

Quem bebeu da Água da Vida sabe que é de Deus que procede a Fonte da Vida, e que as demais necessidades desta existência são apenas o que cada coisa é, e não há mais ilusão acerca do que elas podem nos dar, ou do que delas se deve esperar.

A Água da Vida é a Água da Verdade e da Realidade. E ela carrega em si mesma o que é. Daí quem dela beber ter em si fontes que saltam para a vida eterna. E vai ao poço de Jacó pegar água com contentamento, e ama sem medo e sem engano.
A GRATIDÃO QUE SANTIFICA TODAS AS COISAS

Caio Fábio

O Jardim de Alá é uma lugar de gratificação, com as setenta virgens dadas ao mártir da fé. O Nirvana é um lugar de dissolvência do ser-individual no mar do ser-sem-saber-que-se-é. De fato, conforme a Palavra de Deus, a eternidade é gratidão em estado infinito; não gratificação, como Jardim de Alá, e nem tampouco é dissolvência, conforme a eternidade no Nirvana.

A eternidade é em gratidão.

O que é, se experimenta como absoluta gratidão. Por isto, desde já, as ações de graças santificam todas as coisas, visto que as remetem para o que elas são: coisas boas, conforme o Criador da criação original.

No Tempo—ou na Terra—, onde se sente dor, o clamor da carne é por gratificação. Assim, gratificação é a deusa suprema; e até os que a negam, a ela se sujeitam no pólo extremo de seu antagonismo: o masoquismo; ou até o sado-masoquismo; ambas as coisas também são formas de gratificação, só que pervertidas.

Na Terra o sentimento que mais estupra o instinto animal é o da gratidão, e não da gratificação. A fim de treinar e domar um bicho, estimula-se isto mediante a gratificação. Mas a fim de se ter um homem cheio de consciência se terá que esperar pela instalação da gratidão no coração dele; visto que este novo homem jamais aparecerá antes de nele haver feito habitação a gratidão.

Gratidão é a última “conquista” do ser...nos mergulhar nesse estado de reconhecimento feliz de que todas as coisas de fato cooperam para o nosso bem...sem porquês e sem praquês... A gratidão faz tudo fazer sentido, até quando tudo parece absurdo! Daí pra frente o mundo começa a se desproblematizar para gente. E tudo nele, no mundo, é simplificado para nós—até a morte—, pois a gratidão é a sabedoria feita doçura, não como compreensão, mas como entendimento. Compreensão acontece na mente. 

Mas o Entendimento é visão do espírito, e sabe existir em paradoxo, visto ser possível alcançar entendimento espiritual daquilo que a mente não tem como compreender, a fim de poder explicar... Mas a gratidão sabe explicar tudo o que não compreende, e a tudo entende como bom e bem, mesmo quando sabe só isto para si mesmo; ou ainda quando sabe em silêncio, doce silêncio, cheio de vozes felizes do coração, que celebram a bondade de Deus...entendendo até o que não se pode compreender, aceitando aquilo para o que não houve explicação que satisfaça a compreensão, discernindo aquilo que não está ao alcance dos sentidos, e se satisfazendo com todas as obras de Deus.

A gratidão é a maior invasão da eternidade no Tempo. A gratidão é a resposta do coração, cheio de Graça, aos fatos e percepções do ser. A gratidão é a única força com poder de manter nosso olhar incontaminado pelas amarguras deste mundo. Graças a Deus pelo dom inefável em Quem Tudo se faz ações de graças.

ATÉ QUANDO?

 
  
  


NOTAS SOBRE O LULISMO

Eu não sou cientista político e, nem tampouco, acompanhei a política do Governo Lula de perto nesses últimos oito anos.

Desta forma, não posso oferecer uma pretensa "análise" sobre esse período, mas vou me esforçar para escrever algumas notas, que tenham algum sentido. 


Caso você, leitor, ou leitora, decida ler estas notas, tenha em mente algumas coisas: seu autor já foi militante do PT, quando este ainda lutava para ser um partido socialista, tenho alergia a pássaros de bico longo e a seus colegas espalhados por aí, inclusive dentro dos próprios partidos "de esquerda" e votei em Lula para presidente em 1998, 2002 e 2006. No ano passado, no segundo turno, votei em Dilma.

Seguem algumas considerações:

1. O Governo Lula conseguiu ser bem-sucedido. Três fatores comprovam isso: o fator econômico (aumento do nível de emprego e redução da pobreza); os altíssimos índices de aprovação popular registrados pelo presidente, que culminou na eleição de sua candidata em 2010. 

