Medos da "Eurábia": até que ponto a Europa pode suportar Alá?
Andrea Brandt, Marco Evers, Juliane von Mittelstaedt, Mathieu von Rohr e Britta Sandberg
A recente votação na Suíça que culminou na proibição da construção de novos minaretes chocou e enfureceu muçulmanos em todo o mundo. Mas a medida polêmica também reflete uma sensação crescente de desconforto entre outros europeus que sentem dificuldades em aceitar a visibilidade cada vez maior do islamismo.
Na pequena cidade suíça de Langenthal, a batalha em torno dos minaretes tem sido travada, e não parece haver esperança de reconciliação entre vitoriosos e derrotados. "Eu me sinto vítima de abuso e ferido como pessoa", queixa-se Mutalip Karaademi. "Nós queríamos atingir um símbolo", afirma Daniel Zingg. "E nós o atingimos".
Zingg impediu a construção do minarete desejado por Karaademi, e conseguiu fazer com que se tornasse ilegal a construção de qualquer outro minarete na Suíça. Ele foi um dos autores do texto do referendo que foi aprovado pelos suíços em 29 de novembro último, com 57,5% dos votos. Agora a constituição trará a seguinte sentença: "É proibida a construção de minaretes".
A decisão suíça chocou a Europa e o mundo porque os seus desdobramentos vão bem além da construção de minaretes - eles dizem respeito também à identidade de um continente inteiro. Este foi um referendo sobre a percepção ocidental do islamismo como uma ameaça.
A questão está gerando intensos debates: até que ponto a Europa preponderantemente cristã está preparada para aceitar o islamismo? A decisão tomada por este país alpino tradicionalmente tolerante revela o temor profundo quanto a um islamismo que está se tornando cada vez mais visível.
Os imigrantes muçulmanos estão ameaçando os valores europeus? Esta é uma preocupação compartilhada por muitos europeus em todo o continente. Pesquisas de opinião conduzidas na semana passada revelaram que 44% dos alemães e 41% dos franceses opõem-se à construção de minaretes. E 55% de todos os europeus veem o islamismo como uma religião intolerante.
A decisão dos suíços revelaria uma atitude que a maioria dos europeus também apoiaria caso tivesse oportunidade?
Críticas veementes
Isso explicaria também por que as críticas à votação foram tão veementes. O ministro francês das Relações Exteriores, Bernard Kouchner, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, os Estados Unidos e o Vaticano uniram-se nas críticas.
Eles disseram que a votação suíça violou os princípios de liberdade de religião e de não discriminação. O ministro da Turquia na União Europeia pediu aos muçulmanos que invistam o seu dinheiro na Turquia, em vez de na Suíça, e o primeiro-ministro turco Tayyip Erdogan disse que o fato reflete "uma posição cada vez mais racista e fascista na Europa".
Mas a votação foi bem recebida e comemorada em alguns blogs da Internet, e populistas de direita como o presidente do holandês Partido pela Liberdade, Geert Wilders, bem como o partido direitista francês Frente Nacional manifestaram a sua aprovação. Roberto Castelli, um político importante da italiana Liga Norte, afirmou: "Os suíços nos deram mais uma vez uma aula de civilização. Nós temos que mandar um recado forte para conter a ideologia pró-islâmica".
Por ora, o que se conteve foi o minarete da comunidade religiosa muçulmana de Langenthal. Mutalip Karaademi, 51, um indivíduo de etnia albanesa que imigrou da Macedônia 26 anos atrás, está de pé em frente à instalação usada pela sua associação religiosa. O prédio é uma antiga fábrica de tinta na periferia da cidade. No topo há uma construção de madeira medindo 6,1 metros. Ela mostra a altura do minarete planejado. O primeiro minarete, que não pode ser construído.
Karaademi é o líder da comunidade muçulmana local, cujos 130 membros vieram da Albânia, do Kosovo e da Macedônia. A pequena mesquita foi inaugurada 18 anos atrás. No início o minarete não era muito importante, diz Karaademi. Ele era simplesmente um complemento ornamental. Mas agora ele transformou-se em uma questão de princípios.
