Cooperativa de crédito: alternativa aos bancos privados
Tanto a existência de uma rede de bancos públicos quanto de um sistema cooperativo de crédito podem atuar no sentido de uma alternativa à forma injusta e exploradora que caracteriza o sistema bancário privado. O que falta é vontade política para enfrentar o poderio da banca privada.
Paulo Kliass
A história das cooperativas e do movimento cooperativista no Brasil não contribui muito para que se pense de forma efetiva a possibilidade das cooperativas de crédito como experiência para se criar um mecanismo alternativo às instituições financeiras privadas. De fato, tanto a existência de uma rede de bancos públicos quanto de um sistema cooperativo de crédito podem atuar no sentido de uma alternativa à forma injusta e exploradora que caracteriza o sistema bancário privado.
Não há muita dúvida de que o melhor instrumento de política pública para reduzir o poder abusivo exercido por esse ramo do setor privado sejam os bancos públicos. Aliás, no caso brasileiro, o governo federal tem a seu dispor um conjunto significativo de instituições financeiras capaz de atuar para forçar a concorrência no mercado bancário. Banco do Brasil - BB, Caixa Economica Federal - CEF, BNDES, Banco do Nordeste são alguns desses exemplos. Na verdade, o que falta é vontade política para enfrentar o poderio da banca privada, que usa e abusa de seu poder de oligopólio junto a todos aqueles (empresas e indivíduos) que dependem dos serviços bancários. Infelizmente, o que se viu nesses últimos anos foi a continuidade do processo de “bradesquizaçao” do comportamento dos bancos públicos federais. O governo federal parece padecer de um enorme receio de reduzir as benesses de que usufruem os bancos privados.
Ao invés dos responsáveis governamentais determinarem aos dirigentes de suas instituições federais o estabelecimento de estratégias empresariais voltadas para o atendimento de sua verdadeira função pública, o que tem se visto é a tentativa de mimetizar o comportamento das privadas. Um absurdo! BB e CEF, por exemplo, são organizações centenárias, com longa tradição de atuação na área bancária e com um potencial de recursos humanos capaz de fazê-los atuar com a missão pública de qualidade. Porém, a ação dessas duas empresas subordinadas ao Ministério da Fazenda tem sido pautada pela estratégia definida, em última instância, pelas organizações privadas. Busca de altos lucros a qualquer preço, a cobrança de elevados spreads em suas operações, a cobrança abusiva de taxas de serviços. Enfim, um comportamento bastante distante do espírito público que deveria pautar a intervenção das mesmas no mercado bancário. Qual a razão para que esses dois bancos gigantes atuem dessa forma, exatamente da mesma maneira que as grandes corporações privadas internacionais, que não têm nenhum compromisso com nosso povo nem com nosso País ?
Tal distorção da ação dessas empresas públicas deveria ser urgentemente encarada e solucionada pelas autoridades do governo federal, pois trata-se de uma forma discreta e sutil de privatização “de facto” de sua ação. Pela sua dimensão e importância no mercado financeiro, bastaria ao BB e à CEF, por exemplo, começarem uma política de redução de suas margens de lucro (afinal, elas são empresas públicas!), para que o “spread” praticado pelos bancos privados também começasse a ser reduzido. Chega mesmo a causar estranheza a passividade com que as autoridades governamentais tratem dessa questão crucial para qualquer projeto de retomada do desenvolvimento com redução das desigualdades sociais, econômicas e regionais.
Mas, além da utilização dos bancos públicos, há outras formas de ação que buscam atuar como contraponto ao poder do setor financeiro privado. A experiência internacional registra o caso específico dos bancos cooperativos. Há diversos exemplos de sucesso nessa alternativa de constituição de um setor bancário, principalmente por sua função precípua não ser a geração de lucro, mas sim a prestação de serviços para uma Nação ou para uma comunidade específica ou setorial.
