Após a morte de Glauco, especialista analisa o futuro do daime
Na madrugada do dia 12 de março, o cartunista Glauco Vilas Boas, 53, e seu filho Raoni, 25, foram mortos em Osasco pelo estudante Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, 24.Na ocasião, a antropóloga Beatriz Labate, pesquisadora associada do instituto de psicologia médica da Universidade de Heidelberg e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip), esclareceu o uso da ayahuasca em rituais religiosos.
Há pouco tempo, ignorando o direito constitucional à liberdade de crença religiosa, o deputado federal Paes de Lira do PTC (Partido Trabalhista Cristão), de São Paulo, tentou suspender e a resolução n.º 1 do Conad (Conselho Nacional de Politicas sobre Drogas), de janeiro de 2010, o mais importante regulador do uso da ayahuasca no Brasil.
O congressista, que assumiu o mandato no lugar de Clodovil e defende a criação de uma lei que impossibilite o casamento entre homossexuais, referiu-se ao assassinato de Glauco como a "matança de Osasco". Nesse clima de caça às bruxas, a Livraria da Folha entrou em contato com a especialista. Em nova entrevista, Labate avaliou o andamento do caso e o futuro do Santo Daime no Brasil.
Livraria - Como você vê o projeto do deputado Paes de Lira? Isso pode prejudicar as atividades religiosas no Brasil?
Beatriz Labate - O deputado representa um tipo de pensamento que sempre esteve presente no debate público sobre a ayahuasca, mas que foi, digamos assim, a vertente que perdeu até agora. Este tipo de visão se funda num duplo entendimento: por um lado, as "drogas" são más, e devem ser duramente banidas; por outro, o caráter religioso destes grupos não é autêntico, são simples fachadas para o consumo de drogas. Este tipo de discurso geralmente é um mish mash de bibliografia biomédica ultrapassada e descontextualizada com discurso de fundo puritano, somado a uma certa inspiração exaltada de combate militar e messiânico do Mal, "em nome da vida" e da "restauração da ordem pública". Este tipo de visão sobre as drogas é recorrente, para não dizer predominante. Mas no caso da ayahuasca, felizmente ela foi superada, pois apesar do consumo de "drogas" ser sempre um tema tabu, tais práticas estão fortemente enraizadas em tradições populares oriundas do norte do país, e se espalharam pelo Brasil, conquistando legitimidade. O deputado, com expressão política limitada, aproveitou a morte do Glauco para tentar ressuscitar o chavão "ayahuasca" = "drogas" = "morte". Durante as recentes audiências que ocorreram em Brasília e que podem ser vistas na íntegra na internet, ficou claro que ele não tinha muita noção dos 25 anos de debates que ocorrem no país em torno do assunto. Creio que provavelmente ele acabará desistindo da ideia.
Jagube ou mariri (Banisteriopsis caapi), cipo usado há milênios pelos nativos da Amazônia |
Livraria - Qual a sua opinião sobre o andamento do caso do Glauco?
Beatriz Labate - Me parecem levianas acusações de que a ingestão da bebida seria responsável pelo crime. Até o momento, poder-se-ia, no máximo, sugerir que um quadro de fortes problemas psiquiátricos (caso de esquizofrenia na família, família desestruturada e uso abusivo de drogas) eventualmente teria sido agravado pelo consumo da ayahuasca. Mesmo assim, trata-se de especulação, uma vez que não conhece ao certo os detalhes.
Livraria - Como você avalia a cobertura da mídia?
Beatriz Labate - A mídia cita declarações de psiquiatras sobre os potenciais efeitos adversos da ayahuasca, mas esses falam do ponto de vista genérico. Eles não acompanharam, de fato, o caso e não podem avaliar as condições psíquicas do assassino. Não é um fato novo que o uso dos assim chamados "alucinógenos" pode ser problemático em certos contextos. Apesar disto, no caso da ayahuasca, a realidade empírica tem mostrado muito mais sucessos do que não-sucessos.
Livraria - Como você vê o futuro das religiões ayahuasqueiras a partir do episódio?