Ele deseja tomar providências legais - se necessário, ir até ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, onde é bastante possível que os juízes em Estrasburgo acabem revertendo a decisão constitucional suíça. Karaademi diz adorar a Suíça, que para ele é um modelo de país. "Mas esta proibição é racista e nos discrimina. É um escândalo para o mundo civilizado", queixa-se ele.
A batalha de um só homem
O tranquilo vencedor desta batalha é Daniel Zingg, 53, um homem calvo que usa óculos de metal. Ele está sentado em uma pizzaria em frente à estação ferroviária de Langenthal, e conversa em uma voz rouca e baixa. "Os minaretes, aquelas pontas de lança da Sharia, aqueles marcos de território recém-conquistado pelo islamismo, não podem mais ser construídos aqui", diz ele.
"E, dessa forma, a Suíça resolveu um problema que já havia se tornado aparentemente insolúvel em outros lugares, tais como nas grandes cidades da Inglaterra e da França. É um fato bem conhecido que primeiro chegam os minaretes, depois os muezins, os indivíduos que convocam os crentes às preces, as burcas e, finalmente, a lei Sharia", diz ele. Segundo Zingg, a proibição não é dirigida contra os muçulmanos, embora seja verdade que "o Alcorão delega às pessoas a missão de islamizar o mundo, e os muçulmanos daqui não tem nenhuma outra missão, caso contrário, eles não seriam muçulmanos".
Nos últimos 15 anos, Zingg tem dado palestras de apoio a Israel e contra o islamismo. Ele é um político do ultraconservador partido cristão do país, a União Democrática Federal, que recebeu 1,3% dos votos na última eleição. Ele nunca pôs o pé na mesquita da sua cidade porque ouviu falar que quem quer que ande descalço em uma mesquita torna-se muçulmano. Zingg não quer correr esse risco.
Alguém pode perguntar como um homem como esse, cujas posturas radicais certamente não refletem a opinião majoritária na Suíça, foi capaz de obter uma maioria para a sua causa. Além disso, muita gente pode querer entender por que um país que tem pouquíssimos problemas com os seus cerca de 400 mil muçulmanos decidiu tomar uma medida tão drástica.
Talvez os temores estejam aumentando e as demandas radicais estejam se tornando cada vez mais populares porque praticamente não há discussão política a respeito do lugar que o islamismo assumirá na Europa.
Atualmente, vivem na União Europeia cerca de 15 milhões de muçulmanos, ou aproximadamente 3% da população. Mas este número é maior do que o registrado em qualquer período passado. Os imigrantes, muitos dos quais vieram como trabalhadores convidados década atrás, trouxeram o islamismo para a Europa.
Será que a Europa ainda seria a Europa se, por exemplo, em 2050, a maioria da população mais jovem com menos de 15 anos de idade na Áustria fosse composta de muçulmanos? Ou quando, atualmente, o nome Muhammad (Maomé) já é o mais comum entre os garotos recém-nascidos em Bruxelas e Amsterdã, e o terceiro mais comum na Inglaterra?
Uma "discussão oficial sobre o islamismo" e uma discussão subterrânea
O escritor e jornalista norte-americano Christopher Caldwell publicou recentemente a sua última obra, "Reflections on the Revolution in Europe: Immigration, Islam and the West" ("Reflexões sobre a Revolução na Europa: Imigração, Islamismo e o Ocidente"), um livro altamente lido e permeado de ceticismo sobre a Europa e os seus imigrantes muçulmanos.
O que o fascina a respeito do resultado da votação suíça é a contradição entre a rejeição do banimento dos minaretes nas pequisas e o apoio considerável que a proposta recebeu durante o referendo. "Isso significa que existe uma discussão oficial sobre o islamismo e, ao mesmo tempo, uma discussão subterrânea", afirma Caldwell. "Isso deveria preocupar os europeus".
Caldwell não usa no seu livro os mesmos tons alarmistas de outros escritores conservadores que apelidaram o continente europeu de "Eurábia", e que veem a Europa - devido à taxa de natalidade mais elevada dos imigrantes - como um futuro bastião do "império mundial islâmico". Mas ele também escreve: "Não há dúvida de que a Europa emergirá mudada dessa confrontação com o islamismo. Mas há muito mais incerteza quanto à possibilidade de o islamismo mostrar-se assimilável".
