domingo, 9 de maio de 2010

"A IGREJA UNIVERSAL E SEUS DEMÔNIOS" - RESENHA

1.    A OBRA

Nesta postagem, serão feitos comentários sobre a obra “A Igreja Universal e seus demônios”, versão publicada da tese de Mestrado de Ronaldo de Almeida, lançada pela Editora Terceiro Nome, com a colaboração da Fapesp, em 2009.
Os comentários estarão centrados principalmente no terceiro capítulo da obra, “Trânsito das entidades”, referentes às páginas 99 a 127 do livro.

2.    O AUTOR

O autor do trabalho a ser analisado, Ronaldo de Almeida, possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1991), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (1996), doutorado em Ciência Social (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (2002) e Pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris (2007).
Atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual de Campinas, Coordenador do PPGAS-Unicamp e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Tem experiência na área de Antropologia da Religião e Antropologia Urbana, atuando principalmente nos seguintes temas: religião, pentecostalismo, cidade e pobreza.

3.    OBJETO DE ESTUDO

O objeto de estudo da pesquisa de Almeida é a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), denominação evangélica neopentecostal surgida no final da década de 1970.
Em seu trabalho, são estudados diversos aspectos acerca da Iurd: sua organização territorial na Região Metropolitana da Grande São Paulo (RGMSP), a estruturação de seus cultos religiosos e a questão dos rituais de exorcismo promovidos pela igreja.

4.    RESUMO DOS CAPÍTULOS (ASPECTOS GERAIS)

Como já afirmado, a obra de Almeida procura traçar uma visão geral sobre a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), igreja evangélica neopentecostal surgida no Rio de Janeiro, no Brasil, no final da década de 1970.
No primeiro capítulo do livro, intitulado “Expansão pentecostal”, Almeida traça um retrato do crescimento do segmento evangélico no panorama religioso brasileiro, além de procurar demonstrar sua territorialização na Região Metropolitana da Grande São Paulo (RGMSP).
No segundo capítulo, “Diabo no templo”, temos uma descrição etnográfica do funcionamento dos cultos da Iurd. Não se trata apenas de uma descrição do culto, mas de uma análise de seu funcionamento.
O terceiro capítulo, “Trânsito das Entidades”, será analisado na próxima sessão.
O quarto e último capítulo, “Chute na santa”, analisa a expansão da igreja a partir do eixo criado entre o trabalho promovido nos tempos da Universal, e, a partir do final da década de 1980, a entrada da igreja na esfera midiática, por meio da aquisição da Rede Record de televisão.
Este capítulo final analisa ainda o conflito entre a Iurd e outras confissões religiosas, analisando como paradigmático, o episódio do “chute na santa”, ocorrido em 12 de outubro de 1995, Dia de Nossa Senhora Aparecida, quando o pastor Sérgio Von Hélder chutou uma imagem que representava Nossa Senhora.

