sábado, 5 de março de 2011

DO UNIVERSO HQ: QUADRINHOS DE TERROR NO BRASIL

A trajetória das HQs de terror no Brasil

Origem, ascensão e declínio do estilo de maior expressão dos quadrinhos brasileiros
 
Por Marcus Ramone (09/01/2004)


"No Brasil, o gênero Terror sempre foi o mais importante dos quadrinhos, desde o final da década de 30 (Garra Cinzenta já era uma dessas histórias, só que com elementos policiais) até meados dos anos 90. Muita gente atribui isso ao Comics Code americano (Nota do UHQ: O Comic Code é um instrumento de regulamentação dos quadrinhos americanos, criado por um grupo de editoras, na década de 50, que temiam uma intervenção do governo americano no mercado, e que resultou efetivamente no cancelamento de quase todos os títulos de crime e terror da época), que fazendo com que as histórias tivessem de ser açucaradas, proporcionaram, aqui, um mercado para que os desenhistas e argumentistas nacionais pudessem fazê-las mais fortes, mais ao gosto do público. Acho que isso explica um grande movimento nos anos 50/60, mas a verdade é que os brasileiros adoram uma boa história de terror, seja de lobisomem, assombração ou boitatá. Isso nos interessa como manifestação cultural".

Mestres do Terror: Nádia, a filha de DráculaO autor da afirmação acima é alguém que, não bastasse o fato de conhecer muito da história dos quadrinhos de terror no Brasil, também fez parte dela. Aos 40 anos de idade, Antônio Rodrigues é hoje publicitário da Talent, uma das mais renomadas agências de propaganda do País. Até meados dos anos 80, porém, escrevia histórias e fazia os lay-outs para que pesos-pesados como Rodolfo Zalla e Flavio Colin transformassem em belíssimas HQs de horror.

Além disso, com Zalla e Rubens Cordeiro, criou personagens como Nádia, a filha de Drácula, e foi um dos principais argumentistas de Mestres do Terror, revista publicada pela editora D-Arte e uma das mais importantes da história dos quadrinhos nacionais.

Em 2002, a edição especial Calafrio - 20 Anos Depois, lançada pela Opera Graphica em comemoração ao aniversário de surgimento da revista, fez uma breve menção a Toni (como ele gosta de ser chamado). "Fui citado de passagem, o que, de certo modo, me frustra, pois minha produção não era pequena. Eu simplesmente não continuei no mercado; porém, o autor da matéria não achou que valia a pena me dar mais destaque".

Calafrio - 20 anos depoisNada que não possa ser redimido, pois, acompanhado de Antônio Rodrigues, iniciaremos agora uma arrepiante viagem pelo terror... nos quadrinhos brasileiros.

O início

O terror nas HQs brasileiras deve muito a alguns estrangeiros que aqui chegaram e fincaram suas raízes, contribuindo para o surgimento do gênero que se tornou a "nossa cara".

O português Jayme Cortez é considerado o responsável pela primeira onda. Com sua chegada ao Brasil, em 1947, já com uma considerável bagagem artística (um de seus trabalhos mais famosos, a história Espíritos Assassinos, é um clássico em Portugal), começou a influenciar vários artistas que enveredavam para as HQs de terror. Alguns foram orientados pessoalmente por ele, como Julio Shimamoto, Ivan Saidenberg e outros.

"Na mesma época que o Cortez, veio também o italiano Nico Rosso, muito importante para o terror, embora tenha seguido para esse lado por contingências do mercado, já que seus melhores trabalhos, na minha opinião, foram os maravilhosos Contos de Fadas que fez para a Editora La Selva, com um traço belíssimo e capas primorosas", diz Antônio.

No começo de década de 1960, também chegaram ao Brasil o argentino Rodolfo Zalla e o italiano Eugênio Colonnese (este, egresso da Argentina, onde estava radicado). Com eles, aportou em terras tupiniquins uma nova maneira de se trabalhar com quadrinhos, com métodos que garantiam um grande volume de produção.