Caldwell acredita que os imigrantes muçulmanos têm tido maiores dificuldades do que outros grupos para se integrarem à sociedade europeia. Por outro lado, somente uma minoria consegue se identificar com o islamismo político, até por causa das guerras que o Ocidente tem travado contra o terrorismo islâmico no decorrer dos últimos anos. Por outro lado, a religião desses indivíduos está vinculada a atitudes conservadoras em relação às mulheres, às relações familiares, à liberdade sexual e aos direitos de gays e lésbicas. Essas atitudes religiosas são problemáticas para muitos europeus.
Caldwell diz que, apesar de os muçulmanos constituirem-se em uma pequena minoria, a Europa está modificando as suas estruturas por causa deles: "Quando uma cultura insegura, maleável e relativista encontra uma cultura que é ancorada, confiante e fortalecida por doutrinas comuns, é geralmente a primeira que muda para adequar-se à última".
Parte Dois: Temores Generalizados na Alemanha
A Alemanha ainda não conduziu um debate nacional sério sobre essas questões. Em vez disso, o país tem se concentrado nos lenços de cabeça muçulmanos, um tópico que gerou um choque entre as duas culturas.
Durante seis longos anos os alemães tentaram determinar se uma professora do Afeganistão deveria ter permissão para usar um lenço de cabeça na sua escola em Baden-Württemberg. O caso acabou chegando ao Tribunal Constitucional Alemão, que determinou que cabe aos Estados individuais emitirem legislações sobre os lenços de cabeça. Desde então, professoras da metade dos 16 Estados da Alemanha foram proibidas de usar os lenços.
Quando houve conflitos - como aqueles em torno da construção de mesquitas -, estes ocorreram em um nível municipal. E isso geralmente levou a soluções bem alemãs, nas quais os planos de construção e de regulamentações de áreas desempenham um grande papel.
Na cidade de Kehl, próxima à fronteira francesa, por exemplo, propostas para a construção de uma mesquita em uma área residencial foram rejeitadas. No entanto, ela pôde ser construída perto da estação ferroviária, tendo um minarete com a altura exata da torre da igreja. Já em outras situações, nem mesmo um pequeno minarete pôde ser construído, como em Augsburg, na Baviera. Enquanto isso, fracassou uma iniciativa dos cidadãos de Colônia de impedir a construção de uma grande mesquita central - uma das maiores da Europa.
Mas, não obstante, há temores generalizados na Alemanha, conforme foi ilustrado pelo exemplo de uma igreja em Duisburg que foi recentemente convertida em mesquita. Membros da antiga congregação da igreja entregaram cerimoniosamente a casa de orações aos seus novos donos: "Mas nos pubs e nas conversas privadas, todo mundo reclamou, afirmando que os muçulmanos estão conquistando o poder na Alemanha", diz Rauf Ceylan, um professor de estudos religiosos da Universidade de Osnabrück. Ele afirma que os alemães têm um medo latente do islamismo.
O paradoxo britânico
O Reino Unido é o exemplo mais perturbador citado por vários pessimistas. Embora apenas pouco menos de 3% da população britânica seja muçulmana, em sua maioria vinda do Paquistão e de Bangladesh, em nenhum outro país da Europa tantos muçulmanos vivem totalmente isolados do resto da sociedade - em cidades como Bradford, Dewsbury e Leicester.
A maior parte dos antigos residentes originais - ingleses da classe operária - mudou-se há muito tempo do distrito de Bury Park, em Luton, que fica 50 quilômetros ao norte de Londres. As ruas do lugar estão repletas de mulheres usando niqabs, o véu islâmico de face inteira que traz apenas uma pequena abertura para os olhos, e de homens com barbas grisalhas.
Há também açougueiros halal (sistema de abate de animais segundo as leis muçulmanas) e dez mesquitas. Um minarete feito de tijolos ingleses vermelhos foi adoravelmente integrado a uma fileira de casas. Os muezins convocam os fiéis às preces por meio de alto-falantes.