Beatriz Labate - Passada a tempestade, a tendência é que os grupos se reúnam e façam sua própria análise. Creio que haverá um enrijecimento nos mecanismos de seleção e acompanhamento dos participantes. Como sabemos, estas religiões possuem um forte conhecimento acumulado sobre a ayahuasca, que é sempre consumida dentro de um contexto cultural específico. O episódio contribuirá para o desenvolvimento desta cultura e seus mecanismos de controle social; certamente já está gerando reflexões e autocríticas no campo.
Acho importante estimular a realização de mais pesquisas científicas sobre os benefícios e potenciais efeitos problemáticos, instrumentalizar e fortalecer as comunidades com esses saberes, e conhecer melhor o funcionamento desses grupos. Esse acompanhamento deve ser produto sempre de um diálogo entre os conhecimentos científicos e nativos. Impor parâmetros exclusivamente cientíticos significaria um processo de racionalização, medicalização e burocratização que representa a morte dessas religiões.
Por vias tortas, é possível que surjam mais verbas para pesquisar este importante fenômeno, gerando um florescimento deste campo de estudos. Precisamos lembrar que os estudiosos do assunto também são constantemente ridicularizados. Um dos professores da minha faculdade, por exemplo, perguntou se nós iríamos "servir o chazinho" na defesa de minha tese.
É possível que o governo retome as atividades do grupo multidisciplinar sobre a ayahuasca, e haja debates sobre estabelecimento de formas de fiscalização dos parâmetros adequados de uso. Talvez o projeto original de elaboração de um conselho de entidades ayahuasqueiras adquira novo fôlego. Tudo isto é saudável, e faz parte de um processo contínuo de regulamentação destas religiões nos últimos 25 anos. Assim, de forma paradoxal, a morte do Glauco representa outro tijolinho na edificação destas práticas culturais em nosso país. Esperamos que este debate possa se dar em alto nível, respeitando a liberdade religiosa e o direito à diversidade cultural, longe das disputas religiosas, do jogo de acusações, e dos discursos demonizante antidrogas que frequentemente pautam o debate.
Antropóloga comenta uso urbano do daime e a morte de Glauco
FABIO ANDRIGHETTO
colaboração para a Livraria da Folha
colaboração para a Livraria da Folha
Divulgação |
Beatriz Labate pesquisa o uso da ayahuasca em rituais religiosos |
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A coletânea "Drogas e Cultura: Novas Perspectivas", coorganizada pela especialista e lançado em São Paulo na quarta-feira (24), reuniu o ministro Juca Ferreira (Cultura) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A substância psicoativa é comum em diversas tribos indígenas da América do Sul. O preparo da bebida cerimonial pode variar conforme a região, mas a intenção é provocar alteração da consciência para fins religiosos.
Em entrevista para a Livraria da Folha, Labate lamentou a morte do cartunista Glauco Vilas Boas, que era líder de uma igreja daimista. "Glauco liderava os trabalhos com enorme humildade, rejeitando o título de padrinho [um dos modos como são designados os dirigentes espirituais do Santo Daime], e falando pouco. Sua marca registrada era a alegria e o primor musical."
O último livro de Labate, "Fieldwork in Religion", ainda não tem previsão de lançamento no Brasil.
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Livraria - O que difere o Santo Daime e a UDV (União do Vegetal) dos rituais indígenas? Beatriz Labate - No xamanismo indígena a ayahuasca pode ser usada no contexto de guerra, caça, divinação, cura e outros fins. Em diversas etnias, o aparecimento da bebida ayahuasca na Terra está relacionado ao mito de origem do grupo. O Santo Daime e a UDV realizam uma apropriação cristã de uma bebida de origem indígena. Por um lado, há uma herança indígena segundo a qual o Daime ou Vegetal é entendido como tendo inteligência e agência - um "espírito-planta" que pode nos ensinar, confortar ou punir. As prescrições associadas ao preparo e ao consumo da substância também são parte deste legado indígena. Por outro lado, está presente uma forte simbologia cristã, onde associa-se as revelações dos mestres fundadores aos ensinamentos de Jesus Cristo. Nestes contextos, a ayahuasca é um sacramento. Em geral, o Santo Daime, a Barquinha e a UDV combinam elementos culturais diversos, como o cristianismo --particularmente o catolicismo de origem popular--, as religiões afro, o esoterismo de origem européia e as tradições espíritas kardecistas, além do xamanismo indígena. Há uma série de categorias comuns, como a ideia de "luz", "força", "mirações" (visões proporcionadas pela ayahuasca), "peia" (lições morais ou limpezas físicas), mas cada grupo tem a sua própria doutrina e ritual.