Mirza, a vampiraMuitos daqueles que os antecederam tinham apenas contato diletante com as HQs, produzindo uma história aqui, outra ali, mantendo outros empregos. Gedeone (Malagola) - criador do Raio Negro - era delegado de polícia (embora ainda colaborasse bastante); Lyrio Aragão, investigador (e, mais tarde, desenhista da linha Disney na Editora Abril); Manoel Ferreira virou funcionário público; outros, como Walmir Amaral e Juarez Odilon, entraram para o staff da RGE, basicamente para fazer capas de gibis como Fantasma e Mandrake; Zezo foi trabalhar na Eucatex, onde virou um dos diretores até se aposentar". Outros ainda acabaram indo para a publicidade como Shimamoto, Colin, Cortez e Saidenberg", conta Toni.

Para se ter uma idéia do quanto era prolífica a produção dessas HQs no Brasil, no ano de 1963 existiam mais de 30 títulos em banca. E foi nessa fase, já em 1967, que surgiu nossa principal personagem de terror, a vampira Mirza, criação de Eugênio Colonnese. Sua revista durou apenas dez edições, mas foi republicada nos anos 70. Ganhou outras aventuras inéditas na década de 1980, publicadas em Calafrio e Mestres do Terror, e também num gibi próprio que durou apenas duas edições.

O Estranho Mundo de Zé do CaixãoNesse período, havia novos e talentosos artistas, como Paulo Hamasaki, Rubens Cordeiro, Cláudio Seto e outros. Mas praticamente tudo o que existia na área de horror era alguma obra de Zalla, Colonnese e Rosso. Títulos como O Estranho Mundo de Zé do Caixão e Sexta-Feira 13 fizeram muito sucesso e consolidaram esse segmento de quadrinhos.

Ditames da Ditadura

Mas, assim como nas revistas, o que era só felicidade estaria prestes a se tornar algo, digamos, terrível - com o perdão do infame trocadilho. A partir de 1972, os censores da ditadura passaram a examinar as revistas de terror antes de sua veiculação.

"A coisa começou a pegar. Miguel Penteado, grande ilustrador, co-fundador da Continental e dono da GEP (Gráfica Editora Penteado), um dos primeiros a publicar a Marvel no Brasil, que tinha em sua linha vários e ótimos gibis de terror - Lobisomen, Múmia e Histórias Caipiras de Assombração, por exemplo -, foi chamado para dar explicações. Pôs o pé no freio e fez com que outros também o seguissem, diminuindo ainda mais o mercado para os quadrinhos nacionais, já que, apesar de haver outros gêneros, o que vendia para valer era o terror", explica Toni.

LobisomenEntre os anos de 1972 e 1976, com esse marasmo editorial, vários artistas se desviaram para outras áreas. Eugênio Colonnese passou a ilustrar livros didáticos; Rubens Cordeiro e Rodolfo Zalla desenhavam o Zorro para as revistas Disney da Editora Abril. E outros seguiram caminhos diversos.

Nessa fase, o "terrir" começou a arrebatar sua fatia no mercado. Gasparzinho e Brasinha, de Alfred Harvey; Satanésio, de Ruy Perotti; e Penadinho, de Mauricio de Sousa, faziam a alegria dos leitores infantis. Sucessos absolutos durante muitos anos. O fantasminha brasileiro ainda hoje é presença constante nas edições da Turma da Mônica.

Coleção Contos de TerrorO terror, entretanto, não estava definitivamente fora de jogo. "A Editora M&C lançou Lobisomem, do Gedeone, numa nova e linda versão desenhada por Nico Rosso, e a Múmia, de Ignácio Justo (Sérgio Lima, o artista original das duas séries, estava desenhando as bruxas Maga Patalójika e Madame Min, para a Abril); e a Editora Taika ainda publicava várias revistas, como Contos de Terror, quase só com reprises", faz questão de frisar Antônio. Mas, essas iniciativas não eram nada que lembrasse aquele período mais produtivo.

