Quando eu era um menino
eu e meus irmãos brincávamos
no chão do quarto
jipes, helicópteros, naves espaciais
e castelos se misturavam, criando um eterno presente.
Brincávamos jogos de guerra,
brincadeira de meninos que vão se tornar homens.
Todas as tardes, cidades queimavam e homens explodiam
eu era o mais velho, sempre vencia
e meus exércitos carregavam minha bandeira, limpando o sangue dos vencidos.
Meu império se estendia da minha cama à porta do nosso quarto,
passando pelos vales entre as camas dos meus irmãos
e pelas pradarias dos tapetes surrados.
Nossas guerras eram inocentes, brincadeiras
no dia seguinte, os mortos haviam ressuscitado, a destruição nunca acontecera
e os vencidos do dia anterior podiam ter esperança na vitória.
Quando eu era menino
a pequena cidade parecia metrópole, com seus canais e ruas
praças e parques
e a praia gigantesca monstruosa estendia-se
até onde meus pequenos olhos podiam ver
O vento carregava o perfume do maré serpenteava por entre os prédios e casas
junto ao sol imortal.
caverna do dragão atari eduardo dusek blitz
fofão & turma do balão mágico xuxa
madonna colares e pulseiras cabelo repicado miami vice labirinto & menudo
eu fui criança antes do final do século, nos anos 80
quando ainda havia medo do exército, tanques e jipes, quando o gibi do carnaval seguinte custava outra moeda na páscoa
pelado pelado nu com a mão no bolso nos invadíamos sua praia
no Parque Rebouças, no inverno frio de julho brincávamos em um labirinto e em um castelo correndo e pulando armas falsas em punho e casacos amarrotando em nossos corpos
minha mãe sentada em um banco nos observava
gritando não corre, Thiago
Pequenos retratos instantâneos perdidos no tempo de quando eu era menino e a vida era mais fácil, quando não haviam dúvidas e o futuro parecia uma certeza, sem as dúvidas de hoje.
Gostei muito,
ResponderExcluirVou colocar aqui um outro sobre infancia é do Serginho Poeta meu truta, essa poesia fala de minha infancia e de outros milhões de crianças
Soldados de Chumbo
(Serginho Poeta)
“Quando apagam a luz
Da última cela do meu pavilhão
Um clarão vem iluminar a minha janela
É a lua
Não sei o que seria de mim se não fosse ela
O sentinela caminha de um lado para outro
Acende um cigarro…
Um carro passa por trás da muralha
Não posso vê-lo, apenas ouvi-lo
Não posso tocá-lo, mas posso senti-lo
É engraçado
Não fosse pelo andar desengonçado
Pela deselegância
Diria que o homem fardado
Se parece com alguns soldados de chumbo
Que ganhei na minha infância
Minha mãe trabalhava
Por quanto tempo durasse o dia
E acaso, não fosse o bastante
Seu esforço tinha a noite como companhia
Às vezes, me levava para o emprego
E eu ficava confinado à área de serviço
Talvez porque a patroa não gostasse de negros
Circulando pelos cômodos do seu luxuoso cortiço
Quando acordava de bom humor
Danava-se a falar do moleque sem cor
Que queria que fosse engenheiro
Sei que minha mãe sonhava pra mim
Um futuro semelhante
Mas quando olhava pro neguinho
Com ar de maloqueiro
Arriava o semblante e sofria
Como quem descobre uma infinita distância
Entre desejo e realidade
Certo dia
A madame me deu de esmola
A Guarda Real Britânica
Em formato de miniaturas
Criaturas sem pernas ou braços
Que o pequeno engenheiro enjoou
Eu tinha, lá em casa
Uma tribo com dezenas de caixas de fósforos
Daquelas amarelas
Com a figura de um índio estampado nos rótulos
Vivazes, meus amigos me eram sagrados
E estavam sempre prontos
Para conterem a invasão
Dos soldadinhos amputados
Outros mais me foram dados
Mas minha tribo sempre vencia
Por mais que o pelotão crescesse
Era como se pelo menos ali, naquele dia
O neguinho também vencesse
Eu era pequeno, gigante na minha imaginação
Não creio que o fabricante mais astuto
Pudesse imaginar que seu produto
Fosse além de acender cigarro ou fogão
À noite
Quando minha mãe voltava pra casa
Silenciávamos-nos a todo custo
Para velarmos seu sono tão justo
Depois, cada peça do meu invento
Ia para debaixo do colchão
Ao lado do bloco de cimento
Que sustentava minha cama
A dois palmos do chão
Quando Deus achou que era a hora
Resolveu levar minha santa senhora
Antes que ela pudesse perceber
No que a vida me transformou
Se foi ganância, fraqueza ou necessidade
Não sei
Ninguém nunca me explicou
Amanhã, é dia de visita
Meu filho, a criança mais bonita
Virá me conhecer
Vou rezar até o amanhecer
Para que a vida também não o torne um bandido
Para que seja talvez como minha mãe sonhou
Um profissional bem-sucedido
E se acaso eu perceber
Que ainda existe uma infinita distância
Entre desejo e realidade
Maior terá que ser meu pensamento
Mais forte há de ser minha vontade!”