Resenha: “A natureza do estudo da religião: o papel da explicação”, de Donald Wiebe
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo oferecer uma resenha sobre o capítulo 3, “A natureza do estudo da religião: o papel da explicação”, extraído do livro “Religião e Verdade”, de Donald Wiebe.
No Brasil, o livro foi publicado com o título “Religião e Verdade: Rumo a um paradigma alternativo para o estudo da religião”, pela Editoral Sinodal, do Rio Grande do Sul, uma editora de inspiração luterana.
Neste trabalho, a título de sistema de exposição, serão abordados os seguintes temas: uma breve exposição da biografia do autor, em termos acadêmicos; a proposta de seu trabalho de pesquisa, com subseqüentes desenvolvimentos e as considerações finais.
O autor
Wiebe é professor da Trinity College, em Toronto, no Canadá. Suas áreas de interesse no que tange à pesquisa científica são a Filosofia das Ciências Sociais, Epistemologia, Filosofia da Religião, História do Estudo Acadêmico e Científico da Religião e Método e Teoria no Estudo da Religião.
Entre suas principais publicações a respeito do estudo científico do fenômeno religioso, destacam-se obras como The Politics of Religious Studies: The Continuing Conflict with Theology in the Academy (A política dos estudos religiosos: o continuo conflito com a Teologia na academia), de 1999 ; Beyond Legitimation: Essays on the Problem of Religious Knowledge (Além da legitimação: ensaios sobre o problema do conhecimento religioso, de 1994; The Irony of Theology and the Nature of Religious Thought (A ironia da Teologia e a natureza do pensamento religioso), de 1991 e Religion and Truth: Towards and Alternative Paradigm for the Study of Religion (Religião e Verdade: Em busca de um novo paradigma para o estudo da religião) de 1981.
A necessidade da teoria
O principal tema tratado no capítulo que será examinado neste texto diz respeito à questão da necessidade, da parte das Ciências da Religião, ou seja, do conjunto multidisciplinar de ciências que têm o fenômeno religioso como seu objeto de estudo, da formulação de uma teoria explicativa sobre o fenômeno que busca analisar.
Segundo Wiebe, é necessário abandonar a tradicional visão de que não é possível oferecer uma explicação científica – ou uma teoria científica – sobre a religião, sem correr o risco de reduzir o fenômeno a algo sem importância.
Ao adotar esta linha de argumentação, o autor coloca-se em oposição às tradicionais interpretações do fenômeno religioso, que consideravam a religião segundo dois principais pontos de vista.
O primeiro, de que a religião é uma ilusão. Entre os defensores dessa linha interpretativa, podemos citar autores tão diferentes entre si como Karl Marx – para quem, a religião era uma espécie de reflexo invertido da realidade social – e o pai da psicanálise, Sigmund Freud que, em textos como “O Futuro de uma Ilusão”, por exemplo, afirma que a religião é um traço da personalidade neurótica.
A segunda linha interpretativa afirmava que, mesmo não sendo uma ilusão, o estudo científico da religião deveria buscar compreender de que forma o fenômeno religioso oferecia pistas para a interpretação da realidade social, uma vez que a religião existiria mediante causas específicas e, portanto, teria uma espécie de funcionalidade. Nesta linha, podemos citar autores como o filosófo Ludwig Feuerbach e o sociólogo francês Émile Durkheim.
Segundo Wiede, é impossível oferecer um estudo científico acurado sobre o fenômeno religioso sem se levar em conta a interpretação do fenômeno feitas pelos sujeitos religiosos, ou seja, os crentes de determinada tradição.
Além de defender a visão de que a opinião dos crentes teria a mesma validade que a interpretação de um observador externo, Wiede também defende que o estudo da religião pode ter mais eficácia se for realizado pelo que os sociólogos – e os antropólogos, antes deles – definiram como “observador participante”.
Para o autor, a posição do observador participante, que ocupa uma posição “dentro” da tradição religiosa, mesmo que esta posição ainda tenha um caráter marginal, a bem da objetividade científica, oferece melhores condições para o levantamento de dados empíricos e, mais adiante, para sua necessária interpretação.
