A trajetória das HQs de terror no Brasil
Origem, ascensão e declínio do estilo de maior expressão dos quadrinhos brasileiros
Por Marcus Ramone (09/01/2004)
Além disso, com Zalla e Rubens Cordeiro, criou personagens como Nádia, a filha de Drácula, e foi um dos principais argumentistas de Mestres do Terror, revista publicada pela editora D-Arte e uma das mais importantes da história dos quadrinhos nacionais.
Em 2002, a edição especial Calafrio - 20 Anos Depois, lançada pela Opera Graphica em comemoração ao aniversário de surgimento da revista, fez uma breve menção a Toni (como ele gosta de ser chamado). "Fui citado de passagem, o que, de certo modo, me frustra, pois minha produção não era pequena. Eu simplesmente não continuei no mercado; porém, o autor da matéria não achou que valia a pena me dar mais destaque".
O início
O terror nas HQs brasileiras deve muito a alguns estrangeiros que aqui chegaram e fincaram suas raízes, contribuindo para o surgimento do gênero que se tornou a "nossa cara".
O português Jayme Cortez é considerado o responsável pela primeira onda. Com sua chegada ao Brasil, em 1947, já com uma considerável bagagem artística (um de seus trabalhos mais famosos, a história Espíritos Assassinos, é um clássico em Portugal), começou a influenciar vários artistas que enveredavam para as HQs de terror. Alguns foram orientados pessoalmente por ele, como Julio Shimamoto, Ivan Saidenberg e outros.
"Na mesma época que o Cortez, veio também o italiano Nico Rosso, muito importante para o terror, embora tenha seguido para esse lado por contingências do mercado, já que seus melhores trabalhos, na minha opinião, foram os maravilhosos Contos de Fadas que fez para a Editora La Selva, com um traço belíssimo e capas primorosas", diz Antônio.
No começo de década de 1960, também chegaram ao Brasil o argentino Rodolfo Zalla e o italiano Eugênio Colonnese (este, egresso da Argentina, onde estava radicado). Com eles, aportou em terras tupiniquins uma nova maneira de se trabalhar com quadrinhos, com métodos que garantiam um grande volume de produção.
Para se ter uma idéia do quanto era prolífica a produção dessas HQs no Brasil, no ano de 1963 existiam mais de 30 títulos em banca. E foi nessa fase, já em 1967, que surgiu nossa principal personagem de terror, a vampira Mirza, criação de Eugênio Colonnese. Sua revista durou apenas dez edições, mas foi republicada nos anos 70. Ganhou outras aventuras inéditas na década de 1980, publicadas em Calafrio e Mestres do Terror, e também num gibi próprio que durou apenas duas edições.
Ditames da Ditadura
Mas, assim como nas revistas, o que era só felicidade estaria prestes a se tornar algo, digamos, terrível - com o perdão do infame trocadilho. A partir de 1972, os censores da ditadura passaram a examinar as revistas de terror antes de sua veiculação.
"A coisa começou a pegar. Miguel Penteado, grande ilustrador, co-fundador da Continental e dono da GEP (Gráfica Editora Penteado), um dos primeiros a publicar a Marvel no Brasil, que tinha em sua linha vários e ótimos gibis de terror - Lobisomen, Múmia e Histórias Caipiras de Assombração, por exemplo -, foi chamado para dar explicações. Pôs o pé no freio e fez com que outros também o seguissem, diminuindo ainda mais o mercado para os quadrinhos nacionais, já que, apesar de haver outros gêneros, o que vendia para valer era o terror", explica Toni.
Nessa fase, o "terrir" começou a arrebatar sua fatia no mercado. Gasparzinho e Brasinha, de Alfred Harvey; Satanésio, de Ruy Perotti; e Penadinho, de Mauricio de Sousa, faziam a alegria dos leitores infantis. Sucessos absolutos durante muitos anos. O fantasminha brasileiro ainda hoje é presença constante nas edições da Turma da Mônica.
Sopro de vida
Um comercial de TV anunciava a publicação, finalizando com a frase "Com Kripta, qualquer dia é sexta-feira, qualquer hora é meia-noite". "Foi um sucesso estrondoso. A revista era muito boa, toda com material da Warren Comics e quadrinhos de primeira linha desenhados por gente do naipe de Neal Adams, Esteban Maroto, José Ortiz, Paul Neary, Bernie Wrightson, Luiz Bermejo entre outros e textos de Budd Lewis, Doug Moench, Archie Goodwin, etc.", enaltece Toni. Surgia aí, a segunda onda dos quadrinhos de terror no Brasil.
