quarta-feira, 2 de junho de 2010

RELATO DE UM SONHO

Eu o encontrei em uma esquina de um sonho. Até então, tudo muito bonito, tudo muito civilizado, tudo muito agradável.

De repente, sem felicidade alguma, lá estava ele parado.

- Olá!, ele abriu um sorriso amarelo, enquanto estendia a mão para mim. Eu continuei andando.

- OLÁ! ME IGNORAR NÃO VAI ADIANTAR ABSOLUTAMENTE NADA!, ele gritou.

Eu me virei, o que parecia algo inevitável de se fazer.
Ele vestia as mesmas roupas que eu. O mesmo rosto, os mesmos cabelos, o mesmo cavanhaque meio torto. A mesma voz e a mesma língua.

Mas o que realmente me incomodou foram seus olhos famintos. Eu conhecia aquela velha fome.

- O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO? QUEM VOCÊ ACHA QUE ESTÁ ENGANANDO? 

Eu me mantive parado.

- PORRA, THIAGO, A GENTE SABE MUITO BEM COMO SÃO AS COISAS. 

Sim, eu sei do meu coração. Conheço cada fibra e alveólo. Sei de cada desejo não satisfeito, de cada medo, de cada vontade, de cada alegria e de cada decepção.

- E ENTÃO? 

Finalmente, eu cedi. "Você precisa gritar?", eu perguntei.

- EU SÓ GRITO PARA QUE VOCÊ ME ESCUTE, SEU IDIOTA. SEU FALSÁRIO. ESSA POSE DE BOM MENINO...

Ele parou um pouco, olhando em volta e sorrindo.

- E VOCÊ SABE MUITO BEM DO QUE VOCÊ É FEITO, CERTO? VOCÊ SABE QUEM VOCÊ É. NÓS SEMPRE O ADMIRAMOS POR ISSO.

- Eu resolvi mudar..., comecei. 

- PARA QUÊ? VOCÊ NÃO TEM DE MUDAR! NINGUÉM MUDA; AS PESSOAS SE ADAPTAM. PARA QUE MUDAR?

- Porque eu perdi demais. Não queria que as coisas continuassem daquele jeito.

Ele sorriu e se aproximou. 

E eu pude ver. E eu pude lembrar: noites insones, viagens e corridas no meio da madrugada. Batidas policiais, noites em boates e bares. Dinheiro, olhos enormes e retinas esbugalhadas. 

Mas eu só vi as coisas ruins. Não havia nada de interessante, charmoso ou atraente nelas. 

E ele percebeu isso. E, quando se deu conta, parou de sorrir e deu um passo para trás, com seus pés de bode. 

- Não, não... Não são pés de bode. Isso é apenas uma projeção psicológica sua, que está sonhando, ele começou a explicar, sem gritar agora. 

Eu avançei. E ele recuou, indeciso sobre o que fazer. 

Aos poucos, ele deixou de ter o meu rosto e os meus cabelos. Meu cavanhaque desapareceu e se misturou com os pêlos do peito. 

Finalmente, ele desistiu de se parecer comigo. Não adiantava mais. Eu e ele éramos totalmente diferentes.

E não éramos amigos.

Então, eu acordei. 

Paz e Bem!

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