Sopro de vida

Kripta #41Eis que, em 1976, invade as bancas brasileiras um fenômeno chamado Kripta, da RGE, que, nas palavras de Antônio Rodrigues, gerou todo um "revamp", fazendo surgir várias outras publicações como Calafrio, da D-Arte.

Um comercial de TV anunciava a publicação, finalizando com a frase "Com Kripta, qualquer dia é sexta-feira, qualquer hora é meia-noite". "Foi um sucesso estrondoso. A revista era muito boa, toda com material da Warren Comics e quadrinhos de primeira linha desenhados por gente do naipe de Neal Adams, Esteban Maroto, José Ortiz, Paul Neary, Bernie Wrightson, Luiz Bermejo entre outros e textos de Budd Lewis, Doug Moench, Archie Goodwin, etc.", enaltece Toni. Surgia aí, a segunda onda dos quadrinhos de terror no Brasil.

Calafrio #34A Bloch Editores começou, então, a lançar toda a linha de horror da Marvel, Drácula, Lobisomem, Múmia, Frankenstein, Aventuras Macabras e outras. A Noblet atacou com Vampirella. Já a Ebal voltou com as histórias do segmento criadas pela DC.

Então, a Editora Vecchi passou a publicar Dr. Spektro. "Quando lançaram a revista, estavam apresentando Dr. Spektro da americana Gold Key, um gibi até legal que teve só vinte e poucos números publicados nos Estados Unidos, escritos por Don Glut e desenhados pelo filipino Jesse Santos. Eles fizeram um 'almanacão', para ver o que dava... e vendeu bem pra burro. Aí, resolveram continuar, só que sacaram que teriam que achar outras histórias, pois as da Gold Key não iam dar para muito tempo", esclarece Antônio. "O Ota, editor da Vecchi, foi até a APLA (Agência Periodística Latino Americana, que era a licenciadora de nove entre dez quadrinhos americanos da época) para ver o que achava e deparou-se com velhas histórias de terror dos anos 50, muitas inéditas, e outras que tinham saído na La Selva há bastante tempo. Montou um pacote, dizem, a preço de banana. Tirou o 'Dr.' Do título da publicação e mandou bala. O segundo número vendeu ainda melhor que o primeiro".

Sobrenatural #10A terceira edição apresentou uma matéria sobre quadrinhos nacionais. A repercussão foi bastante positiva. "As histórias criadas no Brasil foram ocupando mais e mais lugar na revista, e acabaram por tomar todo o seu espaço, além de provocar o lançamento de filhotes: Pesadelo, nos moldes da Spektro, e Sobrenatural e Histórias do Além, que tinham muito material da Charlton (algumas bem desenhadas por Steve Ditko e Ton Sutton, por exemplo, mas sempre muito mal escritas) misturado com nacional", explica Toni.

Spektro apresentou duas das mais conceituadas séries de terror brasileiras: Hotel Nicanor, criação de Flavio Colin (o trabalho valeu uma minissérie em três edições, em 1994, com roteiros de Otacílio D' Assunção Barros, o Ota, ganhando o troféu HQ Mix); e O Homem do Patuá, de Elmano Silva.

Spektro #20Entretanto, mais uma tempestade se formou para acabar com uma das melhores fases de HQs que o Brasil já teve, como narra Toni: "O mercado deu uma virada e a Vecchi começou a se degringolar como empresa. Havia também a Grafipar, no Sul, mas o forte dela eram os quadrinhos eróticos. Sua revista de terror, Neuros, durou pouco. O fato é que muita gente que trabalhava nas duas editoras tomou na cabeça, e não recebeu o que tinha direito. A Vecchi abriu concordata e acabou falindo. O Ota perdeu o emprego e tudo se acabou em 1982, melancolicamente".

