sexta-feira, 30 de abril de 2010

DO UOL NOTÍCIAS

Decisão do STF foi "absurda, estúpida e totalmente fora da realidade", diz ex-presa política; veja repercussão

Raquel Maldonado e Camila Campanerut
Do UOL Notícias
Em São Paulo e Brasília

A ex-presa política Amélia Telles disse que ficou bastante decepcionada com a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de não revisar a Lei de Anistia. “Essa foi uma decisão absurda, estúpida e totalmente fora da realidade. Com essa decisão, nos foi negado o direito à memória, o direito à verdade.”
Em entrevista ao UOL Notícias, ela afirmou que a postura adotada pelos ministros do STF foi reacionária. “Todos eles sabem o que foi a ditadura e o que isso significou para tantas famílias. Votar contra a revisão da lei significa estar contra os direitos humanos, através de uma postura extremamente reacionária”, completou.
Bastante desiludida, Telles ainda fez questão de frisar que, com o resultado do julgamento, o Brasil continua muito atrasado com relação aos outros países da América Latina, que já começaram a punir seus torturadores. “É uma vergonha, é um retrocesso”, critica.
O resultado do julgamento também foi mal recebido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A decisão do STF “reproduz o discurso da época em que se vivia sob o medo e sem liberdades". Essa é a opinião de Ophir Cavalcante, presidente nacional da OAB e um dos responsáveis pela ação apresentada ao Supremo, em outubro de 2008, na qual questionava a aplicação da lei sobre os agentes do Estado que praticaram torturas durante o regime militar (1964-1985).
"Nossa expectativa era bastante otimista. Esperávamos que o Supremo fizesse uma interpretação de acordo com a nossa Constituição, mas isso não ocorreu”, afirmou Cavalcante após o julgamento.
Mesmo com o resultado desfavorável, ele diz que a ação significou muito. “Sem a postura da Ordem, não se conheceria o Brasil de ontem. A ação foi muito importante porque reabriu uma discussão que estava esquecida, a discussão sobre a reabertura dos arquivos e sobre o valor da memória histórica. Essa discussão é importante para que a sociedade não repita os mesmos erros do passado”, defendeu Cavalcante.
Também contrário ao parecer dos ministros do STF, o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) apontou que o Brasil está muito atrasado em relação aos países vizinhos “Acho um imenso atraso o Brasil não conseguir punir os torturadores. O que está acontecendo na Argentina: em uma semana tivemos dois presidentes presos. Na semana passada, no Uruguai, um ex-chanceler foi condenado à prisão por desaparecimento político, a mesma coisa aconteceu no Chile".
Sobre a definição de que a ação da OAB seria um instrumento de revanchismo e de vingança contra os militares, Valente afirma que “revanchismo seria levar o torturador ao pau de arara e não investigar quem cometeu os crimes. O STF não poderia dar cobertura para isso. Essa página da história precisa ser virada, mas não será enquanto houver impunidade. O assunto não será encerrado com esta decisão”, declarou.

Mais sobre a Lei de Anistia

O movimento que levou ao projeto e à sanção da Lei de Anistia começou logo após a instituição do regime militar, em 1964. No início, apenas intelectuais e lideranças políticas que tiveram seus direitos cassados faziam parte do movimento. Depois, a proposta ganhou a sociedade conforme aumentava a repressão por parte da ditadura. No final da década de 70, sob forte pressão popular e já em processo de liberalização, o então presidente general João Baptista Figueiredo encaminhou o projeto de lei ao Congresso, que o aprovou.
Outro parecer contrário ao STF é o de Walter Maierovitch, juiz de direito e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone. “A decisão é uma vitória da tortura e um desrespeito a dignidade humana e dos direitos naturais que não estão escritos. É lamentável sob o aspecto técnico e sob o aspecto político”.
Já o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) se mostra favorável à decisão, afirmando que não há como rever o passado. “Concordo perfeitamente com a decisão do Supremo. A Lei da Anistia perdoa todo mundo. Participei do movimento goiano pela anistia, depois de tantos anos por que rever este assunto? Houve crimes, houve excessos de parte a parte. Está no Código Penal. A decisão não implica em tirar o direito a indenização ou abrir arquivos e reconhecer os erros do passado. Mas vamos voltar a criar ódio no Brasil?”.
Com relação à comparação com alguns países da América Latina, o senador é categórico: “O Brasil é diferente destes que estão revisando os crimes do passado, que são democracias cada vez mais frágeis [em referência a Argentina e Uruguai]”.

Outra personalidade ouvida pelo UOL Notícias que também enaltece a decisão do STF é o jurista Ives Gandra Martins. Para ele, “foi corretíssima a decisão, porque a lei anistia todos os crimes sem distinção. Tortura não é diferente deles. A Lei de Anistia diz que ‘onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir’”, assinalou.

“Sou absolutamente contra a tortura. Fui perseguido, tive os meus bens bloqueados, mas nunca pedi ressarcimento”, disse o jurista. “A lei pode ser modificada para dar eficácia para o futuro e não para o passado”, finalizou.

O julgamento
Após dois dias de julgamento, o STF decidiu nesta quinta-feira (29), por 7 votos a 2, pela improcedência da ação apresentada pela OAB. Acompanharam o voto do ministro relator Eros Grau, pela manutenção da lei, os ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente do STF, Cezar Peluso. Já os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto entenderam que a ação da OAB era parcialmente procedente.
Peluso iniciou seu voto dizendo que "é desnecessário dizer que nenhum ministro tem nenhuma dúvida da profunda aversão dos crimes praticados, não só pelo nosso regime de exceção, mas de todos os regimes de todos os lugares e de todos os tempos”.
Para finalizar, ele afirmou que, se é verdade que cada povo resolve seus problemas de acordo com a sua cultura, "o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia". Ele disse ainda que "os monstros não perdoam. Só o homem perdoa, só uma sociedade superior é capaz de perdoar".
Na ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), a OAB pedia que o Supremo desse uma interpretação mais clara ao artigo 1º da lei, defendendo que a anistia não deveria alcançar os autores de crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, abuso de autoridade, lesões corporais, desaparecimento forçado, estupro e atentado violento ao pudor, contra opositores ao regime político da época.

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