segunda-feira, 15 de março de 2010

CHE: MAIS DO MITO, MENOS DO HOMEM

Depois de uma longa enrolação, finalmente assisti a Che2: A Guerrilha, dirigido por Steven Soderbergh, sobre a vida do revolucionário e aspirante a santo cubano-argentino Ernesto "Che" Guevara. O filme tem em seu papel principal o ator Benicio Del Toro - em cartaz no cinema como o protagonista de Lobisomem.

O projeto de criar uma cinebiografica de Ernesto "Che" Guevara foi realizado com a produção de dois filmes, retratando sua participação no início da Revolução Cubana e sua morte na Bolívia.

 Cartaz de CHE

Não se trata de um filme ruim. Do ponto de vista técnico, Che é excelente, como a maioria dos filmes de Soderbergh. Os atores são ótimos e a reconstituição de época, bastante convincente.

O problema é que é um filme desonesto. Ou, melhor ainda, sua intenção, a de glorificar Guevara, é desonesta, já que os roteiristas optaram por pintar a imagem de um santo, e não a do homem como ele realmente foi.

Guevara segundo Korda

A cinebiografia de Che Guevara realizada por Soderbergh - que tem o mérito de ser a primeira grande produção a tratar da vida do revolucionário - foi dividida em duas partes.
No primeiro filme, o período retratado vai do primeiro encontro entre Guevara e o futuro ditador cubano, Fidel Castro, até a vitória das forças revolucionárias, o Movimento 16 de Julho (M16), contra o exército de Fulgêncio Batista, o predecessor de Castro no cargo de gendarme do povo cubano.

O segundo filme trata especificamente da trajetória de Guevara do momento em que parte de Cuba rumo à Bolívia, na tentativa de expandir o movimento revolucionário latino-americano, até sua morte, em 8 de outubro de 1967. 

Um dos problemas do filme de Soderbergh encontra-se justamente no período retratado, já que foi feita uma opção consciente de não abordar o período imediatamente posterior à revolução cubana, vitoriosa em janeiro de 1959. 

Mas a escolha de deixar esse período de lado é bastante compreensível, uma vez que é difícil pintar a imagem de santos revolucionários, tendo de mostrar uma série de julgamentos públicos e fuzilamentos. O processo de justiçamento de "inimigos da revolução", realizados por ridículos julgamentos públicos, durou meses e matou centenas de pessoas.

Outro lapso: Soderbergh não trata do período em que Guevara foi Ministro da Indústria de Cuba, época em que travou um sério debate com os revolucionários pró-soviéticos - que queriam simplesmente que Cuba fosse anexada ao bloco soviético como fornecedor de produtos agrícolas, como o açúcar, o que acabou acontecendo - e os da linha "chinesa", que defendiam um desenvolvimento autônomo para a ilha, com ênfase na reforma agrária e na industrialização de Cuba. 

Outro lapso: não há uma palavra no filme sobre o início da transformação da Revolução Cubana em uma ditadura comunista, processo culminado em 1962, quando Castro decidiu unificar todos os partidos socialistas no recém-criado Partido Comunista Cubano, tornando ilegais todas as outras organizações políticas existentes no país.

Mesmo no caso do segundo filme, que trata especificamente da campanha de Guevara na Bolívia, que fracassou basicamente porque os revoluionários, quase todos estrangeiros, não receberam o apoio da população local - inclusive do Partido Comunista boliviano - é baseada exclusivamente no diário que Guevara escreveu a respeito, sem utilizar a grande quantidade de material produzido por pesquisadores - tanto de direita como de esquerda - sobre a morte do revolucionário, realizada a pedido do governo norte-americano. 

Infelizmente, os produtores de Che optaram por colaborarem na construção do mito acerca de Ernesto "Che" Guevara, e perderam a oportunidade de retratar o homem que existiu por trás da lenda.

Um pouco mais do mito; um pouco menos do homem.

Paz e Bem!

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