Segundo Antônio Rodrigues, a Vecchi, apesar de tudo, fez um enorme favor às HQs nacionais, pois trouxe de volta nomes como Shimamoto, Colin e Colonnese, nessa bem recebida incursão aos quadrinhos brasileiros. Redescobriu Manoel Ferreira. Revelou Ataíde Braz, Roberto Kussumoto e, principalmente, Watson Portela, definitivamente o melhor daquela época, junto com Eduardo Ofeliano. "Apareceram outros, também. Sidemar Vicente de Castro, que era um bom argumentista; Olendino Mendes, que tinha um trabalho peculiar; o grande César Lobo, com uma história curiosa: desenhava não muito bem, sofreu um acidente, ficou cego por um tempo e quando voltou a enxergar tinha melhorado, e muito, seu traço. Todos eles começaram na Spektro", frisa.

Segurando a onda

Mestres do Terror #52Num certo dia de 1982, começou a participação de Antônio Rodrigues nos quadrinhos nacionais. "Eu tinha pensado em mandar um material para a Vecchi, mas na época isso era feito pelo correio, não havia internet, não tinha nem sequer como saber se os caras tinham recebido. E como a editora do Zalla (D-Arte) era bem pertinho, resolvi tentar. Ele foi lendo as histórias e me disse que compraria outras, se eu as trouxesse esboçadas", relembra.

Antônio passou a ser o responsável pela seção de cartas de Mestres do Terror, e começou a escrever os roteiros das histórias de Drácula e Nádia, além de diversas outras avulsas. Adaptava também o texto de outros autores como ghost writer.

Drácula #36"Nessa época, houve um fato curioso. Colonnese desenhou uma capa na qual Mirza aparecia com os seios à mostra. Zalla, temendo que a revista fosse recolhida das bancas (escaldado pela censura dos anos de chumbo que viu de perto), resolveu retocar a arte, cobrindo os seios da personagem com lápis dermatográfico. Quando Colonnese viu o impresso, ficou bravo. O resultado foi que o Zalla me pediu para criar uma outra vampira, nascendo daí a Nádia. Mas a rusga entre os dois artistas já foi há muito resolvida", revela Antônio.

A revista fez bastante sucesso e marcou sua presença no mercado durante bons anos. Mas, tanto ela quanto Calafrio chegaram ao fim no início da década de 1990. "Com sua vasta experiência e tino comercial, Zalla conseguiu manter as revistas por muito tempo, mas, mesmo assim, chegou uma hora em que a conturbada situação econômica do País tornou impossível continuar operando. Algum tempo antes disso, consegui um emprego na DPZ, e nunca mais saí da publicidade. Os quadrinhos continuaram na minha vida, mas só como leitor", conta Toni.

O Estranho Mundo de Zé do Caixão, da L&PMAinda havia vários títulos nas bancas, como Histórias Reais de Drácula, da Bloch. Ou mesmo o álbum especial Saga do Terror, que foi publicado pouco depois da morte de seu autor, Jayme Cortez.

Revistas como Monstro do Pântano e Sandman, ambos da DC Comics, surgiram causando estardalhaço. Embora o primeiro envolvesse a temática de super-heróis, e o segundo contivesse muito do gênero fantasia, ainda assim flertavam com o terror.

Títulos underground como Porrada! Special e Animal apresentavam, aqui e ali, alguns trabalhos (nacionais e estrangeiros) com o tema. A Editora Toviassu publicou uma minissérie com Freddy Krueger, em duas edições, tamanho magazine. Pela Editora Abril, saiu a belíssima coleção Clássicos Ilustrados, com adaptações de romances famosos, e entre eles estava A Ilha do Dr. Moreau.

Especial de TerrorEm 1987, nas livrarias, a L&PM relançou, em formato álbum, O Estranho Mundo de Zé do Caixão, que trazia a história Noite Negra, publicada originalmente pela Editora Prelúdio em janeiro de 1969, com texto de Rubens F. Lucchetti e desenhos de Nico Rosso.