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Para entender as extensões do universo ayahuasqueiro no Brasil |
Beatriz Labate -Jovens mochileiros, curiosos, turistas, pessoas em procura de cura e outros conheceram estas religiões na década de 70, no norte do país, e aos poucos começaram a serem realizados os primeiros rituais no centro e sudeste. Uma vez que Daime e UDV chegam aos centros urbanos, há uma série de dissidências e adaptações. Estas novas vertentes combinam os elementos destas duas religiões com outras práticas religiosas e filosóficas típicas dos grandes centros urbanos. Entre elas, há diálogos com uma matriz orientalista, umbandista, nova era, terapias humanísticas, meditação e expressões artísticas. Assim, o Santo Daime e a UDV, que já são resultado de uma síntese própria de algumas matrizes culturais comuns, ao chegarem nas cidades continuaram fazendo novas combinações, gerando outras vertentes e desdobramentos.
O Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas) reconhece todos estes grupos -- dos mais populares de origem amazônica, às comunidades urbanas mais ecléticas -- como parte de uma legítima tradição ayahuasqueira brasileira. Entre os grupos, contudo, há disputas e reivindicação de autenticidade: alguns se consideram mais "puros" ou "ortodoxos". Enfim, como qualquer campo religioso, está marcado por disputas. O problema é que, às vezes, a mídia reproduz acriticamente as acusações que os grupos fazem entre si --como se fossem "evidências", ou parte da "apuração" que fazem do tema.
Livraria - Qual é a faixa etária dos integrantes dessas religiões?
Beatriz Labate - É difícil estabelecer dados, não existe um censo científico sobre isto. Em geral, há pessoas de todas as faixas etárias. Pela minha observação empírica, não diria que há mais jovens do que adultos. Tanto o Santo Daime quanto a UDV são religiões bem familiares, marcadas pela convivência de várias gerações --avôs, pais, filhos e netos comungando juntos a ayahuasca.
Livraria - Alguns jovens, esquecendo o valor religioso, buscam o consumo da substância apenas pela experiência alucinógena?
Beatriz Labate - Como qualquer religião, as pessoas se aproximam pelas razões mais diversas, seja em procura de alívio para os males do espírito e do corpo, por ansiedades metafísicas, pela necessidade de estabelecimento de laços de comunidade etc. Entre as razões para se conhecer um destes rituais, pode estar a curiosidade, e certamente a substância exerce um enorme fascínio.
Este anseio pela experiência é legítimo, e os grupos sabem lidar com isto. O que ocorre na prática é que pessoas sem identificação religiosa geralmente tendem a não permanecer nestes lugares, até porque os rituais são bem exigentes, e o próprio consumo da ayahuasca demanda bastante da pessoa.
É possível que alguns frequentem o Daime ou UDV sem uma identificação profunda, assim como em outras religiões há níveis variados de adesão. O que importa, contudo, é que, independente disto, os participantes devem cumprir as regras do ritual, que implicam em tomar um número limitado de doses, permanecer até o final da cerimônia etc. Ou seja, há um forte controle sobre o contexto de consumo, independente da motivação de cada um. Tais controles são a baliza, dão segurança aos rituais.
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Autores descrevem o fazer musical de cada grupo religioso |
Beatriz Labate - É uma manifestação cultural muito rica. A música de ayahuasca revela uma multiplicidade de conexões com a religiosidade brasileira e expressões musicais do nordeste e da Amazônia, e tem sido um dos principais elementos destacados no recente processo de pedido de reconhecimento da ayahuasca como patrimônio cultural imaterial da nação brasileira. A música ocupa um papel preponderante no cotidiano dessas religiões, na produção dos significados religiosos e na construção do corpo e da subjetividade dos adeptos. No Santo Daime, particularmente, temos rituais de concentração, ou bailados. Nos dois tipos, se cantam hinários. O hinário é um conjunto de hinos, cantos religiosos que são "recebidos", que dizer, são considerados uma revelação espiritual. O hinário contém a cosmologia e os ensinamentos da doutrina do Daime. Os principais líderes têm o seu próprio hinário, que narra sua trajetória pessoal e espiritual e se refere a momentos específicos da vida da comunidade. O Glauco era músico [sanfoneiro] e tinha o seu próprio hinário, o "Chaverinho" e o "Chaveirão", compostos por 42 e 11 hinos [cantos] respectivamente.
