domingo, 2 de maio de 2010

METRO-ESPIRITUALIDADE

Hoje acordei taciturno.
Por seu turno, isso me fez acordar.
Acordar pra realidade de plástico, ou melhor, de silicone, que nossa sociedade insiste em viver.

Quase cantei Taiguara:
“eu desisto, não existe essa manhã que eu perseguia... um lugar que me dê trégua ou me sorria...uma gente que não viva só pra si...”

Fico triste com a mesquinhez de espírito. Com a pobreza no trato, com a falta de auto-percepção das pessoas.

Se cada um se julgasse pelo tribunal de sua própria consciência, no mínimo os acórdãos sempre seriam  “carência de”  humildade”,  “obrigação de fazer” mais, etc. Mas...

Se enxergássemos um palmo à frente do próprio nariz, veríamos tanto! Todo um universo se descortinaria, mostrando algo a mais que nosso umbigo.

Mas, não... há sempre uma obstrução de pauta em relação aos assuntos que confrontam nossos defeitos. Sempre há um adiamento sine die das demandas cujas partes somos apenas nós mesmos.

Ninguém tem urgência em se modificar. Ninguém tem pressa em amadurecer. Ou mesmo interesse.

É uma pena que certas verdades tenham de demorar tanto para serem reconhecidas. Não há rito sumário pra desboçalização.  

Cada qual com sua percepção obtusa do universo, “procurando repartir seu mundo errado”, abstendo-se de tentar olhar as coisas sob a perspectiva da eternidade.

Todo mundo com seu desfile de corpos, de posses, de cargos e de máscaras. Um baile onde estou sem ser convidado. E não pedi pra vir.

Então, será que o que nos cabe é apenas engolir nosso grito de insatisfação, aceitar nossa inexpressividade, expressar nossa resmunga e resignar-nos na nossa irresignação?

Acredito que não... Pelo menos hoje estou tentando semear.

A TV que exibe a alma das pessoas está em preto e branco. Não temos mais utopias saudáveis, ou fantasias lúdicas.

Somos uma massa disforme caminhando e cantando e seguindo a canção, miseravelmente feitos iguais pela idiotice de nossa superficialidade e invariavelmente sem braços dados. Perdemos a esperança. Perdemos a fé. Perdemos o afeto. Perdemos a nós mesmos, na plenitude da singularidade que pode nos tornar mais que apenas um só.

Nascemos pra testemunhar de Deus. Sim, testemunhar para nós mesmos e para outros. Mas isso passa tão longe da nossa realidade... Parece... conversa-pra-boi-dormir!

Hoje eu consigo discernir a figura do homem "metro-espiritual". Sim, nos padrões de classificação de comportamento que a mídia atual nos ensina, eis que surge um novo modelo de espiritualidade. É a espiritualidade-vaidade, modelo século 2.0 / 2.1.

Esse tipo de atitude é encontrada na pessoa que tem na espiritualidade apenas mais um hobby.

A prática da espiritualidade serve apenas para alcançar o equilíbrio da alma e do corpo.

É como se Deus fosse uma extensão da academia, ou da Yoga, ou da massagem...

O homem de hoje tenta ser espiritual para si mesmo. É a religião do deus-interior. Uma espécie de budismo, só que sem a resignação.

Procura-se a absolvição de si mesmo, a libertação de todas as culpas, não através da redenção da Cruz, mas através da soltura das amarras dos próprios limites.

A meta maior é viver livre das culpas, dos “tijolos inúteis que carregamos”, como diria Al Paccino.

Sabe... um pouco de culpa pode fazer muito bem, sim senhor. Significa que ainda temos consciência. A doença está em como se trata com a ela.

A culpa deve apontar o erro e levar ao arrependimento/mudança de atitude. Tão-somente isso.

Mas não. Consciência não está na moda.

Aliás... a moda é o que há! Triste constatação que tive no Natal passado, ao ler num banner do Píer 21 que “fraternidade está na moda... doe “não-sei-o-quê”.

Hoje a piedade se confunde com o politicamente correto,

A misericórdia só existe como um complemento das virtudes que se tenta obter,

O amor ao próximo desapareceu. O próximo desapareceu!

A verdadeira compaixão, com paixão, sumiu.

Os andrajosos passam por nosso caminho e nos abstemos de ajudá-los, sob o pretexto de que "nenhum bem efetivo pode advir de uma ajuda conjuntural", parafraseando Abraham Lincoln da pior maneira possível.

Os mendigos são problema da estrutura, ora bolas!

Os pedintes são um incômodo que preferimos não ver. Que fingimos não ter.

Mas a metro-espiritualidade, a espiritualidade do conveniente está lá...

Como sepulcros caiados frequentamos nossa igrejas, nossas terapias de grupo e nossos analistas.

Mas o objetivo é a auto-absolvição. É a fixação na “descastração” dos conteúdos inconscientes. É Freud na pior representação.

É a psicanálise a serviço do inferno.

A desgraça existe, mas sempre está longe demais para ser sentida! Afinal, o 11 de setembro foi a uns 9 mil quilômetros daqui.

O único bem que se quer fazer é aquele que fica bem na foto ou aquele que nos

permite viver sempre “de bem” conosco mesmos, e assim nos estabelecermos sadicamente por sobre nossos pares.

A “cura” é tornar-se um rolo-compressor tão cheio de ética quanto de vazio. É o egoísmo em forma de auto-ajuda.

*****

Até que o vento frio da desdita nos desminta.

Até que a noite escura desça como um véu sobre nosso céu,

Até que o diabo mostre a cara, a desgraça bata à porta.

E a doença nos coloque num cativeiro disciplinar.

Até que as finanças entrem em colapso e um abismo se abra sob nossos pés.

Até que uma bolhinha de ar entre despretensiosamente nos capilares de nosso cérebro.

Até que um ente querido faça a passagem

E um nó se ate tão forte em nossa mente que as forças se dissipem, e o simples levantar da cama seja o maior dos sacrifícios!

Nesse dia, viver "um dia após o outro" finalmente encontra seu significado em nossa existência.

Nessa hora “o valor das pequenas coisas” deixará de ser um chavão piegas Nesse minuto se reconhecerá a dádiva do “sol quente sobre nosso rosto.”

Nesse tempo, a metro-espiritualidade não nos bastará.

Nesse segundo, quando nossa mente nos engana, quando a psique nos prega peças, quando a depressão procura nos engolir...

Nesse momento, é a hora do grito de socorro, é a hora do absurdo, é a hora do improvável, é a hora da ajuda-sem-nome.

É a hora do Nome sobre todo nome.

É a hora de Deus.

Sim... aí nos lembramos dEle.

E se não formos mais burros que já temos sido, podemos perceber Sua mão nos apascentando, através do caminho, dos descaminhos, das pessoas, da vida.

Já dizia o sábio: "lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade".

Então, que um eco dessa sabedoria no ocaso de Salomão brinde nossos dias jovens...

Que Deus nos encurrale para que ele mesmo possa operar o bem em nós, no mais profundo sentido da palavra “bem”.

Que meu grito de hoje sirva para incomodar...

Que ateie fogo, muito mais que apague incêndios;

Enfim, que esse texto sirva, preventivamente, para sua reflexão.

Na esperança e na fé de ter sido compreendido ou, quem sabe, ter ajudado...apenas mais um que seja.


André Barcellos

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