Dia da Mulher: destacamos três textos de teologia feminista
Silas Fiorotti
Já faz algum tempo que o Dia da Mulher perdeu sua vertente política e reduziu-se a manifestação de amor ou simpatia dos homens pelas mulheres - como no Dia dos Namorados -, verificada pelas ofertas de presentes e flores dos homens às mulheres.É preciso lembrar todos os anos que as mulheres empregadas em fábricas de vestuário e indústria têxtil foram protagonistas de protestos, por melhores
salários e condições de trabalho, no dia 8 de março de 1857 em Nova Iorque. Houve também um incêndio na fábrica da Triangle Shirtwaist, também em Nova Iorque, em 25 de março de 1911, onde morreram 146 trabalhadoras. E muitos outros protestos se seguiram nos anos seguintes ao episódio de 8 de março, destacando-se um outro em 1908, onde 15.000 mulheres marcharam sobre a cidade de Nova Iorque exigindo a redução de jornada, melhores salários e o direito ao voto. Assim, o primeiro Dia Internacional da Mulher observou-se a 28 de fevereiro de 1909 nos Estados Unidos.
As mulheres continuam sofrendo no mundo inteiro em posições subalternas ou feitas invisíveis. Os evangélicos brasileiros, entre outros, sabem muito bem como manter isso. Apesar de tudo, há quase dois séculos, as mulheres despertaram dessa situação desumana e se organizaram para gestar outro tipo de relação de gênero, criando os fundamentos de outro paradigma civilizacional não mais ligado à subordinação mas à reciprocidade e à parceria.
No dia 8 de março devemos lembrar também que a teologia foi e continua sendo sacudida pela teologia feminista. Sabemos que a teologia feminista nos seus primórdios, assim como o feminismo por aqui, reproduzia de forma caricata o discurso do feminismo norte-americano, apenas exigigindo igual acesso à sociedade e igual condição em relação aos homens. Mas as teologias feministas se desenvolveram e estão atentas a diferentes questões e preocupações em diversas localidades do mundo.
Infelizmente as teologias feministas não têm sido muito difundidas nos seminários e comunidades cristãs. Não tivemos a oportunidade de ler muitos textos das teologias feministas, mas destacamos o texto "Oséias: uma outra profecia" de Tânia Sampaio (2000), o livro "Eunucos pelo reino de Deus: mulheres, sexualidade e Igreja Católica" de Uta Ranke-Heinemann (1996), e o livro "Rompendo o silêncio: uma interpretação feminista do mal" de Ivone Gebara (2000).
Para Tânia Sampaio, no texto "Oséias: uma outra profecia" (Sampaio, 2000), o eixo analítico do livro de Oséias é a forte crítica aos sacerdotes e demais estruturas que sustentam o estado e não a construção de uma imagem negativa de mulher para figurar como sinal de infidelidade da nação para com Deus. Sampaio observa a característica mediadora do capítulo 4 que, por seu conteúdo, os capítulos anteriores passam a adquirir uma força histórica e concreta que exige a revisão da interpretação das metáforas e símbolos. Pois o fato concreto que marca a vida dessa família também ocorre em muitas outras famílias em Israel e, em todos esses casos, a conjuntura da nação imprime suas exigências. A prostituição sobressai como condição que adentrava a casa enquanto prática disseminada no país. Porque Gomer estava, simultaneamente, envolvida em prostituições e dentro da estrutura familiar. E, com esse eixo analítico, o peso recai sobre a nação e não exclusivamente sobre Gomer. Sendo que identificamos que as críticas ao longo do livro dirigem-se aos sacerdotes, reis e príncipes.
No livro "Eunucos pelo reino de Deus: mulheres, sexualidade e Igreja Católica" a teóloga alemã Uta Ranke-Heinemann (1996) - autora que ficou famosa porque perdeu sua cátedra na Universidade de Heidelberg após a sua publicação em 1988 - faz uma pesquisa monumental sobre as regras da Igreja sobre a sexualidade feminina, desde as supostas raízes pré-cristãs até os dias de hoje. Lemos os dois primeiros capítulos e na nossa opinião trata-se de uma obra que merece a atenção das cristãs e cristãos em geral. O primeiro capítulo intitulado "As raízes pagãs do pessimismo sexual cristão" e o segundo capítulo intitulado "O antigo tabu contra o sangue menstrual e suas consequencias cristãs".
Encontramos uma bela crítica feminista à antropologia patriarcal no livro "Rompendo o silêncio: uma interpretação feminista do mal" de Ivone Gebara (2000). Segundo a autora, o antifeminismo oculta o medo e sobretudo o medo daqueles que estão no poder, medo de pensar e de viver de outro modo. Por isso é preciso desvendar antropologicamente e teologicamente a dor e a humilhação das mulheres. O mal sofrido particularmente pelas mulheres em seu corpo, em casa, e dentro das estruturas sociais (como as igrejas), foi, segundo a autora, herdado da família, da cultura e do cristianismo. A reflexão de Gebara partiu da acusação do sistema patriarcal para a afirmação da responsabilidade pessoal de todos na produção do mal. Todos somos uma “mistura” de grandeza e de pequenez, bem e mal, quente e frio. Ela deu-nos a possibilidade de revisitar as concepções cristãs sobre o mal humano, nossas origens, convidando-nos a analisá-las a partir de novos pontos de referência. Ultrapassando a perspectiva que afirma que primeiro reinava o bem.
Uma antropologia mais inclusiva e contextual. Somos convidados a crer na força do Espírito criador e não só conservador das tradições. Também um Deus de muitos rostos e sem rosto, Ele/Ela.
Referências bibliográficas:
GEBARA, Ivone. (2000), Rompendo o silêncio: uma interpretação feminista do mal. Petrópolis: Vozes.
RANKE-HEINEMANN, Uta. (1996) [1988], Eunucos pelo reino de Deus: mulheres, sexualidade e Igreja Católica. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.
SAMPAIO, Tânia M. V. (2000), Oséias: uma outra profecia. In: RIBLA 35/36, Petrópolis, 2000, pp. 153-164.
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