2. A fórmula do sucesso do Governo Lula teve como base dois eixos principais: a condução de uma política econômica eficiente e apta a responder rapidamente a crises (internas e externas) e a criação de uma ampla rede de programas sociais, que beneficiaram a população mais pobre. 

3. A oposição. Ao efetuar uma política econômica claramente conservadora, ainda que inclusiva, o Governo Lula esvaziou o discurso da oposição de direita. Para confimar isso, basta recordar a ridícula  (e vergonhosa) campanha presidencial do ex-candidato José Serra. Hoje, se houver oposição no Brasil, ela está na esquerda e na extrema-esquerda.

4. O discurso de oposição a partir de agora terá de ser técnico, e não simplesmente ideológico. Se a oposição de esquerda quiser sobreviver, ela terá de se pautar pelo combate pontual, na luta contra medidas que contrariem os interesses da população. E essas medidas serão tomadas pelo novo governo.

Paz e Bem!

DE OS AMIGOS DO PRESIDENTE LULA

Lula virou história

O governo mal acabou, mas uma simples consulta a livrarias virtuais indica, até o momento, aproximadamente 50 livros lançados com o nome "Lula" no título - fora os demais, sem a menção direta. O número é significativo se comparado, por exemplo, aos cerca de 15 disponíveis on-line, a partir da mesma ferramenta, com "Fernando Henrique Cardoso" ou "FHC". Enquanto o ex-presidente tucano é o principal autor de suas obras - nesse caso, há mais de duas dezenas delas sendo oferecidas -, Lula não assina livro algum, mas sua história tem potencial para inspirar uma bibliografia jornalística e acadêmica ainda maior, especialmente a partir de agora, nesta fase de balanços e análises (talvez) menos polarizadas.

Um dos biógrafos mais ativos do Brasil, Fernando Morais não tem dúvida: "Lulinha dá um livraço". Autor de clássicos como "Chatô, o Rei do Brasil" e "Olga", Morais gostaria de escrever um livro com o mesmo fôlego desses sobre o ex-presidente. E ele não é o único com planos editoriais a respeito de Lula. O jornalista Kennedy Alencar prepara um dos livros mais aguardados sobre os oito anos do governo, a ser lançado pela Publifolha, no qual vai contar mais sobre os bastidores da vida palaciana. A pesquisadora Denise Paraná, autora de "Lula, o Filho do Brasil" (editora Fundação Perseu Abramo) - base do filme homônimo de Fábio Barreto -, também reuniu material para um novo livro, desta vez sobre a simbologia em torno do líder político.

O sociólogo Francisco de Oliveira planeja publicar no ano que vem "A Formação do Avesso: Predação de Classe e Trabalhos de Sísifo", pela Boitempo. "Sempre começo pelo título", diz. Seu objetivo é revisar a história brasileira, mostrando como o "lulismo" se encontraria na culminância de uma nova estratégia de dominação, iniciada há meio século, que se daria pelo avesso, ou seja, com a participação das próprias classes dominadas.

O fenômeno do lulismo é controverso, até por causa de seu ineditismo, aspecto com o qual concordam Oliveira e um dos seus principais interlocutores - e opositores - nesse debate, seu colega André Singer, porta-voz da Presidência até 2007. Também em 2012, Singer vai lançar um livro sobre o lulismo, que se baseará na tese de livre-docência que defenderá neste ano na Universidade de São Paulo (USP). "Quando comecei a fazer essa análise, estabeleci um diálogo com as hipóteses do professor Francisco de Oliveira", afirma Singer. "Concordo com ele no sentido de que temos algo novo, mas não acho que seja às avessas, até porque a política que continua a ser executada contempla aspectos do programa original do Partido dos Trabalhadores [PT], como a inclusão social, apesar da incorporação de elementos que não estavam presentes inicialmente, de extração neoliberal."

Toda a polêmica, de acordo com Fernando Morais, só faz apimentar uma virtual biografia. "É uma figura que merece algo mais exaustivo, acho que alguém vai fazer. Lula é adorado pela população, mas tem uma oposição dura. O Lula demonizado dá um sabor especial ao livro. Além disso, ele não é casmurro, o que ajuda o biógrafo. Este é um trabalho no qual eu tenho muito interesse e convivi bastante com o Lula."

No momento, entretanto, Morais prefere deixar o projeto amadurecer: "Pedi, por meio de amigos comuns, para gravar com Lula uma meia dúzia de depoimentos longos, sobre passagens importantes do governo, mas ele disse para desistir, porque ou sairia abobrinha ou perderia amigos. A poeira na alma dele ainda não baixou. Um dia, se topar, torço para que chute a bola para o meu lado."