5.    RESUMO DO TERCEIRO CAPÍTULO

O terceiro capítulo do livro, intitulado “Trânsito das Entidades”, oferece uma análise de um dos mais importantes rituais praticados pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), ou seja, o ritual do exorcismo.
A relevância de se estudar a prática desse ritual encontra-se na exata medida em que ele é um dos mais importantes “produtos” comercializados pela Iurd no vasto mercado de bens religiosos brasileiro.
Sua importância é tanta que os cultos de sexta-feira, em todos os templos da Iurd são dedicados ao exorcismo, assim como é possível assistir transmissões de exorcismos na programação televisiva veiculada pela igreja.
O capítulo é iniciado com uma discussão que aproxima o ritual do exorcismo da Universal com o ritual de incorporação de entidades promovido por religiões afro-brasileiras, como o Candomblé a Umbanda.
Para iniciar essa discussão, o autor se utiliza de reflexões de Roger Bastide sobre os rituais do Candomblé na Bahia. Para Bastide, os rituais de possessão dos fiéis pelos orixás é um processo social e, portanto, sujeito as interpretações e ao processo de significação por parte dos fiéis. Logo, o processo pode ser decodificado e analisado.
Segundo Almeida, o ritual de exorcismo da Iurd, chamado de “culto de libertação” é muito semelhante aos rituais de incorporação das religiões afro-brasileiras. Suas semelhanças afirmam, implicitamente, que a Iurd aceita a “validade” do fenômeno ocorrido no terreiro de Umbanda ou de Candomblé. 
Apesar de conferir veracidade ao fenômeno, na Universal, as entidades de Candomblé e Umbanda, não são identificadas como orixás, mas sim como demônios. Segundo a igreja, qualquer pessoa que participe de um ritual realizado em um terreiro está sujeita à possessão demoníaca.
Por sua vez, a possessão, que, ao contrário dos rituais dos terreiros, jamais termina ao final da incorporação, cria a possibilidade de o Diabo interferir na vida das pessoas, por meio de vários malefícios, como enfermidades, perda de empregos, destruição de relacionamentos, entre outros.
Para “curar” as pessoas da influência demoníaca, é necessário a participação no “culto de libertação”.
O processo de exorcismo é realizado mediante a invocação da entidade, que se encontra oculta dentro do corpo do fiel. A manifestação das entidades é sempre controlada pelo pastor ou pelos obreiros da igreja, que submetem o “demônio” a uma série de interrogações, com o objetivo de saber qual é o real propósito da possessão.
Aqui, ocorre uma inversão em relação ao processo de incorporação dos “santos” nas religiões afro-brasileiras, uma vez que, no templo, a entidade encontra-se submissa ao pastor.
Outra questão importante no que diz respeito ao processo de possessão de pessoas pelos “demônios” diz respeito à reutilização, por parte da Iurd, da noção mágica de “contaminação pelo sagrado”, uma vez que a pessoa pode ser vítima de possessão por meio de vários esquemas como, por exemplo, o consumo de alimentos e bebidas consagradas aos “santos”.
Ao aceitar essa possibilidade, ou seja, de que alimentos e bebidas estejam “enfeitiçados”, a Iurd também criou a possibilidade de existência real do “contra-feitiço”. No caso da Universal, temos o sal consagrado, utilizado nos exorcismos, e o copo de água abençoado, que é ingerida pelos fiéis após a benção do elemento, inclusive por meio de pregações transmitidas pela TV.
Outro elemento fundamental da “teologia” do exorcismo na Universal é a virtual eliminação da responsabilidade pessoal do fiel quanto às dificuldades enfrentadas na vida.
Na concepção cristã clássica, o ser humano nasce contaminado pelo pecado original, do qual é salvo mediante a aceitação do sacrifício de Cristo e, posteriormente, pelo processo chamado de imitatio christi, ou seja, a reordenação de sua conduta pessoal, em imitação a Cristo. Em linhas gerais, esse é o processo de “conversão”.
Na Universal, muito mais do que a “conversão”, o que é valorizado é a experiência de “libertação” do mal.
“O que quero demonstrar, no entanto, é que a sutil diferença de enfoque revela, em certa medida, uma prática singular. Pois a ‘conversão’ implica diretamente a ideia de pecado, de culpa pessoal e a necessidade de arrependimento consciente, enquanto que a ´libertação´ valoriza a figura do Diabo e sua possessão inconsciente”, escreve o autor em sua análise.
Por fim, o capítulo é encerrado com uma discussão sobre o processo de apropriação realizado pela Universal em relação à incorporação de entidades promovida pelo Candomblé e pela Umbanda.
Aqui, o autor afirma que o processo de transe e a manifestação das entidades, após um longo processo de interpretação e ressignificação, por parte da Universal, criou uma nova modalidade de possessão, que só pode ser compreendido pela análise da prática da Iurd.

6.    ASPECTOS METODOLÓGICOS

Em seu trabalho, Almeida se utiliza de vários recursos metodológicos, ao traçar um panorama geral, ainda que extremamente abrangente, da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd).
O leitor de “A Igreja Universal e seus demônios”  encontrará informações sobre como a igreja se organiza espacialmente, sobre como funcionam os seus cultos, e, detalhes sobre o momento fundamental das reuniões da Iurd, ou seja, os rituais de exorcismos, bem como detalhes sobre suas estratégias de expansão, a partir da articulação entre os eixos religiosos (a prática dos templos) e a exploração da mídia televisiva em escala nacional (e internacional), bem como alguns de seus traços fundamentais: sua elaboração teológica particular e sua crescente hostilidade contra outros grupos religiosos.
Do ponto de vista metodológico, para a realização do trabalho de construção desse painel bastante amplo, o autor se utiliza de diversos recursos, tais como:

