Abaixo, transcrevo um comentário feito por Marco Santos, a quem não conheço, sobre A Estrada, que localizei na internet, em busca de fotos do filme.
O texto faz parte do blog de Santos, chamado Bitaites - Para pequenos e médios intelectuais, e merece a transcrição, por tratar do tema que tentei abordar na última postagem, com muito mais eficiência do que qualquer dia eu seria capaz.
O endereço do Bitaites é http://bitaites.org/
Paz e Bem!
Fantasmas de pó e cinzas
Há livros que nos conquistam definitivamente num único momento de leitura – esta parte de A Estrada, de Cormac McCarthy, aqui transcrita, é o momento em que as palavras de outra pessoa passam a ser também minhas, pois comovem-me de tal forma que parecem descrever episódios que eu vivi.
Foi a partir de um livro dele – No Country For Old Man – que os irmãos Cohen fizeram um dos grandes filmes dos últimos anos – desde aí estava mortinho por ler um livro deste autor. Calhou este.
E assim me deixo prender emocionalmente ao destino destes dois personagens sem nome – um pai e um filho, é o que basta para os conhecermos – arrastando-se num desespero esfomeado pelas estradas abandonadas de um mundo moribundo, cinzento, frio, um planeta América pós-apocalíptico onde o Sol não se mostra, as noites cegam, as árvores tombam como soldados esgotados numa parada, quase todos os animais desapareceram e os humanos procuram sobreviver recorrendo, em alguns casos, à escravidão e ao canibalismo.
Em nenhum momento do livro Cormac nos conta que tipo de evento ocorreu no planeta, como e porquê ocorreu.
Algumas descrições do cenário fizeram-me pensar nos efeitos de um Inverno Nuclear, uma expressão cunhada por Carl Sagan e Richard Turco, ou no que poderia acontecer à Humanidade se um grande calhau de pedra e gelo atingisse a Terra.
Suspeito – o mais provável é estar enganado – que certas imagens do 11 de Setembro, com pessoas caminhando como fantasmas de pó e cinzas por ruas devastadas de Nova Iorque, tenham tido influência na forma como Carmac descreve o Apocalipse em que se movem as duas personagens principais.
O que conta verdadeiramente neste romance é a relação entre pai e filho, agarrados à vida por estarem preocupados com a sobrevivência um do outro – é uma história de amor e crescimento e esperança e loucura, pungente, maravilhosamente bem escrita, tão bem escrita que nem precisa de travessões para os diálogos, comovente ao ponto de me provocar vários nós na garganta difíceis de desapertar, garanto-vos.
Tudo em redor dos dois definha irremediavelmente: a Natureza, a decência humana, as palavras que dão nomes a coisas que já não existem. Por fim, lê-se a determinada altura no livro, até a morte definhará, por falta de ocupação.
O mundo acabará, indiferente ao amor e a tudo o que mais prezamos na vida e em nós próprios, e a estrada que aqueles dois percorrem será também a nossa. Por fim, rompendo as trevas da consciência humana, vislumbramos no olhar do miúdo um raio de Sol – ele é o único que ainda procura distinguir o Bem e o Mal com a determinação com que procura matar a fome – e sem medo, mesmo que implique confrontar o próprio pai, que transgride para o proteger. Transgride por amor. Que belo livro.
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