Já o coordenador editorial da editora Fundação Perseu Abramo, Rogério Chaves, está mais otimista quanto à possibilidade de obter depoimentos do ex-presidente. A fundação tem entre seus propósitos contar a história do PT, e a ideia é preparar uma continuação do livro "Lula, o Filho do Brasil", que tem apresentação de Antonio Candido e se concentra no período de formação do filho de dona Lindu. A editora negocia a contratação de um novo autor. "Queremos amadurecer a ideia com o próprio Lula", conta Chaves. "A ideia é discutir menos o Lula como mito e sim como agente de um momento de grande mudança. Será necessário ter nessa edição a participação de uma pessoa com leitura política, que vá pegar também a fase do governo. Pensamos em aproveitar este ano, quando as informações estão mais recentes."

Além disso, a editora da fundação iniciou, no ano passado, a publicação de coleções técnicas sobre os dois mandatos. Uma delas é "2003-2010: o Brasil em Transformação", na qual serão lançados mais quatro volumes neste ano - sobre políticas sociais, direitos humanos, estatais e saúde.

A dificuldade de escrever sobre a trajetória do ex-presidente, segundo Denise Paraná, deve-se ao fato de Lula raramente dar depoimentos. "Até hoje, ele só deu depoimentos longos sobre a sua vida para a pesquisa que eu realizei. Foram muitos meses de entrevista, horas de conversa, no início dos anos 1990." Ao longo desses anos, Denise travou amizade com a família de Lula e frequenta casamentos e festas de Natal dos irmãos e dos sobrinhos dele. Já coletou amplo material sobre a construção simbólica do personagem, no Brasil e no exterior.

"Não me interessam tanto o lado político partidário, as disputas ou o balanço do governo. Quero escrever sobre a visão de mundo dele, destacando os aspectos subjetivos, ideológicos, culturais. Há muitos anos, eu tenho conversado com a família toda, observado como enfrentam as situações etc. Em "Lula, o Filho do Brasil", eu já trabalhava por meio dessa corrente da psico-história", diz.

No novo livro, vai analisar como Lula estaria contribuindo para o país se livrar do chamado "complexo de vira-lata", termo cunhado por Nelson Rodrigues quando observava a seleção nacional jogando futebol com potências estrangeiras. Segundo Denise, o brasileiro está entre os cinco povos mais otimistas do mundo quanto à mobilidade social, e Lula seria um símbolo importante desse ânimo.

"Existem pessoas que conseguem ascender socialmente. Em geral, saem da classe social baixa e se adaptam à nova classe. Deixam um lugar para ocupar outro. Mas com o Lula foi diferente: ele ocupa os dois lugares. Ele tem orgulho de ser o incluído e ao mesmo tempo o orgulho de ser o superexcluído. Isso dá um nó na cabeça da elite. Lula constrói espaço novo, a partir da comunicação direta com a população. Do ponto de vista simbólico, ele quebra paradigmas e modelos o tempo todo."

Em suas pesquisas no exterior, Denise chegou a se impressionar com a força do personagem, que chegaria a substituir Pelé como principal referência a respeito do país. "Muita gente que antes nem sabia onde fica o Brasil agora fala do país através da figura do Lula. É como se ele tivesse posto o Brasil no mapa-múndi."

Mas Denise reconhece que se trata de figura controversa: "Há quem diga que ele pratica populismo de direita, enquanto outras pessoas afirmam que é completamente revolucionário. Eu ouvi isso na França. Mas não estou dizendo que tudo deu certo no governo. O fato é que há muita coisa para estudar a respeito desses últimos oito anos: foram infinitas e profundas as transformações."

Boa parte do que diz poderia servir de subsídio a uma explicação do "lulismo". De acordo com André Singer, a base do fenômeno, que se configurou claramente a partir da reeleição de 2006, se encontra nos estratos de mais baixa renda da população - sendo o Bolsa Família um ingrediente não desprezível nesse conjunto. "É uma camada da população com perspectiva de mudança de renda, mas pode ser considerada conservadora por querer essas mudanças sem ameaça à ordem estabelecida. O lulismo tem elementos carismáticos, sobretudo no Nordeste, mas é um movimento real da sociedade, democrático. Embora não formalizado, tem fôlego para durar muitos anos", afirma.

