Então, eu entrei na sala. Hoje, passados tantos anos, se eu soubesse o que me esperava lá dentro, eu provavelmente teria pensado duas vezes. Não, não é verdade. Eu precisava daquilo.
Eu entrei na sala. O lugar era escuro, a não ser por um pequeno abajur de escritório colocado no canto esquerdo. Não haviam muito móveis, pelo que me lembro. Creio que uma mesa e duas cadeiras. Estremamente funcional, como qualquer bom escritório.
Não havia nada de especial naquela sala, a não ser pelo Homem. Era impossível não percebê-lo e concentrar-se nele assim que ele entrasse em seu campo de visão. Seus olhos eram quase amarelados. Os cabelos, já ralos, estavam penteados para trás. Meia-idade. Atraente.
- Meu nome é Viriato, senhor, ele disse. A voz era fria, parecia debochar de você. Eu o odiei com todas as forças a partir daquele momento.
Ele percebeu minha hostilidade. E sorriu; afinal, ele sabia porque eu estava ali. Não se importava nem um pouco com o que eu podia estar pensando sobre ele.
- Sente-se, por favor, ele disse, apontando a cadeira em frente à ele. Fique à vontade.
Mais uma vez, o sorriso. Era quase pornográfico.
- O senhor quer morrer, certo? A pergunta parecia absurda mas, quando olhei em seus olhos, qualquer senso de irrealidade desapareceu por completo.
A entrevista tinha começado.
- Sim, eu respondi. Exatamente.
A admissão do motivo pelo qual eu estava ali produziu um nó de ansiedade fria em meu estômago. Senti vontade de chorar. Mas não, nunca na frente dele.
- O senhor está aqui por um motivo simples. Os suicidas, como o senhor sabe, são nossos. É um acordo antigo, o senhor entende, firmado entre as partes.
- Sim, eu sei.
- Ótimo. Isso facilita muito as coisas.
Ele puxou um pouco o colarinho. No pescoço, a pele se revolvia, contorcendo-se.
- O senhor se importa se eu ficar um pouco mais à vontade? Essa pele é cansativa. E, eu devo admitir, é também muito desconfortável.
"Não sei como vocês podem suportar isso", ele grunhiu, quando se libertou.
Tive medo. A pele se retesava e escurecia gradualmente. A cabeça cresceu desproporcionalmente. Ele rasgou as roupas e ficou nu, mistura psicodélica de homem com animal. Os cabelos voltaram a crescer.
Ele subiu na mesa e chegou perto de mim. O medo se contorcia na minha garganta e no meu peito.
- Ora, vamos, vamos, ele começou. Não é para ter medo. Na verdade, se me permitir um lapso de honestidade, devo dizer que eu agora sou provavelmente o seu melhor amigo.
Ele sorriu.
- Nesse exato momento, o senhor está entre a vida e a morte. A arma que o senhor usou para o seu suicídio estava avariada e o tiro não atingiu a sua cabeça. como o senhor havia plenajado. Ao invés disso, abriu um enorme buraco em seu rosto. Se não fizermos nada a respeito, o senhor vai sangrar até morrer.
- Mas eu quero morrer..., me lamentei.
A coisa, agora vaga lembrança de um homem, pousou a pata esquerda em meu ombro.
- Sim, sim... Claro que quer... Mas, para ser honesto, o que o senhor quer ou deixa de querer realmente não me interessa. Eu sei o que eu quero...
- O quê?
- Eu quero salvar a sua vida, é claro! Em troca, quero a licença para vestir a sua carne por algum tempo. Dar uma voltas por lá, no seu mundo... Espalhar um pouco da nossa versão sobre os fatos importantes da vida.
- Eu não quero viver.
- Eu vou viver na sua carne. Do contrário, eu prometo que o senhor vai se arrepender amargamente da sua escolha. Eu tenho amigos aqui, sabe?
Ele gargalhou.
Eu fiz a minha escolha. E ele cumpriu sua palavra. Depois de cinquenta anos no Inferno, eu desisti. Havia muito pouco de mim agora. Restos carcomidos, semi-queimados. Eu não conseguia pensar.
Finalmente, aceitei a proposta.
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