A necessidade e o desejo de constituir fundos de recursos para empréstimos e financiamentos sem recorrer às severas condições impostas pelo setor bancário privado ou mesmo a inexistência de um sistema bancário capaz de oferecer os recursos necessários sempre esteve na base de constituição de robustas instituições de crédito cooperativo, como no caso da França e da Alemanha. Inicialmente ancorada nas comunidades vinculadas à atividade agrícola, essa rede foi sendo ampliada para outros setores da sociedade, vindo a constituir-se em uma fonte importante para a geração de crédito para o conjunto das atividades econômicas.
No caso brasileiro, porém, essa opção nunca foi muito utilizada e os casos ocorridos não deixaram registro muito positivo de sua própria existência. Pelo contrário, existe um conjunto amplo de razões e características para explicar a mentalidade de desconfiança em relação à experiência cooperativista em nossas terras. Dentre as várias hipóteses para tal fato, pode-se mencionar os aspectos relacionados ao desenho institucional e ao ambiente cultural, onde a impunidade tende a reinar. Em geral, no caso brasileiro, os destinos da cooperativa e o estabelecimento de suas decisões estratégicas acabam ficando por conta de uma “elite” da instituição, sem que a maioria dos demais integrantes consiga valer a sua vontade.
A existência da uma importante rede de cooperativas de natureza agrícola e pecuária é fato incontestável. Paralelamente a esse núcleo duro do movimento cooperativista, o Brasil assistiu também ao surgimento de cooperativas operando no ramo de pesca, de artesanato, de catadores, de taxistas, de transporte público (vans) e demais atividades profissionais. Por outro lado, esboçou-se a tentativa de constituição de um ramo voltado para a área de construção habitacional. Finalmente, uma lamentável alteração recente na legislação abriu espaço para a constituição de “cooperativas de fachada”, quando verdadeiras empresas de fornecimento de serviços (na área de segurança, limpeza e similares) foram sendo criadas com o intuito de operar com baixo custo, em função dos benefícios tributários e fiscais oferecidos para as supostas cooperativas. Os funcionários de tais instituições são, na verdade, verdaeiros assalariados disfarçados pelo estatuto de cooperativados sem nenhum direito trabalhista nem a voto nas instâncias de suas organizações. E ainda alguns têm a coragem de chamar isso de “flexibilização da rigidez das regras trabalhistas” !!
Havia também uma instituição operando no ramo financeiro, o Banco Nacional de Crédito Cooperativo – BNCC, vinculada ao governo federal, mas que não resistiu empresarialmente à inamdiplência por parte dos tomadores de recursos e aos sucessivos baques provocados pela época da hiperinflação e dos ajustes provocados pelos planos de estabilização.
Na verdade, o fato é que o sistema cooperativo brasileiro nunca deixou de estar vinculado, no imaginário da maioria da população, ao envolvimento em algum tipo de escândalo de natureza econômico-financeira. Mas, apesar dessa dificuldade, não imagino que haja alguma forma de “maldição inescapável” envolvendo esse tipo importante de associação organizativa.
Tudo se resume a conseguir algum grau sério, eficiente e avançando de institucionalidade jurídico-legal, aliado a um controle efetivo por parte dos associados e do setor público, sob a forma de supervisão e controle de suas atividades. Do ponto de vista puramente econômico é uma alternativa viável e adequada. Trata-se, em essência, de superar a falta de credibilidade inicial. Tarefa essa, é importante reconhecer, não é tão fácil assim no curto prazo. Aí entra o papel fundamental a ser exercido pelo governo, para reforçar a imagem e convencer a população da viabilidade do modelo.