Para Oliveira, sem entender o lulismo dificilmente se entende o Brasil de hoje: "Mesmo porque o lulismo nos devora". Em sua opinião, Lula é um ilusionista: "Ele tira coelho da cartola o tempo todo. Não é o escravismo ou o patrimonialismo que explicam o atraso atual. Não se trata de uma herança de 500 anos. No livro, vou fazer a revisão da história para mostrar como essa formação do avesso se refere aos últimos 50 anos, a uma escolha das camadas dominantes. Houve uma opção pelo atraso. Cria-se a pobreza, que não é brasileira, como forma de controle e dominação. Lula tira benefício disso. Seu governo foi a culminância desse processo. Não houve avanço institucional nestes oito anos. Assim como as classes dominantes, Lula dança sobre a miséria para construir a sua popularidade."

O Brasil vive uma "falsa euforia", diz Oliveira. "Sobraram para o país os produtos baratos. É a euforia de quem chegou atrasado ao baile, a celebração da derrota da vitória. Todos estão contentes, mas sobre cultura e cidadania não temos nada. Chegou-se aos bens de consumo, mas não à civilidade", comenta. "Estamos vivendo um fascismo do consumo. As pessoas se detestam, desapareceu qualquer traço de solidariedade pessoal e social. Os valores que a sociedade deveria cultivar, ela não cultiva. Há uma tensão fascista no ar. Sempre que um materialista começa a relacionar feitos sociais, pode desconfiar que atrás existe um cheiro de fascismo." O sociólogo, que é ex-petista, reitera: "Fizeram do Lula a imagem idealizada do anjo operário, o que ele não é. Faz muitas décadas que ele deixou de ser operário. A tragédia brasileira é imensa."

Como observa Morais, "herói de bronze só tem em praça pública" e a figura de Lula, como se vê, está longe do consenso. Por enquanto, na imprensa e em seminários, o momento é dos primeiros balanços. Especula-se qual seria sua participação na gestão da sucessora, Dilma Rousseff, e se voltaria a se candidatar à Presidência, embora Denise Paraná, até o momento a maior especialista na biografia lulista, aposte que não há volta: "Lula nunca andou para trás. Quando saiu da presidência do sindicato, disseram o mesmo, que ele voltaria, mas não foi o caso. Sempre foi assim na trajetória dele. O Brasil agora já fica pequeno para Lula, que tem a possibilidade de fazer muita coisa pelo mundo. Duvido que se candidate novamente, até porque entrou para a história como o presidente mais popular do país".

Kennedy Alencar, que cobriu os dois mandatos pela "Folha de S. Paulo", em Brasília, fez questão de esperar que Lula deixasse o Planalto para terminar seu livro sobre o governo só agora. "Achei melhor assim, para ter uma perspectiva mais ampla", afirma Alencar, que começou a redigi-lo de maneira mais intensa no ano passado. Já publicou algo do que saiu na própria "Folha", em dezembro. "Desde a eleição do Lula em 2002, pensava em escrever algo, com material apurado que eu não tinha como usar no dia a dia. Reuni muitos bloquinhos de anotação ao longo dos anos. Eu sempre escrevia um pouco e guardava."

Sua intenção é identificar os piores e melhores momentos, contar sobre a sucessão de escândalos enfrentados, como o caso Waldomiro Diniz e o mensalão, falar da crise econômica, das políticas sociais etc. "Vou detalhar um pouco mais. Ainda vou ter algumas conversas. A gente nunca para de apurar. Estou com todo o material arquivado, mas quero tempo para fazer com mais calma." Haveria ainda alguma revelação importante? "Eu acho que sim, porque jornalista nunca consegue mostrar tudo. A relação entre imprensa e governo é naturalmente tensa, sempre vai ter algo para descobrir." Além disso, o próprio Lula gostaria de voltar ao assunto do mensalão este ano, como lembra o jornalista: "É muita história para contar".
(Valor Econômico)

sábado, 29 de janeiro de 2011

BÓRIS E A ÁGUIA DE DUAS CABEÇAS

Bóris tem 11 anos, é curioso e me persegue pelo apartamento








 Emprego formal tem melhor resultado em 18 anos

Míriam Leitão, de O Globo

O Ministério do Trabalho divulgou há pouco que em 2010 foram criadas 2,524 milhões de vagas formais, o que representa o melhor resultado da série histórica, que começou em 1992. Chegou-se a esse número, que ultrapassa a meta fixada pelo governo de 2,5 milhões, porque foram computadas contratações informadas fora do prazo regulamentar, o que não costuma ocorrer. Se não fossem levadas em conta, o número seria de 2,136 milhões de empregos com carteira assinada, abaixo da meta, mas ainda o melhor resultado em 18 anos. 