Então, a Editora Vecchi passou a publicar Dr. Spektro. "Quando lançaram a revista, estavam apresentando Dr. Spektro da americana Gold Key, um gibi até legal que teve só vinte e poucos números publicados nos Estados Unidos, escritos por Don Glut e desenhados pelo filipino Jesse Santos. Eles fizeram um 'almanacão', para ver o que dava... e vendeu bem pra burro. Aí, resolveram continuar, só que sacaram que teriam que achar outras histórias, pois as da Gold Key não iam dar para muito tempo", esclarece Antônio. "O Ota, editor da Vecchi, foi até a APLA (Agência Periodística Latino Americana, que era a licenciadora de nove entre dez quadrinhos americanos da época) para ver o que achava e deparou-se com velhas histórias de terror dos anos 50, muitas inéditas, e outras que tinham saído na La Selva há bastante tempo. Montou um pacote, dizem, a preço de banana. Tirou o 'Dr.' Do título da publicação e mandou bala. O segundo número vendeu ainda melhor que o primeiro".
Spektro apresentou duas das mais conceituadas séries de terror brasileiras: Hotel Nicanor, criação de Flavio Colin (o trabalho valeu uma minissérie em três edições, em 1994, com roteiros de Otacílio D' Assunção Barros, o Ota, ganhando o troféu HQ Mix); e O Homem do Patuá, de Elmano Silva.
Segundo Antônio Rodrigues, a Vecchi, apesar de tudo, fez um enorme favor às HQs nacionais, pois trouxe de volta nomes como Shimamoto, Colin e Colonnese, nessa bem recebida incursão aos quadrinhos brasileiros. Redescobriu Manoel Ferreira. Revelou Ataíde Braz, Roberto Kussumoto e, principalmente, Watson Portela, definitivamente o melhor daquela época, junto com Eduardo Ofeliano. "Apareceram outros, também. Sidemar Vicente de Castro, que era um bom argumentista; Olendino Mendes, que tinha um trabalho peculiar; o grande César Lobo, com uma história curiosa: desenhava não muito bem, sofreu um acidente, ficou cego por um tempo e quando voltou a enxergar tinha melhorado, e muito, seu traço. Todos eles começaram na Spektro", frisa.
Segurando a onda
Antônio passou a ser o responsável pela seção de cartas de Mestres do Terror, e começou a escrever os roteiros das histórias de Drácula e Nádia, além de diversas outras avulsas. Adaptava também o texto de outros autores como ghost writer.
A revista fez bastante sucesso e marcou sua presença no mercado durante bons anos. Mas, tanto ela quanto Calafrio chegaram ao fim no início da década de 1990. "Com sua vasta experiência e tino comercial, Zalla conseguiu manter as revistas por muito tempo, mas, mesmo assim, chegou uma hora em que a conturbada situação econômica do País tornou impossível continuar operando. Algum tempo antes disso, consegui um emprego na DPZ, e nunca mais saí da publicidade. Os quadrinhos continuaram na minha vida, mas só como leitor", conta Toni.
Revistas como Monstro do Pântano e Sandman, ambos da DC Comics, surgiram causando estardalhaço. Embora o primeiro envolvesse a temática de super-heróis, e o segundo contivesse muito do gênero fantasia, ainda assim flertavam com o terror.
Títulos underground como Porrada! Special e Animal apresentavam, aqui e ali, alguns trabalhos (nacionais e estrangeiros) com o tema. A Editora Toviassu publicou uma minissérie com Freddy Krueger, em duas edições, tamanho magazine. Pela Editora Abril, saiu a belíssima coleção Clássicos Ilustrados, com adaptações de romances famosos, e entre eles estava A Ilha do Dr. Moreau.
Uma das melhores publicações da época foi o especial Histórias de Terror de Eugênio Colonnese (Editora Catânia, 1987), uma coletânea das obras criadas pelo autor entre 1965 e 1966, com 96 páginas, formato americano e encadernação de luxo. Um ano antes, a Press Editorial havia lançado Especial de Terror, só com histórias de Mozart Couto. Enfim, uma fase ainda feliz para o terror.
E vieram os anos 90
Logo em 1990, a Abril lançou Deadman: Amor após a Morte, de Mike Baron e Kelley Jones, uma minissérie em duas edições que contava a angustiante história do fantasma Desafiador (rebatizado com o nome original em inglês).
Nas livrarias, no mesmo ano, a L&PM lançou Macumba Macabra, de Ennio Missaglia (roteiro) e Magnus (arte), uma aventura de suspense entre espíritos malignos e legiões de zumbis.