Uma das melhores publicações da época foi o especial Histórias de Terror de Eugênio Colonnese (Editora Catânia, 1987), uma coletânea das obras criadas pelo autor entre 1965 e 1966, com 96 páginas, formato americano e encadernação de luxo. Um ano antes, a Press Editorial havia lançado Especial de Terror, só com histórias de Mozart Couto. Enfim, uma fase ainda feliz para o terror.



E vieram os anos 90

Macumba MacabraA década começou apontando para um caminho de venturas. Afinal, muitos títulos surgiram, e outros continuavam sua marcha de longos anos. Mas a verdade é que nenhum conseguiu permanecer por muito tempo.

Logo em 1990, a Abril lançou Deadman: Amor após a Morte, de Mike Baron e Kelley Jones, uma minissérie em duas edições que contava a angustiante história do fantasma Desafiador (rebatizado com o nome original em inglês).

Nas livrarias, no mesmo ano, a L&PM lançou Macumba Macabra, de Ennio Missaglia (roteiro) e Magnus (arte), uma aventura de suspense entre espíritos malignos e legiões de zumbis.

Bradbury - O Papa-defuntosNo biênio 1990/91, a L&PM lançaria ainda Bradbury - O Papa-defuntos e Bradbury - O Pequeno Assassino, com histórias do escritor Ray Bradbury adaptados para os quadrinhos da EC Comics, por feras como Al Williamson, Joe Orlando, Jack Davis, Wally Wood e outros.

No ano de 1991, Hellraiser (baseada na série de cinema criada por Clive Barker), também pela Abril, foi uma luxuosa série trimestral em cores que desfilou excelentes histórias americanas de terror, verdadeiras obras-primas em texto e desenhos. Durou apenas quatro números. Pela mesma editora, saiu Clive Barker - Raça das Trevas, uma mini produzida por Alan Grant, John Wagner e Jim Baikie.

Sussurro SinistroMais ou menos nesse ínterim, Sussurro Sinistro apareceu pela Nova Sampa, apresentando histórias de artistas consagrados e de novos talentos. Também teve vida curta.

A minissérie de luxo Livros da Magia circulou logo depois. Nos mesmos moldes de Sandman, foi a primeira aposta da Editora Abril na linha Vertigo.

Dylan Dog foi trazido ao mercado tupiniquim pela Editora Record (foi cancelada na edição 11, retornou em 2001 pela Conrad e, em 2002, passou para a Mythos ). Era o primeiro contato do público brasileiro com o Investigador do Pesadelo, sucesso na Itália desde sua criação, no final dos anos 80.

Cripta do Terror #1No mesmo ano, a Record passou a publicar Cripta do Terror, apresentando material antigo da EC Comics, com seus característicos finais-surpresa. Ótima revista em tamanho magazine, com 96 páginas por edição. Mas não emplacou. Foram apenas sete números.

Em 1993, Mestres do Terror e Calafrio, da D-Arte, foram canceladas. A primeira, que estreou em 1982, e a segunda, de 1981, são recordistas em tempo de existência nesse gênero de publicação. E poderiam ter conseguido uma numeração de capa maior (chegaram às edições 62 e 52, respectivamente), não fosse a periodicidade irregular, que, em alguns momentos, as fez sair com diferença de meses entre um número e outro.

Pouco depois, um certo vampiro, o mais famoso de todos os tempos, reapareceu na Editora Escala, na minissérie Drácula x Zorro. As duas edições valeram apenas pelo retorno de dois bons personagens.

Vertigo #9, da AbrilEm 1994, Ota relançou Spektro, pela sua própria editora, a Otacomix. Contou-se nos dedos o número de edições publicadas. A já citada minissérie Hotel Nicanor, porém, fez valer o ano.

Pouco depois, em 1995, houve o lançamento da revista Vertigo, pela Abril. Apresentava histórias com temas adultos, a maioria de terror, capitaneadas por Hellblazer, o carro-chefe do título. Só chegou à edição 12.