Dessa forma conseguir-se-ia iniciar a montagem de uma estrutura de captação de poupança e recursos sob a forma de regime cooperativo, com o intuito de oferecer justamente crédito, empréstimos e financiamento para os setores que dele participarem. E como é amplamente reconhecida a importância exercida pelas redes de micro e pequenas empresas, além de setores mais tradicionais como agricultura, pecuária, pesca e outros, estariam dadas as condições para o surgimento de um mecanismo alternativo para concessão de créditos independente do sistema financeiro privado. Uma vez que o objetivo da cooperativa de crédito não deve ser a obtenção de lucro, as condições de obtenção do financiamento e dos serviços deveria ser realizada em condições mais favoráveis e menos espoliativas aos participantes do sistema.
Não há muita dúvida de que o melhor instrumento de política pública para reduzir o poder abusivo exercido por esse ramo do setor privado sejam os bancos públicos. Aliás, no caso brasileiro, o governo federal tem a seu dispor um conjunto significativo de instituições financeiras capaz de atuar para forçar a concorrência no mercado bancário. Banco do Brasil - BB, Caixa Economica Federal - CEF, BNDES, Banco do Nordeste são alguns desses exemplos. Na verdade, o que falta é vontade política para enfrentar o poderio da banca privada, que usa e abusa de seu poder de oligopólio junto a todos aqueles (empresas e indivíduos) que dependem dos serviços bancários. Infelizmente, o que se viu nesses últimos anos foi a continuidade do processo de “bradesquizaçao” do comportamento dos bancos públicos federais. O governo federal parece padecer de um enorme receio de reduzir as benesses de que usufruem os bancos privados.
Ao invés dos responsáveis governamentais determinarem aos dirigentes de suas instituições federais o estabelecimento de estratégias empresariais voltadas para o atendimento de sua verdadeira função pública, o que tem se visto é a tentativa de mimetizar o comportamento das privadas. Um absurdo! BB e CEF, por exemplo, são organizações centenárias, com longa tradição de atuação na área bancária e com um potencial de recursos humanos capaz de fazê-los atuar com a missão pública de qualidade. Porém, a ação dessas duas empresas subordinadas ao Ministério da Fazenda tem sido pautada pela estratégia definida, em última instância, pelas organizações privadas. Busca de altos lucros a qualquer preço, a cobrança de elevados spreads em suas operações, a cobrança abusiva de taxas de serviços. Enfim, um comportamento bastante distante do espírito público que deveria pautar a intervenção das mesmas no mercado bancário. Qual a razão para que esses dois bancos gigantes atuem dessa forma, exatamente da mesma maneira que as grandes corporações privadas internacionais, que não têm nenhum compromisso com nosso povo nem com nosso País ?
Tal distorção da ação dessas empresas públicas deveria ser urgentemente encarada e solucionada pelas autoridades do governo federal, pois trata-se de uma forma discreta e sutil de privatização “de facto” de sua ação. Pela sua dimensão e importância no mercado financeiro, bastaria ao BB e à CEF, por exemplo, começarem uma política de redução de suas margens de lucro (afinal, elas são empresas públicas!), para que o “spread” praticado pelos bancos privados também começasse a ser reduzido. Chega mesmo a causar estranheza a passividade com que as autoridades governamentais tratem dessa questão crucial para qualquer projeto de retomada do desenvolvimento com redução das desigualdades sociais, econômicas e regionais.
Mas, além da utilização dos bancos públicos, há outras formas de ação que buscam atuar como contraponto ao poder do setor financeiro privado. A experiência internacional registra o caso específico dos bancos cooperativos. Há diversos exemplos de sucesso nessa alternativa de constituição de um setor bancário, principalmente por sua função precípua não ser a geração de lucro, mas sim a prestação de serviços para uma Nação ou para uma comunidade específica ou setorial.
A necessidade e o desejo de constituir fundos de recursos para empréstimos e financiamentos sem recorrer às severas condições impostas pelo setor bancário privado ou mesmo a inexistência de um sistema bancário capaz de oferecer os recursos necessários sempre esteve na base de constituição de robustas instituições de crédito cooperativo, como no caso da França e da Alemanha. Inicialmente ancorada nas comunidades vinculadas à atividade agrícola, essa rede foi sendo ampliada para outros setores da sociedade, vindo a constituir-se em uma fonte importante para a geração de crédito para o conjunto das atividades econômicas.