No ano de 1991, Hellraiser (baseada na série de cinema criada por Clive Barker), também pela Abril, foi uma luxuosa série trimestral em cores que desfilou excelentes histórias americanas de terror, verdadeiras obras-primas em texto e desenhos. Durou apenas quatro números. Pela mesma editora, saiu Clive Barker - Raça das Trevas, uma mini produzida por Alan Grant, John Wagner e Jim Baikie.
A minissérie de luxo Livros da Magia circulou logo depois. Nos mesmos moldes de Sandman, foi a primeira aposta da Editora Abril na linha Vertigo.
Dylan Dog foi trazido ao mercado tupiniquim pela Editora Record (foi cancelada na edição 11, retornou em 2001 pela Conrad e, em 2002, passou para a Mythos ). Era o primeiro contato do público brasileiro com o Investigador do Pesadelo, sucesso na Itália desde sua criação, no final dos anos 80.
Em 1993, Mestres do Terror e Calafrio, da D-Arte, foram canceladas. A primeira, que estreou em 1982, e a segunda, de 1981, são recordistas em tempo de existência nesse gênero de publicação. E poderiam ter conseguido uma numeração de capa maior (chegaram às edições 62 e 52, respectivamente), não fosse a periodicidade irregular, que, em alguns momentos, as fez sair com diferença de meses entre um número e outro.
Pouco depois, um certo vampiro, o mais famoso de todos os tempos, reapareceu na Editora Escala, na minissérie Drácula x Zorro. As duas edições valeram apenas pelo retorno de dois bons personagens.
Pouco depois, em 1995, houve o lançamento da revista Vertigo, pela Abril. Apresentava histórias com temas adultos, a maioria de terror, capitaneadas por Hellblazer, o carro-chefe do título. Só chegou à edição 12.
Foi também nesse ano que a Ediouro publicou a Coleção Assombração, sob a direção de Ota, que também escrevia alguns roteiros. Com títulos como Cripta Maldita, Ritual Macabro, Casos Verídicos de Terror, entre outros, desfilava nomes como Colin, Shimamoto e Mozart Couto, além de novos artistas, como Fernando Miller e Ronaldo Devil.
À Meia-Noite Levarei Sua Alma, da Nova Sampa, com textos de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, e desenhos de Laudo Ferreira Jr., foi lançado com um certo estardalhaço na mídia: a história era a quadrinização oficial do filme de 1964. O personagem voltou a aparecer mais duas vezes nos anos seguintes: uma na revista Heavy Metal brasileira (1996); outra, na Horror Show (1997), numa história de quatro páginas.
A Maldição do Spawn, outro título da Cria do Inferno que chegou às bancas em 1999, era mais terror, propriamente dito, com histórias bastante macabras, nas quais os protagonistas eram personagens que na revista principal figuravam apenas como coadjuvantes. Infelizmente, durou apenas um ano.
Na esteira, a Best News lançou Araknis em uma minissérie, anunciando para breve um título mensal fixo, o que não aconteceu. Com uma origem muito parecida com a de Spawn (ou seria o contrário?), o anti-herói demoníaco não seguiu carreira no Brasil.
Mais uma bela obra da linha Vertigo chegou por meio da Abril. Em 1997, a minissérie Santo dos Assassinos foi, seguramente, a melhor HQ daquele ano. Até então, poucas vezes se tinha visto um personagem que tanto fizesse jus à acepção máxima da palavra demônio.
Morte - O Grande Momento da Vida, marcou a incursão da Abril no universo de Sandman, apresentando uma bela minissérie escrita por Neil Gaiman e desenhada por Chris Bachalo e Mark Buckingham, protagonizada pela mais querida dos Perpétuos entre os leitores.
Esses crossovers entre personagens macabros e super-heróis eram recorrentes (o que não mudou muito, atualmente). Nessa época, apareceram os Aliens e o Predador, adaptados dos filmes de sucesso que misturavam terror e ficção científica. As horripilantes criaturas lutaram contra Batman, Tarzan, Superman e outros heróis.
Então, em 1996, veio a Editora Globo com uma enxurrada de publicações da Image. No bolo, a minissérie em oito partes Witchblade destacou-se com sua temática sobrenatural, mas bem ao gosto dos fãs de super-heróis. Dois anos se passaram, e a Abril adquiriu os direitos da personagem, fazendo-a dividir com outro ser das trevas a revista Darkness & Witchblade.
Não foram, de todo, anos perdidos, é verdade. No entanto, com tantos cancelamentos e a diminuição das apostas no mercado, o início do fim começou.
De 2000 pra cá...