Foi também nesse ano que a Ediouro publicou a Coleção Assombração, sob a direção de Ota, que também escrevia alguns roteiros. Com títulos como Cripta Maldita, Ritual Macabro, Casos Verídicos de Terror, entre outros, desfilava nomes como Colin, Shimamoto e Mozart Couto, além de novos artistas, como Fernando Miller e Ronaldo Devil.

Seleções de AssombraçãoTodas eram excelentes revistas que, entre republicações de clássicos (como os já citados Homem do Patuá e Hotel Nicanor) e histórias inéditas, produziam horripilantes pesadelos em preto-e-branco. Só duraram oito números, e logo após houve algumas encadernações compilando tudo o que havia saído - incluindo o almanaque especial -, sob o título Seleções de Assombração.

À Meia-Noite Levarei Sua Alma, da Nova Sampa, com textos de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, e desenhos de Laudo Ferreira Jr., foi lançado com um certo estardalhaço na mídia: a história era a quadrinização oficial do filme de 1964. O personagem voltou a aparecer mais duas vezes nos anos seguintes: uma na revista Heavy Metal brasileira (1996); outra, na Horror Show (1997), numa história de quatro páginas.

À Meia Noite Levarei sua AlmaEm 1996, a maior criação de Todd McFarlane chegou ao Brasil. Até hoje publicado pela Abril, Spawn arrebatou milhares de fãs com suas aventuras recheadas de pactos com demônios, fantasmas, mortos-vivos e outros horrores, mesmo que fossem apenas pano de fundo para as tradicionais batalhas entre super-herói e vilão.

A Maldição do Spawn, outro título da Cria do Inferno que chegou às bancas em 1999, era mais terror, propriamente dito, com histórias bastante macabras, nas quais os protagonistas eram personagens que na revista principal figuravam apenas como coadjuvantes. Infelizmente, durou apenas um ano.

Na esteira, a Best News lançou Araknis em uma minissérie, anunciando para breve um título mensal fixo, o que não aconteceu. Com uma origem muito parecida com a de Spawn (ou seria o contrário?), o anti-herói demoníaco não seguiu carreira no Brasil.

Spektro #15Outra contribuição para o gênero, nesse período, foi dada pela HQ - Revista do Quadrinho Brasileiro, da Editora Escala. No meio de histórias eróticas ou de super-heróis, sempre cabiam as de horror, como a saga produzida por Ronaldo Seliestre e Marcos Porto, relatando a epopéia do flagelo humano Gengis Khan no Inferno, algo do que de melhor se viu naquela publicação. Como já podia se esperar, o título não vingou. No mesmo barco entraram a versão brasileira da Heavy Metal e seu "clone", a Metal Pesado, respectivamente das editoras de mesmo nome.

Mais uma bela obra da linha Vertigo chegou por meio da Abril. Em 1997, a minissérie Santo dos Assassinos foi, seguramente, a melhor HQ daquele ano. Até então, poucas vezes se tinha visto um personagem que tanto fizesse jus à acepção máxima da palavra demônio.

Morte - O Grande Momento da Vida, marcou a incursão da Abril no universo de Sandman, apresentando uma bela minissérie escrita por Neil Gaiman e desenhada por Chris Bachalo e Mark Buckingham, protagonizada pela mais querida dos Perpétuos entre os leitores.

MephistoTambém em 1997 houve o inusitado crossover Mulher-Gato x Vampirella, pela Abril, marcando o breve retorno da vampira, depois de anos de ostracismo.

Esses crossovers entre personagens macabros e super-heróis eram recorrentes (o que não mudou muito, atualmente). Nessa época, apareceram os Aliens e o Predador, adaptados dos filmes de sucesso que misturavam terror e ficção científica. As horripilantes criaturas lutaram contra Batman, Tarzan, Superman e outros heróis.

Então, em 1996, veio a Editora Globo com uma enxurrada de publicações da Image. No bolo, a minissérie em oito partes Witchblade destacou-se com sua temática sobrenatural, mas bem ao gosto dos fãs de super-heróis. Dois anos se passaram, e a Abril adquiriu os direitos da personagem, fazendo-a dividir com outro ser das trevas a revista Darkness & Witchblade.