Diferentes modelos explicativos
Em sua abordagem, Wiede tece diversos comentários sobre vários tipos de modelos explicativos em uso nas ciências sociais, ao mesmo tempo que faz a diferenciação necessária em relação aos métodos de análises, necessariamente distintos, entre as ciências naturais e as ciências humanas.
O primeiro viés explicativo a ser abordado é o do modelo dedutivo-nomológico, proposto por C. G. Hempel e outros autores.
Segundo a interpretação de Wiede, o modelo de Hempel, ao determinar que um fenômeno só possa ser explicado a partir do seu enquadramento em leis gerais, de forma a assegurar sua previsibilidade, não pode ser utilizado satisfatoriamente nas Ciências Humanas, uma vez que não leva em conta a interpretação que os agentes fazem de suas próprias ações e, uma vez que nossas ações, são em grande parte, justificadas por escolhas de cunho pessoal (mesmo que socialmente determinadas, em certa medida), esse modelo explicativo seria falho.
Outra observação importante na análise de Wiede diz respeito à necessária natureza triádica (com três eixos), da explicação, ou teoria. Supõe-se que a explicação é o ato de alguém explicar algo a alguém.
Levando-se em conta esta proposta de estrutura triaxial da explicação, elimina-se a possibilidade da análise ser fruto de um estado mental pessoal do observador, sem validade científica posterior.
Outro modelo explicativo analisado - e criticado – por Wiede diz respeito à interpretação dos fenômenos sociais - e aqui incluímos a Religião – a partir da observação de determinadas causas externas; ou seja, a partir da determinação de sua funcionalidade, como queria Durkheim.
Para Wiede, o problema desse viés interpretativo reside na “arrogância intelectual” do observador, que desconsidera, ou vê como de menor importância, as explicações e análises feitas pelos sujeitos de suas próprias ações.
Segundo o autor, a acusação de que determinados sistemas religiosos de outras culturas eram simplórios e primitivos – como defendido por estudiosos das religiões comparadas no começo dos contatos com outras culturas – não resistiu à uma análise mais aprofundada dessas mesmas culturas.
Aqui, existe espaço para uma crítica implícita ao pretenso “evolucionismo cultural” da Humanidade, que, acreditava-se, teria ascendido das religiões primitivas rumo ao Cristianismo europeu, considerado como a forma mais desenvolvida de Religião.
Outra abordagem explicativa analisada por Wiede é a proposta por Smart, em seu esquema de “explicações inter-religiosas” e “explicações extra-religiosas”.
Segundo Smart, “uma explicação interna tipicamente implica a tentativa de demonstrar a conexão explicativa de um elemento, ou elementos, numa dimensão da religião, com um elemento, ou elementos, em outra dimensão da religião”. E, “as explicações externas tentam demonstrar como elementos religiosos são modelados por estruturas que em si mesmas não se enquadram totalmente dentro do território demarcado pela definição de religião”.
De acordo com Wiebe, uma explicação de um determinado fenômeno religioso – e ele cita a criação do Dogma da Trindade (Deus como três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo) dentro do Cristianismo primitivo como exemplo – necessitaria combinar as duas possibilidades explicativas, de forma a oferecer um quadro completo de análise.
Desta forma, ao combinar fatores externos e internos na interpretação do fenômeno religioso, o cientista da Religião poderia combinar diversas disciplinas na tentativa de elaborar um quadro explicativo sobre o seu objeto. Assim, os estudos poderiam combinar Teologia, História e Economia, por exemplo, além de uma infinidade de outras subdisciplinas, como a Filosofia e a Psicologia.
Considerações Finais
A proposta de uma teoria explicativa da Religião apresentada por Wiebe, ao levar em conta diversos fatores, com, por exemplo, a necessidade de se levar em conta o conhecimento dos sujeitos religiosos sobre a sua fé e prática, ao mesmo tempo em que defende a multidisciplinaridade do estudo da Religião, pode ser considerada como um exemplo do atual “estado da arte”, ou seja da forma como os estudos acerca do fenômeno religioso são feitos atualmente.
A combinação de disciplinas – mesmo que tão diferentes entre si, como a História e a Teologia, por exemplo - na análise do objeto é evidentemente necessária, caso se queira tentar oferecer um quadro de análise o mais completo possível.
Thiago Fuschini
Mestrando em Ciências da Religião