No caso brasileiro, porém, essa opção nunca foi muito utilizada e os casos ocorridos não deixaram registro muito positivo de sua própria existência. Pelo contrário, existe um conjunto amplo de razões e características para explicar a mentalidade de desconfiança em relação à experiência cooperativista em nossas terras. Dentre as várias hipóteses para tal fato, pode-se mencionar os aspectos relacionados ao desenho institucional e ao ambiente cultural, onde a impunidade tende a reinar. Em geral, no caso brasileiro, os destinos da cooperativa e o estabelecimento de suas decisões estratégicas acabam ficando por conta de uma “elite” da instituição, sem que a maioria dos demais integrantes consiga valer a sua vontade.
A existência da uma importante rede de cooperativas de natureza agrícola e pecuária é fato incontestável. Paralelamente a esse núcleo duro do movimento cooperativista, o Brasil assistiu também ao surgimento de cooperativas operando no ramo de pesca, de artesanato, de catadores, de taxistas, de transporte público (vans) e demais atividades profissionais. Por outro lado, esboçou-se a tentativa de constituição de um ramo voltado para a área de construção habitacional. Finalmente, uma lamentável alteração recente na legislação abriu espaço para a constituição de “cooperativas de fachada”, quando verdadeiras empresas de fornecimento de serviços (na área de segurança, limpeza e similares) foram sendo criadas com o intuito de operar com baixo custo, em função dos benefícios tributários e fiscais oferecidos para as supostas cooperativas. Os funcionários de tais instituições são, na verdade, verdaeiros assalariados disfarçados pelo estatuto de cooperativados sem nenhum direito trabalhista nem a voto nas instâncias de suas organizações. E ainda alguns têm a coragem de chamar isso de “flexibilização da rigidez das regras trabalhistas” !!
Havia também uma instituição operando no ramo financeiro, o Banco Nacional de Crédito Cooperativo – BNCC, vinculada ao governo federal, mas que não resistiu empresarialmente à inamdiplência por parte dos tomadores de recursos e aos sucessivos baques provocados pela época da hiperinflação e dos ajustes provocados pelos planos de estabilização.
Na verdade, o fato é que o sistema cooperativo brasileiro nunca deixou de estar vinculado, no imaginário da maioria da população, ao envolvimento em algum tipo de escândalo de natureza econômico-financeira. Mas, apesar dessa dificuldade, não imagino que haja alguma forma de “maldição inescapável” envolvendo esse tipo importante de associação organizativa.
Tudo se resume a conseguir algum grau sério, eficiente e avançando de institucionalidade jurídico-legal, aliado a um controle efetivo por parte dos associados e do setor público, sob a forma de supervisão e controle de suas atividades. Do ponto de vista puramente econômico é uma alternativa viável e adequada. Trata-se, em essência, de superar a falta de credibilidade inicial. Tarefa essa, é importante reconhecer, não é tão fácil assim no curto prazo. Aí entra o papel fundamental a ser exercido pelo governo, para reforçar a imagem e convencer a população da viabilidade do modelo.
Dessa forma conseguir-se-ia iniciar a montagem de uma estrutura de captação de poupança e recursos sob a forma de regime cooperativo, com o intuito de oferecer justamente crédito, empréstimos e financiamento para os setores que dele participarem. E como é amplamente reconhecida a importância exercida pelas redes de micro e pequenas empresas, além de setores mais tradicionais como agricultura, pecuária, pesca e outros, estariam dadas as condições para o surgimento de um mecanismo alternativo para concessão de créditos independente do sistema financeiro privado. Uma vez que o objetivo da cooperativa de crédito não deve ser a obtenção de lucro, as condições de obtenção do financiamento e dos serviços deveria ser realizada em condições mais favoráveis e menos espoliativas aos participantes do sistema.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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