- Ao realizarem uma admissão ou desligamento as empresas devem informar ao Ministério do Trabalho até o dia 6 do mês subseqüente. Porém, nem sempre este prazo é respeitado, e as informações recebidas fora do prazo nunca foram computadas nas estatísticas mensais do Caged, ou seja, essas admissões e demissões não foram contabilizadas nem no mês em que ocorreram nem em qualquer mês subseqüente. Outro registro, a RAIS, de periodicidade anual, acaba por captar tais movimentações – explica a consultoria LCA, em nota enviada ao blog.

Em dezembro, como costuma ocorrer por questões sazonais, houve destruição líquida de vagas. Desta vez, foram 407 mil postos eliminados contra 415 mil, no mesmo mês de 2009.

DE A FOLHA DE S. PAULO

Rendimento médio do trabalhador é o maior desde 2003

 

O IBGE revelou que o rendimento do trabalhador atingiu em 2010 o seu maior patamar dos últimos sete anos. A cifra de R$ 1.490,61, a média calculada para o todo o ano passado, representa um ganho de 3,8% em relação a 2009 e de 19% desde 2003.

 

Para Cimar Azeredo Pereira, gerente de pesquisa do instituto, a inflação maior no ano passado inibiu uma expansão maior da renda neste ano, já que era esperada por economistas uma recuperação maior após a crise.

 

"A inflação tem certamente um peso no progresso do rendimento mais tímido do que o esperado”, disse ele.

 

Em 2010, a inflação estimada foi de 5,91% (maior alta desde 2004), conforme a leitura do IPCA, também calculado pelo IBGE. Desde 2003, a inflação acumulada foi de 44% (de dezembro a dezembro).

 

A massa de rendimento real dos trabalhadores ocupados atingiu a cifra de R$ 34,5 bilhões em dezembro, em um número 0,5% abaixo do resultado de novembro, mas é quase 10% superior À cifra registrada em dezembro de 2009.

 

DESOCUPADOS

 

A massa de trabalhadores desocupados foi calculada em 1,6 milhão, em média, para o ano de 2010. O número é 15% inferior à cifra registrada em 2009 e retoma uma tendência de queda registrada em 2008 e 2009. Em relação a 2003, quando foram estimados 2,6 milhões de desocupados, houve um decréscimo de 39% nos últimos sete anos. Em outros termos, 1 milhão de pessoas saíram da condição de desocupados.

 

Já a ocupação cresceu 2,9% em dezembro ante o mesmo mês de 2009 e totalizou 22,5 milhões de pessoas. Já o contingente de desempregados caiu 8% em relação a novembro e 21,4% na comparação com dezembro do ano anterior e fechou o ano passado em 1,3 milhão de pessoas.

 

Na média de 2010, a ocupação subiu 3,5%, contra uma queda de 15% do número de desempregados. O emprego com carteira aumentou 8,1% em dezembro ante o mesmo mês de 2009.

 

Com esse cenário, houve uma formalização do mercado de trabalho em 2010, que passou a contar com 46,3% de empregados formais no setor privado, ante 44,7% em 2009. Trata-se da maior proporção da série histórica do IBGE.

 

Já o rendimento teve queda de 0,7% em dezembro ante novembro e encerrou o ano a R$ 1.515,10. Na comparação com dezembro de 2009, houve crescimento de 5,9%. Em 2010, a média ficou em R$ 1.490,61, com alta de 3,8% ante 2009. Trata-se da maior cifra registrada desde 2002.

 

FORMALIZAÇÃO

 

Um dos principais destaques do mercado de trabalho em 2010 foi o crescimento da formalização, segundo o gerente da pesquisa do IBGE, Cimar Azeredo Pereira. De 2009 para 2010, o total de trabalhadores com carteira assinada subiu 7,2%. Entre 2003 e 2010, a expansão acumulada ficou em 38,7%.

 

Nesse intervalo de tempo, mais do que dobrou o número de trabalhadores com carteira em Recife e Belo Horizonte. Em São Paulo, houve expansão de 39,2%.

 

Já o total de empregados por conta própria, informais em sua maioria, caiu de 20% em 2003 dos ocupados para 18,4% em 2010.

 

Para Azeredo Pereira, mesmo diante da crise, em 2009, o número de empregados com carteira continuou a crescer, apesar da freada na ocupação média (alta de apenas 0,7%, contra 3,5% em 2010).

 

Isso mostra que a formalização é um processo contínuo e está ligado à maior fiscalização do Ministério do Trabalho, à expansão da economia nos últimos anos e ao aumento da oferta de trabalho em setores mais formais.