Livraria - Como você analisa a morte do Glauco?
Beatriz Labate - Fiquei profundamente chocada e triste. Parece que houve uma combinação infeliz entre uma dupla projeção: a de um artista famoso, e de uma liderança religiosa importante. Mas o pior é ver como determinados setores da mídia se aproveitam da tragédia para trazer à tona uma velha agenda persecutória a estes grupos, que já são uma minoria bem marginalizada.
Quando uma pessoa se explode em nome de sua religião, matando outras, ou quando um fiel atira no Papa, questiona-se o radicalismo, mas não a legitimidade da religião em si. Por outro lado, imagine quantas pessoas morrem por noite em SP em acidentes de trânsito envolvendo o uso de álcool? Quanto rende uma reportagem sobre alguém que "bebeu cerveja e matou"? Ou sobre os abusos relacionados ao consumo dos fármacos legais? É claro que precisamos fazer uma análise crítica do episódio, mas infelizmente a discussão envolvendo o uso de "drogas" dificilmente é racional, pois envolve fortes tabus. Por outro lado, uma religião minoritária, não hegemônica, é outra fonte forte de preconceitos.
Cinco livros ajudam a entender a ayahuasca e seus efeitos
da Livraria da Folha
Muito se fala, mas pouco se sabe a seu respeito. A ayahuasca, uma bebida cerimonial feita de cipó Banisteriopsis caapi e folhas de Psychotria viridis, é uma substância psicoativa utilizada para fins religiosos. Divulgação |
Livro para especialistas e leigos que se interessam pelo assunto |
O consumo da substância é comum entre os indígenas da América do Sul e também foi utilizada pelos incas. Hoje, por exemplo, está presente nos rituais do Santo Daime e da UDV (União do Vegetal).
Fruto de uma pesquisa pioneira realizada nos anos 80, "Eu Venho da Floresta" é um estudo sobre o contexto do Santo Daime. O volume explora profundamente os ritos e o complexo significado do ato de ingerir a substância e de ser membro da comunidade religiosa.
Uma espécie de manual, "Religiões Ayahuasqueiras", traz e discute as mais significativas investigações farmacológicas, psiquiátricas e psicológicas que já foram produzidas.
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Os autores descrevem o fazer musical de cada grupo religioso |
Sobre a introdução da prática nas grandes metrópoles, "A Reinvenção do Uso da Ayahuasca nos Centros Urbanos" ajuda a entender as extensões do universo ayahuasqueiro brasileiro e o consumo desse psicoativo.
Obra de Beatriz Labate e Gustavo Pacheco, "Música Brasileira de Ayahuasca" destaca o tema da música no Santo Daime (nas suas vertentes Cefluris e Alto Santo) e na UDV. O Livro explora o papel preponderante que a música ocupa no cotidiano dessas religiões.
Livro examina as origens do Santo Daime; leia trecho
da Livraria da Folha
Raimundo Irineu Serra (1892-1971), conhecido simplesmente como mestre Irineu, foi o responsável pela criação da religião ayahuasqueira chamada de Santo Daime. Divulgação |
Livro relata amplitude das práticas sociais que vão da cura ao crime |
Mestre Irineu, filho de escravos, migrou para o Estado do Acre, onde vivia da extração de látex. Cabo da Guarda Territorial e nomeado Tesoureiro da Tropa pelo marechal Rondon, foi na região que ele entrou em contato com a prática e a ayahuasca.
Mas a religião se formou de um sincretismo das práticas indígenas, do catolicismo, do esoterismo europeu e do espiritismo kardecista, além de uma grande influência das religiões afro-brasileiras. Todas elas compõem o corpo simbólico do Santo Daime.