Nas ruas, os moradores falam bengali ou urdu. O centro comunitário oferece cursos de naturalização. As mesquitas ministram cursos anti-terrorismo financiados pelo Estado que são elaborados para imunizar os jovens muçulmanos contra a propaganda dos extremistas. Antigamente o bairro costumava ser frequentado por religiosos muçulmanos convidados que pregavam o ódio, e foi daqui que saíram os quatro militantes suicidas para atacar o sistema de transporte de Londres e matar 52 pessoas em 7 de julho de 2005.
Mas muitos muçulmanos de segunda, terceira e quarta geração já se mudaram há muito tempo deste lugar. Eles têm alto nível educacional, possuem cidadania britânica, e trabalham como médicos, advogados e políticos.
O Estado britânico fez mais no sentido de acomodar as necessidades culturais dos seus cidadãos muçulmanos do que qualquer outro país europeu. Policiais femininas muçulmanas têm permissão para cobrir o cabelo com lenços. O lenço faz parte do uniforme delas.
Durante os últimos dois anos, os muçulmanos britânicos têm podido também recorrer a tribunais de arbítrio muçulmanos que são baseados na lei Sharia. As decisões desses tribunais têm peso legal para ambas as partes em um conflito. Se necessário, um funcionário do judiciário britânico faz cumprir a sentença. Esta prática é única na Europa.
Esses tribunais de arbítrios foram criados pelo xeque Faiz-ul-Aqtab Siddiqi. Atualmente os seus tribunais de lei Sharia analisam casos em sete cidades inglesas e nada têm a ver com decepar mãos ou apedrejar pessoas até a morte. Eles só lidam com disputas civis, e somente se ambas as partes concordarem com o processo.
Esses tribunais reuniram-se cerca de 600 vezes nos últimos 12 meses, lidando principalmente com disputas entre parceiros empresariais, problemas de bairros e até mesmo questões de herança. Segundo Siddiqi, eles têm permitido que os muçulmanos britânicos sejam capazes de identificar-se mais fortemente com o Reino Unido.
Até que ponto o islamismo pode ser visível na França?
Jocelyne Cesari, uma especialista francesa em islamismo, diz que a situação britânica é um paradoxo: "Por um lado, há uma próspera classe média muçulmana, e, ao mesmo tempo, aquele é o país com o maior número de muçulmanos vivendo em distritos isolados e adotando as posições mais radicais".
Ela não vê problemas nos tribunais de arbítrio baseados na lei Sharia, contanto que eles não conflitem com as leis tradicionais do país. Segundo Cesari, compromissos são aceitáveis em áreas que conflitem com os direitos da maioria e não desrespeitem nenhuma lei.
"O multiculturalismo não significa que a velha maioria estabelecida tenha direitos especiais", afirma ela, acrescentando que o postulado de Caldwell de que o islamismo é incompatível com os valores europeus é uma mistura de meias verdades e preconceitos: "Os muçulmanos estão sem dúvida preparados para se adaptarem - eles adotam com frequência uma postura crítica em relação à sua própria religião".
Mas Cesari diz que existe uma luta em torno do reconhecimento simbólico do islamismo: "Durante as primeiras décadas, os muçulmanos criaram modestas salas de orações. Agora eles desejam ter instalações que compitam com as igrejas e catedrais da Europa". Ela afirma que, como o cristianismo tem se afastado cada vez mais da esfera pública, muitos europeus veem as mesquitas como uma provocação.
Atualmente a França está procurando determinar oficialmente até que ponto o islamismo pode ser visível dentro das fronteiras do país. Esse debate está ocorrendo em uma sala sem janelas do subsolo de um edifício parlamentar em Paris. Cadeiras de couro escuro estão arrumadas em círculo, e na frente da parede principal de madeira senta-se André Gerin, o diretor do comitê parlamentar que investiga a questão do "uso dos véus de corpo inteiro".
Gerin, um comunista, é prefeito do subúrbio de Vénissieux, em Lyon, há mais de 24 anos. Ele usa um terno cinza de listras finas com calças que estão meio curtas. Gerin diz que fez pressões para a criação deste comitê porque a burqa está ameaçando os ideais republicanos da França.