DA CARTA CAPITAL

Belas Artes: um patrimônio que São Paulo não pode deixar fechar



A notícia que o Cine Belas Artes iria fechar gerou uma comoção em um segmento importante da sociedade paulistana. A mobilização que nasceu a partir daí não deixa nenhuma dúvida: este cinema é um patrimônio da cidade. Seu desaparecimento vai significar para muitos de nós um enorme sentimento de perda, como a morte de um familiar ou amigo. Mais que isto, criará uma lacuna que uma cidade como São Paulo, tão desprovida de memória e de lugares significativos, não pode deixar acontecer.



Quase dez mil paulistanos já assinaram um abaixo-assinado se posicionando contra este crime. Fazem isto porque se sentem ligados ao local que, após meio século de vida, se tornou uma referência cultural e urbana para a cidade. A questão não é preservar a arquitetura do edifício, mas o uso do lugar, sua importância como ponto de encontro e espaço de debate cultural. A noção contemporânea de patrimônio é clara: a comunidade, além dos especialistas, tem um papel fundamental na identificação dos bens culturais a serem protegidos.

A noção de patrimônio se ampliou muito desde que o Estado Novo, através do Decreto-Lei 25/1937 criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e intituiu o tombamento. Embora Mário de Andrade tivesse proposto uma abrangência maior, na época, prevaleceu uma visão restrita, voltada para os bens com valor arquitetônico e artístico, chamada de “patrimônio de pedra e cal”.

Os critérios utilizados para a seleção dos bens a serem protegidos eram os de caráter estético-estilísticos, excepcionalidade e autenticidade, valorizando a arquitetura tradicional luso-brasileira, geralmente edifícios isolados, produzida no período colonial. O foco era a criação de uma identidade nacional, base cultural para a criação e fortalecimento de um Estado nacional.

Na década de 1970, esta noção de patrimônio se alargou enormemente, acompanhando as tendências internacionais. Nesta nova perspectiva, ligada à concepção de “Cidade Documento”, passou a abranger também sítios urbanos e manifestações de outros períodos e origens culturais, assim como se valorizou os espaços onde ocorre a vida social e os hábitos cotidianos da população. Em certas situações, os locais de vivência e de práticas sociais, que têm valor pelo seu uso, podem ser até mais relevantes do que os monumentos isolados de valor arquitetônico.

Além de valorizar o contexto urbano e edifícios utilizados pela população, entendidos como uma construção histórica, esta nova visão reserva à comunidade um papel ativo na identificação do patrimônio, que deixa de ser uma atribuição restrita aos profissionais envolvidos com a preservação. É por isto que o atual Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE) e sua Lei de Zoneamento, que incorporaram como conceito e método participativo esta nova visão de patrimônio, incluiu nas áreas a serem preservadas como Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPEC), locais indicados pela população como de interesse urbano e, por não dizer, afetivo.

Por esta razão, o tombamento do Cine Belas Artes está amplamente respaldado no Plano Diretor Estratégico de São Paulo, projeto que tive a oportunidade de relatar e redigir o substitutivo na Câmara Municipal (Lei 13540/2002). No capítulo que trata da Política de Patrimônio Histórico e Cultural, o PDE estabelece que uma das ações do município deve ser “incentivar a participação e a gestão da comunidade na pesquisa, identificação, preservação e promoção do patrimônio histórico, cultural, ambiental e arqueológico” (artigo 90, inciso VII), enquanto que uma das seus diretrizes é “a preservação da identidade dos bairros, valorizando as características de sua história, sociedade e cultura” (artigo 89, inciso III).

Em 2003, quando o Belas Artes e o antigo Cine Arte (atual Cultura) estavam ameaçados de fechar, a sociedade se mobilizou e impediu este desfecho doloroso. Na oportunidade, para apoiar os poucos cinemas de rua que ainda restavam na cidade, propus e foi aprovada uma lei que permite aos cinemas, como o Belas Artes, pagarem seus impostos municipais com ingressos em horários de baixa frequência, a serem utilizados em programas de inclusão cultural, para jovens e estudantes de escolas públicas. Na oportunidade, depois de passado o sufoco, erramos ao não nos darmos conta de que era necessário criar uma proteção legal mais permanente para estes cinemas.

A atual mobilização mostra que, de modo coerente com o PDE, uma parcela relevante da comunidade paulistana identificou um bem que faz parte da identidade de um bairro, característico da história e cultura de toda a cidade, e que está ameaçado de desaparecer e luta para garantir sua preservação. Não temos tempo a perder, porque o despejo do Belas Artes está marcado para o dia 27 de janeiro e em seguida ele será destruído.