"Álcool e Drogas na História do Brasil" traz essa e outras histórias narradas por 17 especialistas. O volume apresenta desde as revoluções acaloradas pelo álcool aos antigos boticários. Uma coletânea que proporciona uma reflexão sobre a prática em nosso país.
Abaixo, leia um trecho do livro sobre a ayahuasca, escrito por Beatriz Labate e Gustavo Pacheco, que exemplifica a dificuldade em procurar a procedência dos rituais.
Atenção: o texto reproduzido abaixo mantém a ortografia original do livro e não está atualizado de acordo com as regras do Novo Acordo Ortográfico. Conheça o livro "Escrevendo pela Nova Ortografia".
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A literatura antropológica e as origens do Santo Daime Parece haver um consenso genérico de que três grandes matrizes culturais estariam presentes na formação do Santo Daime: a indígena ou amazônica (por meio da utilização da bebida e seus modos de preparo e consumo e alguns aspectos do ritual), a européia (por meio do catolicismo e do esoterismo) e a afro-brasileira (presença de entidades afro na cosmologia daimista). Vejamos as principais obras que se dedicaram à análise do culto. Lembramos que abordaremos aspectos específicos dessas obras - que tangem as origens do Daime - e não necessariamente os argumentos centrais de cada uma delas.
O primeiro trabalho escrito por um antropólogo sobre o Santo Daime foi um artigo de Clodomir Monteiro da Silva (19085, p.102-5). Para ele, no Daime destacam-se "traços das religiões mediúnicas de aculturação africana" mas a tônica predominante seria dada pelo "índio americano". Ele fala vagamente em "sobrevivência do Dohomey, principalmente entre os Fon", argumento que tentará desenvolver posteriormente. Em sua dissertação de mestrado (Monteiro da Silva, 1983), afirma o surgimento do culto do Santo Daime responde a necessidades e pressões do contexto macrossocial amazônico, no momento marcado pela crise econômica da borracha e pelo processo de migração urbana. As comunidades daimistas situar-se-iam a meio caminho entre as populações rústicas e urbanizadas, representando formas sociais alternativas à desorganização gerada pelo modelo de ocupação da terra. O Santo Daime seria um sistema cultural adaptativo ou um ritual de passagem, para os seringueiros expulsos dos seringais e os nordestinos fixados no exílio. O culto resultante do encontro entre a "cultura ameríndia" e a "cultura urbanizada" é descrito, ainda como um "transe xamânico individual e coletivo".
Em outro trabalho mais recente, Monteiro Silva (2003) dedica maior atenção à influência das religiões afro-brasileiras na formação do culto do Santo Daime, o qual é situado entre os cultos afro-amazônicos. Citando outros autores, argumenta que a expansão afro na Amazônia teria ocorrido a partir do início do século - antes da difusão, nos anos 30, do espiritismo kardecista e da umbanda pelas grandes cidades do país - através por meio das migrações do nordeste, sobretudo do Maranhão, para a Amazônia. O Santo Daime possuiria, por um lado, características xamânicas, provenientes da tradição aya-huasqueira associadas ao curandeirismo e, provavelmente, à pajelança e, por outro, seria resultado de influencia das religiões afro-brasileiras das regiões Norte e Nordeste, especialmente dos "cultos vodúnicos maranhenses". A associação com os africanos Fon do Daomé (atual República do Benim) se daria, segundo ele, por meio das seguintes evidências: a) a proveniência do Maranhão das famílias que fundaram o culto no Acre da casa da mina nação jêje-fon b) titango, tintuma e agrarrube, tipos de cipó que de acrdo com o autor compõem o chá, seriam entidades africanas ou afro-amazonicas associadas AA realeza do Benim; e c) as palavras "daime" e "juramidam" possuiriam um significado secreto associado ao culto de Dã, a serpente sagrada dos fon. Até recentemente, esse era o único artigo que abordava diretamente as influências maranhenses na gênese do Santo Daime (cf. Labate & Pacheco 2003) e, como se pode notar, de forma ainda embrionária. No nosso entender as evidências apresentadas pelo autor são insuficientes para sustentar qualquer conezão mais precisa entre o tambor de mina (ou crenças e práticas africanas oriundas do Benim) e o Santo Daime.
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