·        Levantamento mapográfico

Com o objetivo de delimitar, na Região Metropolitana da Grande São Paulo, onde se localizam e como se organizam os templos da Iurd, uma vez que, para o autor, a escolha dos locais para a implantação dos templos obedece a uma série de escolhas racionais por parte da instituição, sendo que, o maior objetivo na escolha dos locais para a construção dos templos é aumentar a visibilidade da igreja.

·        Observação participante

 Este recurso metodológico, emprestado principalmente da Antropologia, pede que o pesquisador tente participar das atividades promovidas e organizadas por seu objeto de estudo, de forma a poder compreendê-lo melhor. Desta forma, foi necessário que Almeida participasse de diversos cultos e reuniões promovidas pela Iurd ao longo da pesquisa. Esse recurso, no caso do estudo de grupos religiosos, permite comparar a estrutura das reuniões em diversos templos da mesma igreja, o que torna possível identificar seus elementos comuns mais básicos, e, por fim, analisá-los.

·        Entrevistas

Em seu trabalho, Almeida fez uso intensivo de entrevistas como meio de pesquisa.
Na Introdução do livro, o autor informa ao leitor que foram realizadas entrevistas nos períodos após o final dos cultos, tanto com fiéis, como com pastores da Iurd.
Em termos gerais, o objetivo era levantar informações sobre como os fiéis – e os pastores, evidentemente – compreendiam a lógica dos rituais ali realizados.
No processo de redação dos dados levantados, em nenhum momento é realizada espécie alguma de juízo de valor acerca da compreensão feita pelos crentes sobre a igreja e sua linha teológica.

·        Levantamento bibliográfico

Em sua pesquisa, Almeida faz um amplo levantamento bibliográfico, em diversos setores.
Em primeiro lugar, ele oferece vários comentários possibilitados pelo acompanhamento da imprensa da própria Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), principalmente por meio da leitura do jornal oficial da igreja, a Folha Universal.
Também foi feito um amplo levantamento sobre os estudos na área da Antropologia, da Socioliogia e da Ciência da Religião sobre a Iurd. É importante lembrar que a Universal, nos últimos tempos, é um dos principais alvos dos pesquisadores na área de Ciências Sociais.
Um dos trechos mais interessantes da pesquisa de Almeida é a comparação, levada a cabo no terceiro capítulo, entre o ritual de exorcismo e a prática da incorporação de entidades nas religiões afro-brasileiras. Essa comparação foi feita tendo como uma de suas fontes o estudo de Roger Bastide, intitulado “O Candomblé na Bahia” (publicado no Brasil pela Companhia das Letras).
Ainda foram consultadas – e citadas na pesquisa – fontes como autores especializados em Teologia Cristã, além de programas de telvisão produzidos pela Rede Record e programas da Rede Globo, principalmente no período em que esta combatia a Universal, utilizando-se da minissérie “Decadência” e de programas como o Globo Repórter e o Jornal Nacional, por exemplo. a Universal, utilizando-se deo de entidades nop l de exorcismo e a pruisa de Almeida mente por meio da leitura do jornal oficial da igreja, a Folha Universa

7.    CONCLUSÕES GERAIS

A proposta do trabalho de Almeida é estudar a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), a igreja evangélica neopentecostal que mais cresce no Brasil atualmente.
Para realizar esse trabalho, a pesquisa aborda diversos aspectos acerca da instituição, como sua distribuição espacial, a estrutura de seus cultos e de um dos seus principais rituais, o exorcismo.
Na pesquisa, também são estudadas as formas como a instituição retrabalha antigas noções teológicas e o autor procura demonstrar como, nesse trabalho de ressignificação, a Iurd abandonou vários dos temas principais abordados pelos reformadores protestantes, como o da salvação pela Graça, por exemplo.
A obra oferece uma excelente introdução ao estudo da Iurd, cujo interesse acadêmico baseia-se em dois fatores predominantes: seu crescimento nos últimos anos e as intensas polêmicas que cercam a instituição.

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