As coisas realmente andam definhando. É possível, sim, encontrar lançamentos do "estilo brasileiro de quadrinhos", só que muito esparsos, quase nada de títulos seriados, nem mesmo com periodicidade irregular. E o pior: muitas vezes edições especiais com tiragens limitadas e distribuição segmentada para comic shops ou livrarias.
No Reino do Terror, com textos de R. F. Lucchetti e desenhos de outros artistas consagrados; A Casa do Fim do Mundo, de Simon Revelstroke e Richard Corben; Paralelas, de Watson Portela, e Mirza, todos editados pela Opera Graphica, são apenas alguns exemplos da atual política sectária de publicar quadrinhos, que privou o grande público dessas obras-primas em quadrinhos.
Hellboy, de Mike Mignola, voltou a dar as caras pela Mythos em 2001, depois de ter estreado por aqui em março de 1998. Com a estréia do filme, prevista para 2004, é provável que o personagem ganhe mais algumas edições e o espaço que merece na preferência dos leitores.
No mesmo ano, em tempos de Linha Premium, a Brainstore retomou o formatinho, com uma heroína pouco conhecida do grande público brasileiro, Elisa Cameron, uma repórter que foi assassinada e, retornando como fantasma e sem nenhuma lembrança de seu passado, sai em busca de respostas e de vingança contra seus assassinos. Sua aparição por aqui se deu em Ghost x Batgirl.
Ainda em 2002, o livro Voivode: Estudos sobre os Vampiros, lançado pela Pandemonium Editora, trouxe vários artigos sobre o tema, além de um apanhado do assunto nas histórias em quadrinhos. Para completar, reapresentou a clássica HQ Como Se Faz uma História de Terror, produzida pela dupla R. F. Lucchetti e Nico Rosso em 1968, e publicada originalmente na revista A Cripta.
Esse mesmo ano registrou, entretanto, uma triste notícia: o falecimento de Flavio Colin. Uma perda das mais sentidas entre os admiradores de sua arte incomum.
A grata surpresa de 2003 foi, sem dúvida, Contos Bizarros, da Editora Abril, um especial que conseguiu sucesso de crítica e que passou para os quadrinhos algumas assustadoras e reais histórias de serial killers, numa bem-cuidada edição colorida em formato americano. "Acho que Contos Bizarros é o caminho certo para os quadrinhos nacionais de terror voltarem", diz Antônio Rodrigues.
Somando isso aos títulos como Sandman, Vertigo, Hellblazer e Dylan Dog, que continuam circulando regularmente, percebe-se que são exatamente os materiais estrangeiros que estão mantendo o terror nas bancas brasileiras.
A Editora Noblet, de qualquer forma, resolveu arriscar na produção brasileira, no final do ano passado, e lançou Arrepio, que se propõe a ser mensal. "Sinto muito pelo Paulo Hamasaki, mas acho que Arrepio é uma HQ anacrônica. Os leitores de hoje não vão comprar algo assim" opina, Antônio Rodrigues.
Há de se registrar que a internet tem dado sua parcela de contribuição para o gênero. O site da Nona Arte oferece centenas de revistas on-line, muitas permitindo download, e várias com o tema terror. Todas produzidas por artistas brasileiros, diga-se de passagem.
A melhor notícia, entretanto, veio da UCM Comics, mais um site que, apostando nesse segmento e nos artistas nacionais, lançou há pouco a revista on-line Kripta. Pelos comentários dos visitantes, a coisa parece que vai longe.
E quanto a Antônio Rodrigues? Há planos para um retorno? "No ano passado, na ocasião do lançamento daquela edição especial dos 20 anos da Calafrio, me encontrei com o Shimamoto e fiquei pensando em escrever uma história para ele ilustrar. Só que até agora não tive tempo, embora tenha parte dela em plot. Não se trata de uma história de terror, mas de aventura, com muitas artes marciais, coisa que o Shima desenha muitíssimo bem. Ou seja, vontade não falta. Quem sabe, em 2004...".
Que esse mestre do terror cumpra sua promessa. Ou, à meia-noite, os fãs levarão sua alma.
Marcus Ramone garante que teve que dormir com a luz do quarto acesa, depois de escrever esta matéria
Tenho saudade dessas historias, fizeram parte da minha infância.
ResponderExcluirFABIANO
A hq de terror sucesso na Europa, Dylan Dog, retorna em 2017 pela Editora lorentz, previsão de lançamento março- abril de 2017…é uma hq que deixou de ser publicada no brasil a uns 10 anos… tinha historias de terror bem legais e algumas estilo além da imaginação…quem não conhece tem o filme fraquinho dylan dog e as criaturas da noite…mas hqs são bem melhores, o filme é fraco. Vale a pena conhecer as hqs de Dylan Dog
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