À direita de Gerin, sentado em frente aos membros do comitê, está Tariq Ramadan, um controverso e inteligente filósofo e teólogo muçulmano que tem cidadania suíça. Ramadan usa um terno escuro e exibe uma barba de três dias. Ramadan se opõe a uma lei que proibiria o uso da burqa porque, segundo ele, isso só estigmatizaria o islamismo.
"Monsieur Ramadan", diz Gerin, formulando a sua primeira questão. "O uso da burqa é uma obrigação religiosa? Ou você vê - assim como nós - esta prática como uma forma de opressão da mulher?".
"Não", responde Ramadan. "Não existe obrigação de se usar a burqa e sem dúvida há homens que obrigam as suas mulheres a usar essa veste contra a vontade delas. Mas uma lei só provocaria mais isolamento".
"Sendo assim, o que você sugere?", indaga o diretor da comissão. "A aplicação das leis existentes", diz Ramadan. "É claro que uma mulher que usa a burqa teria que mostrar a face durante uma verificação de identidade. Mas precisamos entender finalmente que o islamismo tornou-se uma religião francesa".
Ramadan é o 145º especialista a ser entrevistado. Durante anos ele tem defendido um islamismo autoconfiante na Europa, adaptado às demandas da era moderna e compatível com as conquistas europeias como o respeito aos direitos humanos e a democracia. Os seus oponentes acusam Ramadan de ser um mentiroso hipócrita que estaria tentando transmitir uma falsa sensação de segurança à população europeia.
Os europeus reduzem o islamismo à burca?
Gerin gostaria de iniciar um debate sobre até que ponto a França - com a sua separação estrita entre igreja e Estado - está disposta a aceitar o islamismo. Ele afirma que só está usando a burca como um catalizador. O serviço de inteligência interna da França identificou apenas 367 mulheres em todo o país que usam burqa. De todos os problemas associados aos seis milhões de muçulmanos do país, as burqas são provavelmente o menor deles.
Muitos religiosos muçulmanos acusam os europeus de reduzirem o islamismo à burqa, a burqa ao Taleban, e o Taleban a Osama Bin Laden. Esses indivíduos afirmam que as pessoas falam sobre eles como se todos fossem radicais islamitas, e não já estivessem morando no país há décadas.
Mas Gerin alcançou o seu objetivo. Na sua sala de audiências a República Francesa está lutando com a exceção à regra - em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
"Como podemos aceitar ataques à liberdade pessoal de qualquer pessoa no nosso país? Como é que os governantes não têm respostas para essas questões? Como isso é possível na França secular?", questiona Gerin.
Gerin é um comunista que move uma campanha para defender os ideais republicanos, e um prefeito que defende a sua cidade. Mas ele é também um realista: "Estamos cerca de 25 anos atrasados, mas nós temos que finalmente aceitar que os muçulmanos têm o direito de estabelecerem-se aqui", diz ele. "Mas eles terão que se adaptar à nossa sociedade".
O debate francês sobre a burqa tem algo em comum com a proibição dos minaretes na Suíça: ambos estão atacando um símbolo, mas eles têm um outro objetivo. Eles são movidos pela esperança de que possam reduzir a influência do islamismo ao limitar a sua visibilidade. É mais fácil lutar quanto a questões sensíveis do que lidar com problemas concretos - discutir a respeito de meninas que não participam de aulas de natação, comida halal em refeitórios de companhias e orações durante a jornada de trabalho. Isso é também uma estratégia bastante impotente.
Um "choque de culturas" na Bélgica
Em Antuérpia e em vários outras cidades belgas, há anos as mulheres são proibidas de cobrir as faces. A polícia já advertiu várias mulheres que usavam niqabs e burqas. Mas na verdade faz muito tempo que a proibição não é um problema neste país - de fato, é difícil encontrar muçulmanos que se irritem com isso.
Por outro lado, os lenços de cabeça islâmicos têm sido motivo de grande controvérsia em Antuérpia. Esta é uma cidade portuária cosmopolita, mas nas recentes eleições locais um terço dos eleitores apoiaram o Vlaams Belang (Interesse Flamengo), um partido político de direita que possui uma plataforma anti-imigração. Três anos atrás, um prefeito socialista foi o primeiro a proibir os lenços de cabeça no setor público. Desde setembro essa proibição inclui também os alunos de escolas.