Casa do TerrorO ano de 1999 marcou o lançamento de Kiss - Psycho Circus, também da Abril. Foi uma minissérie em três edições com bem produzidas histórias de horror, ao estilo Sandman, nas quais os personagens (os integrantes da famosa banda, retratados como entidades místicas arcanas) apareciam apenas no fim para exercer os papéis de júri, juiz e carrasco. Nesse mesmo ano, a Mythos também publicou uma mini da Image que continha muitos elementos de terror. Tratava-se de Tenth.

Não foram, de todo, anos perdidos, é verdade. No entanto, com tantos cancelamentos e a diminuição das apostas no mercado, o início do fim começou.

De 2000 pra cá...

ChastityO ano 2000 já entrou com o cancelamento de A Maldição do Spawn. Em 2001, a estreante Editora Atlantis pôs no mercado alguns títulos da Chaos Comics, entre eles a já conhecida Lady Death e a novata Chastity, uma vampira que vivia na Londres dos anos 70 e curtia punk rock. Ambas as revistas chegaram apenas à quarta edição.

As coisas realmente andam definhando. É possível, sim, encontrar lançamentos do "estilo brasileiro de quadrinhos", só que muito esparsos, quase nada de títulos seriados, nem mesmo com periodicidade irregular. E o pior: muitas vezes edições especiais com tiragens limitadas e distribuição segmentada para comic shops ou livrarias.

No Reino do Terror, com textos de R. F. Lucchetti e desenhos de outros artistas consagrados; A Casa do Fim do Mundo, de Simon Revelstroke e Richard Corben; Paralelas, de Watson Portela, e Mirza, todos editados pela Opera Graphica, são apenas alguns exemplos da atual política sectária de publicar quadrinhos, que privou o grande público dessas obras-primas em quadrinhos.

No Reino do TerrorPelo menos a bela vampira teve todas as suas histórias relançadas num primoroso encadernado, distribuído nacionalmente, numa louvável iniciativa da Editora Escala.

Hellboy, de Mike Mignola, voltou a dar as caras pela Mythos em 2001, depois de ter estreado por aqui em março de 1998. Com a estréia do filme, prevista para 2004, é provável que o personagem ganhe mais algumas edições e o espaço que merece na preferência dos leitores.

No mesmo ano, em tempos de Linha Premium, a Brainstore retomou o formatinho, com uma heroína pouco conhecida do grande público brasileiro, Elisa Cameron, uma repórter que foi assassinada e, retornando como fantasma e sem nenhuma lembrança de seu passado, sai em busca de respostas e de vingança contra seus assassinos. Sua aparição por aqui se deu em Ghost x Batgirl.

MirzaHá dois anos, um dos melhores lançamentos deste início de século, Mágico Vento (Mythos), criado pelo italiano Gianfranco Manfredi, atingiu em cheio dois públicos distintos: os adeptos do bangue-bangue e os de terror. O carismático xamã branco se transformou, de uma hora para outra, em uma unanimidade entre os fãs dos fumetti da Bonelli Comics. E tudo leva a crer que a revista chegou para ficar.

Ainda em 2002, o livro Voivode: Estudos sobre os Vampiros, lançado pela Pandemonium Editora, trouxe vários artigos sobre o tema, além de um apanhado do assunto nas histórias em quadrinhos. Para completar, reapresentou a clássica HQ Como Se Faz uma História de Terror, produzida pela dupla R. F. Lucchetti e Nico Rosso em 1968, e publicada originalmente na revista A Cripta.

Esse mesmo ano registrou, entretanto, uma triste notícia: o falecimento de Flavio Colin. Uma perda das mais sentidas entre os admiradores de sua arte incomum.

Contos BizarrosOs autores da Napalm Comics, de Maceió, foram à terceira edição do Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, em setembro do ano passado, para lançar a revista Napalm Zero, que conta apenas com trabalhos de artistas alagoanos. Das três histórias da revista, duas são de terror.