O processo de tombamento já foi solicitado pela Associação Paulista de Cineastas. Agora é necessário que o Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura elabore um bom parecer técnico, e este artigo modestamente visa contribuir para ele, e a presidência do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de São Paulo – Compresp deve convocar uma reunião extraordinária para decidir pela preservação, antes da data fatal. Não vamos deixar que mais esta catástrofe ocorra em São Paulo no mês do seu aniversário.

PS: O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) decidiu colocar em votação no dia 18 o tombamento do prédio na Rua da Consolação.

DO CONVERSA AFIADA

O fantasma fardado e outras histórias

 

Mino Carta

 

A presidenta Dilma Rousseff parte dia 31 para uma visita a Buenos Aires e está previsto seu encontro com as “mães da Plaza de Mayo”, as valentes cidadãs argentinas cujos filhos foram assassinados ou desapareceram durante a ditadura. Hoje elas frequentam a Casa Rosada, recebidas pela presidenta Cristina Kirchner, em um país que puniu os algozes, a começar pelos generais ditadores.

 

Há quem diga e até escreva que Dilma se expõe ao risco de uma “saia-justa” (não aprecio a enésima frase feita frequentada pelos nossos perdigueiros da informação, mas a leio e reproduzo) ao encontrar as mães da praça. Quem fala, ou escreve, talvez funcione como porta-voz de ambientes fardados. Ocorre, porém, que a reunião foi solicitada pela própria presidenta do Brasil, e ela sabe o que faz.

 

No discurso de posse, Dilma mostrou-se orgulhosa do seu passado de guerrilheira e homenageou os companheiros mortos na luta. Conta com o aplauso de CartaCapital. Foi o primeiro sinal de um propósito claro do novo governo: aprofundar o debate em torno das gravíssimas ofensas aos Direitos Humanos cometidas ao longo dos nossos anos de chumbo. O encontro de Buenos Aires confirma e sublinha a linha definida pela presidenta, a bem da memória do País.

 

 

Cada terra tem suas características, peculiaridades, tradições. O Brasil não é a Argentina. Ambos foram colônias. Nós padecemos, contudo, três séculos de escravidão. A independência não veio com a rebelião contra a metrópole e sim graças aos humores contingentes de um jovem príncipe brigado com a família. A república foi proclamada pelos generais. A resistência e a luta armada na Argentina tiveram uma participação bem maior do que se deu no Brasil, e nem por isso o terror de Estado deixou de ser menos feroz aqui do que no Prata.

 

Já li mais de uma vez comparações entre o número de mortos e de desaparecidos brasileiros e argentinos, de sorte a justificar que a nossa foi ditabranda. Bastaria um único assassinado. A violência, de todo modo, foi a mesma, sem contar que os nossos torturadores deram aulas aos colegas de todo o Cone Sul, habilitados por sua extraordinária competência. Se a repressão verde-oliva numericamente matou, seviciou e perseguiu menos que a argentina foi porque entendeu poder parar por aí.

 

Fernando Henrique Cardoso disse na terça-feira 25 ao Estadão ser favorável à abertura dos arquivos da ditadura. Surpresa. Foi ele, antes de deixar a Presidência, quem referendou a proposta do general Alberto Cardoso, que comandava seu gabinete da Segurança Institucional, de manter indevassável a rica documentação por 50 anos. No elegante português que o distingue, FHC agora declara: “Aquilo ocorreu no meu último dia de governo e alguém colocou um papel para eu assinar lá”. Deu para entender que alguém pretendia enganá-lo e que o presidente assinava sem ler. Resta o fato de que, ao chegar ao poder, o príncipe dos sociólogos recomendou: “Esqueçam o que eu disse”. Dilma teve um comportamento de outra dignidade. E não há como duvidar que saberá dar os passos certos na realização da Comissão da Verdade.

 

Certos significa também cautelosos, sempre que necessário. E sem o receio da “saia-justa”. Adequados a tradições que, infelizmente, ainda nos perseguem. Colonização predatória, escravidão etc. etc. As desgraças do Brasil. E mais, daninha além da conta, o golpe de 64 a provar no País a presença insuportável de um exército de ocupação, pronto a executar os planos dos Estados Unidos com a inestimável colaboração da CIA e a servir às conveniências dos titulares do privilégio e seus aspirantes. Os marchadores com Deus e pela liberdade. Que Deus e que liberdade é simples esclarecer.