Karin Heremans, 46, é a diretora do Royal Antheneum de Antuérpia, uma famosa escola de segundo grau que lembra uma fortaleza no centro de Antuérpia. Ela é loura e usa um vestido de seda curto e batom rosa, o que faz com que tenha uma aparência oposta à das garotas da sua escola, a maioria das quais é muçulmana. Elas usam camisas de gola alta e lenços de cabeça, pelo menos até chegarem ao espelho que está pendurado no salão de entrada, onde as meninas têm que tirar os lenços de cabeça.
Quando se tornou diretora da escola em 2001, apenas dez dias antes dos ataques terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos, Heremans jamais teria achado que um dia proibiria os lenços de cabeça. Mas foi naquele momento que irrompeu o "choque de culturas", conforme ela denomina o fenômeno, e com esse termo ela não se refere ao choque no mundo externo, mas ao conflito dentro do pátio da sua própria escola.
No início, os professores continuaram falando às alunas sobre Darwin, e havia desfiles de moda e até mesmo uma viagem de campo a Istambul. Tudo parecia possível. Em 2005, Heremans chegou a escrever um livro no qual rejeitava uma proibição dos lenços de cabeça e dizia acreditar que as diferenças culturais são enriquecedoras.
Mas um número cada vez maior de escolas em Antuérpia proibiu os lenços de cabeça, e mais e mais garotas foram transferidas para o Antheneum. Esta foi a última escola a não impor a proibição. Finalmente, as meninas passaram a vir para a escola totalmente cobertas, dos pés à cabeça, com casacos longos e luvas, e um representante de uma organização islâmica ficava na entrada e observava quais delas removiam os lenços na escola.
"Nós trocamos a palavra tolerância por reciprocidade", diz Heremans. "Todos os que desejarem liberdade de religião precisam respeitar a liberdade de religião dos outros". É preciso haver valores inalienáveis, como igualdade entre os sexos, liberdade de expressão e religião e respeito, diz ela. Poucos dias após Heremans decretar a sua proibição, a diretoria da escola aprovou a medida. A partir do ano que vem, os lenços de cabeça - e todos os outros símbolos religiosos - estarão proibidos em todas as 700 escola públicas de Flandres. Agora muitas garotas frequentam escolas islâmicas ou estudam apenas em casa.
O maior desafio da Europa?
A polêmica em torno do lenço de cabeça em Antuérpia é um dos últimos exemplos das questões com as quais a Europa se defronta. Será que o continente será capaz de preservar os seus valores - e liberdades - limitando as liberdades pessoais?
Lidar com o islamismo talvez seja o maior desafio com o qual a Europa se depara. Se o continente for capaz de preservar os seus próprios valores sem discriminar os muçulmanos, um consenso quanto a valores poderá ser alcançado e os muçulmanos europeus poderão tornar-se um modelo para o mundo muçulmano. No entanto, caso fracasse, a Europa poderá trair os seus próprios valores, e os populista poderão vencer. As soluções simplistas destes últimos atiçarão as chamas do choque de culturas.
Há vários argumentos contra os alarmistas que temem que a Europa esteja a caminho de tornar-se uma colônia árabe. A vasta maioria dos muçulmanos se adapta ao seu novo país, é menos religiosa do que nos seus países de origem e aceita a cultura predominante. Além disso, os temores quanto às elevadas taxas de natalidade dos imigrantes muçulmanos mostraram-se exagerados. Na segunda e na terceira gerações, esses índices caem para a média nacional.
Mas às vezes os medos são mais poderosos do que os fatos, e com frequência uma proibição de minaretes não tem nada a ver com minaretes. Nas cidades suíças onde muçulmanos e cristãos coexistem há muito tempo, a iniciativa não conseguiu obter a maioria dos votos. No cantão montanhoso de Appenzell-Innerrhoden, onde só ha 500 muçulmanos, 71% dos votos foram favoráveis à proibição dos minaretes.
Já em Langenthal, uma pequena cidade rural na qual havia planos para a construção de um minarete, o índice de apoio à proibição foi quase exatamente igual à media nacional suíça.
Tradução: UOL
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