A grata surpresa de 2003 foi, sem dúvida, Contos Bizarros, da Editora Abril, um especial que conseguiu sucesso de crítica e que passou para os quadrinhos algumas assustadoras e reais histórias de serial killers, numa bem-cuidada edição colorida em formato americano. "Acho que Contos Bizarros é o caminho certo para os quadrinhos nacionais de terror voltarem", diz Antônio Rodrigues.

Hellraiser #3, da AbrilTambém nesse ano, a Brainstore relançou Hellraiser, em edição especial, com algumas histórias escritas pelo próprio Clive Barker. Da mesma editora, edições especiais com o personagem Lúcifer, da linha Vertigo, têm apresentado ótimas histórias. A Devir, por sua vez, mandou Vampi - Amor Sangrento às livrarias e gibiterias.

Somando isso aos títulos como Sandman, Vertigo, Hellblazer e Dylan Dog, que continuam circulando regularmente, percebe-se que são exatamente os materiais estrangeiros que estão mantendo o terror nas bancas brasileiras.

A Editora Noblet, de qualquer forma, resolveu arriscar na produção brasileira, no final do ano passado, e lançou Arrepio, que se propõe a ser mensal. "Sinto muito pelo Paulo Hamasaki, mas acho que Arrepio é uma HQ anacrônica. Os leitores de hoje não vão comprar algo assim" opina, Antônio Rodrigues.

ArrepioNavegando pela grande rede, também é possível chegar ao Inferno, uma série de superseres que utiliza as temáticas misticismo e terror. Criados pelo gaúcho Augusto Velazquez, os personagens e suas biografias estão no site do autor, mas ainda não encontraram uma editora que transponha para o papel suas aventuras demoníacas.

Há de se registrar que a internet tem dado sua parcela de contribuição para o gênero. O site da Nona Arte oferece centenas de revistas on-line, muitas permitindo download, e várias com o tema terror. Todas produzidas por artistas brasileiros, diga-se de passagem.

A melhor notícia, entretanto, veio da UCM Comics, mais um site que, apostando nesse segmento e nos artistas nacionais, lançou há pouco a revista on-line Kripta. Pelos comentários dos visitantes, a coisa parece que vai longe.

O Duelo, de Antônio RodriguesIsso tudo pode parecer muito para uma década que mal começou. Mas é pouco, se comparado ao mesmo período de outros tempos, quando a oferta de títulos era bem maior, e todos os leitores tinham a mesma oportunidade de ver sua revista preferida nas bancas, independente da região em que morassem.

E quanto a Antônio Rodrigues? Há planos para um retorno? "No ano passado, na ocasião do lançamento daquela edição especial dos 20 anos da Calafrio, me encontrei com o Shimamoto e fiquei pensando em escrever uma história para ele ilustrar. Só que até agora não tive tempo, embora tenha parte dela em plot. Não se trata de uma história de terror, mas de aventura, com muitas artes marciais, coisa que o Shima desenha muitíssimo bem. Ou seja, vontade não falta. Quem sabe, em 2004...".

Que esse mestre do terror cumpra sua promessa. Ou, à meia-noite, os fãs levarão sua alma.

Marcus Ramone garante que teve que dormir com a luz do quarto acesa, depois de escrever esta matéria

2 comentários:

  1. Tenho saudade dessas historias, fizeram parte da minha infância.

    FABIANO

    ResponderExcluir
  2. A hq de terror sucesso na Europa, Dylan Dog, retorna em 2017 pela Editora lorentz, previsão de lançamento março- abril de 2017…é uma hq que deixou de ser publicada no brasil a uns 10 anos… tinha historias de terror bem legais e algumas estilo além da imaginação…quem não conhece tem o filme fraquinho dylan dog e as criaturas da noite…mas hqs são bem melhores, o filme é fraco. Vale a pena conhecer as hqs de Dylan Dog

    ResponderExcluir