segunda-feira, 15 de março de 2010

UM TELEFONEMA

Ela acordou de repente, com sede. Levantou-se da cama lentamente, para não acordar o menino que dormia na cama acima da dela. Saiu do quarto e ganhou o corredor. Desceu as escadas e chegou à cozinha.

Por um momento, ela pensou em acender um cigarro, mas se lembrou que seu pai não gostava que ela fumasse dentro de casa. Um copo d´água, então. Sentou-se na bancada da cozinha, em silêncio, com as luzes apagadas.

Eram três horas da manhã. E, mesmo assim, o telefone tocou. Ela se levantou apressada e correu até o aparelho, que ficava em cima de um pequeno móvel na sala, perto das escadas.

- Alô?, ela disse. 

- Oi, disse uma voz masculina do outro lado da linha. Sou eu.

Silêncio.

- Eu reconheci sua voz, ela disse.

- Eu sei, ele respondeu. Que bom que ainda não se esqueceu de mim.

- Por que você está me ligando a essa hora? Continua inconveniente...

- Eu morri, ele a interrompeu, antes que ela começasse a desfiar a longa série de coisas horríveis que ela sempre lhe dizia nas poucas vezes em que se encontraram depois do fim do namoro.

- O quê?, ela disse.

- Faz meia hora. Um pouco mais, talvez. Em um hospital, depois de um acidente de carro. Eu morri. E você é a única pessoa com quem eu queria falar antes de...

Dessa vez, ela o interrompeu.

- Que brincadeira de retardado é essa? Por que você está fazendo isso?

Um longo silêncio do outro lado da linha. Ela sentiu frio.

- Eu só queria dizer que nunca deixei de amar você em todo esse tempo. Tentei, mas não consegui.  E eu sinto muito por ter sido um idiota tantas vezes. 

- Nós já falamos sobre isso... O nosso relacionamento acabou há muito tempo...

- Infelizmente, foi só o relacionamento que acabou. Eu ainda amo você. E acho que sempre vou sentir sua falta. Mas quero que você fique bem. Fico feliz que esteja indo bem no trabalho e todo o resto.

"Como ele sabe?", ela se perguntou. Mas não disse nada. Pelo contrário:

- Olha, por favor, não me procura mais.

Silêncio do outro lado da linha. Então, o som do telefone sendo desligado. Passavam apenas alguns minutos das três horas. O frio amenizou um pouco. Começara a chover do lado de fora.
Então, quando voltava para a cozinha, ela se lembrou dele. A sensação era um misto de raiva e tristeza. Sim, ele tinha sido um idiota. E ela não o deixara se esquecer disso nenhuma das vezes em que ele tentrara se reaproximar depois do rompimento.

Era impossível dizer uma palavra amiga, sequer.

Ela voltou ao quarto e, no escuro, conseguiu achar um cigarro na bolsa. Caminhou até a varanda do seu quarto e ficou lá, parada, só de pijama, olhando a chuva caindo.

A chuva abafava todos os sons que poderiam ter sido ouvidos naquele momento. 

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