 

O fantasma brasileiro é fardado e não há cidadão graúdo que não o tema, e também muitos miúdos. Todas as desculpas valem, na hora em que se presume seu iminente comparecimento, para, de antemão, cancelar o debate ou descartar as soluções destinadas a provocá-lo. Nada disso é digno de um país em ascensão e de democracia conquistada. Carta-Capital acredita que a presidenta saberá exorcizar o fantasma sem precipitar conflitos. Saias-justas, se quiserem.

 

Um leitor escreve diretamente para Wálter Fanganiello Maierovitch. Lamenta a posição dele e de CartaCapital a favor da extradição de Cesare Battisti. Com urbanidade, felizmente. Enaltece a figura de Tarso Genro, louva a decisão que precipitou o caso e cita, para demonstrar seu teo-rema, um livro intitulado Terrorismo e Criminalidade Política, em que o falecido Heleno Fragoso, professor universitário e célebre criminalista carioca, se refere às inúmeras leis de exceção promulgadas na Itália durante os anos de chumbo. Nada disso também é digno do Brasil.

 

Fragoso não é o único entre os professores brasileiros que ignoram a história recente com toda a solenidade condizente com suas becas. A Itália dos anos 70, entregue ao comando da operação ao general Alberto Dalla Chiesa, venceu o terrorismo sem recurso a leis de exceção. Houve sim leis de emergência, que um Fragoso não poderia confundir com aquelas. Na semana passada publicamos uma entrevista do filho de Dalla Chiesa, que fez menção a outras leis aprovadas illo tempore, entre elas a redução a 36 horas da jornada de trabalho por obra da poderosa atuação do Partido Comunista e dos sindicatos, e a descriminalização do aborto, que aqui é quimera.

 

Nas eleições políticas de 1976, o PDC teve 36% dos votos e o PCI 34%, enquanto os pleitos administrativos davam aos comunistas a maioria das prefeituras. A  Itália dos anos 70, contudo, não era somente de Aldo Moro e Enrico Berlinguer, mas também de primorosa cultura, representada por figuras como Norberto Bobbio, Italo Calvino, Pasolini, Sciascia, Fellini, De Sica, Montale, Visconti e assim por diante. Não bastaria esta página para nomear a todos, e ninguém era de direita. Um importante colaborador de Berlinguer, Giorgio Napolitano, atual presidente da República italiana, enviou uma carta tocante à presidenta Dilma. Ele renova os cumprimentos pela eleição, mas mira no caso Battisti.

 

“Não são aceitáveis distorções, negações ou leituras românticas de crimes de sangue”, escreve Napolitano. A negativa à extradição, acentua “significa motivo de desilusão e amargura para a Itália”. “Não foi plenamente compreendida – prossegue – a necessidade de justiça experimentada por meu país e pelos familiares das vítimas de brutais e injustificados ataques armados, bem como dos feridos por aqueles ataques, sobrevividos às duras penas.” E ao cabo lembra que o terrorismo foi derrotado “dentro das regras do Estado de Direito”.

 

O Brasil no caso não deve satisfações ao governo italiano, o atual, aliás, o pior desde o imediato pós- guerra, e sim ao Estado, que o presidente da República representa. Talvez seja igual a pregar no deserto recomendar uma boa pesquisa sobre os anos de chumbo italianos a políticos, magistrados, jornalistas, irados cidadãos atolados em uma patética patriotada, indigna do país que o Brasil merece ser. Isento o trabalho, aconselhamos, da singular influência da hipocrisia francesa.

 

Falo deste nosso atual país onde ainda se verificam cenas do faroeste. Na sexta-feira 21, o caminhão que carregava para o Rio o reparte de CartaCapital foi assaltado ao longo da Dutra. Os assaltantes não eram ávidos de boa leitura: a carga não tinha para eles a menor serventia, queriam era o próprio caminhão. Renderam e aprisionaram o motorista, ficaram com o veículo, imediatamente remetido para outro canto do País.

 

A última edição da revista não circulou no Rio. Na noite da mesma sexta tentamos reunir um número suficiente de exemplares para reabastecer as bancas cariocas. Infelizmente não havia sobras, na manhã de sábado todos os repartes tinham sido distribuídos. Pelo gravíssimo percalço pedimos desculpas muito sentidas aos leitores do Rio. Com uma derradeira observação. Ao recordar os assaltos às diligências dos filmes western, murmurei para meus espantados botões: a presença de bandos armados no trajeto da mais importante rodovia do País não é digna do Brasil que queremos. Os botões me acharam comedido.