“Como é ser discípulo de Jesus?” — é a pergunta de muitos.
Ora, é simples e terrível; e é tão terrível justamente porque é tão simples; e gera tanto esforço justamente por isso, pois nada há tão difícil quanto a simplicidade, nem que demande mais esforço que descansar no descanso.
A tendência natural da alma humana é para oferecer os mesmos sacrifícios de produção própria de Caim. Em Caim nasceu a religião. E é no espírito da oferenda autojustificada de Caim que ela é praticada.
É difícil não oferecer nada a Deus. É muito difícil apenas confiar que o sangue de outro cobriu você. É loucura para os gregos e intelectuais; é escândalo para os judeus e todos os religiosos.
Para ser discípulo de Jesus a pessoa tem que renunciar o “si-mesmo”. Ora, isto significa desistir de si mesmo como “produção” de algo que comova Deus.
Negar ao “si-mesmo” é abandonar a presunção da persona.
Negar a si mesmo é o que se tem que fazer para que o “eu” seja alcançado, e, em seu estado mais verdadeiro, possa ser atingido pelo amor de Deus.
Negar a si mesmo é deixar toda justiça própria e descansar na justiça de Deus, que, antes de tudo, é justiça justificadora.
Negar a si mesmo é abandonar a presunção de agradar a Deus pela imagem e pelas produções próprias.
Quem quer negar a si mesmo?
Se alguém quiser, então tome a sua cruz. Cruz? Que cruz? Ora, a única. A minha cruz será sempre me gloriar na Cruz.
Alguém diz: Mas não sobrou nenhum sacrifício para mim?
O sacrifício é aceitar que o Sacrifício foi feito e consumado.
Alguém pensa que isto é fácil?
Tente!
Sim, tente apenas e tão-somente confiar que está pago e feito.
Tente crer que Jesus é suficiente, não como chefe de religião, mas como o Cordeiro que tira o pecado do mundo todo.
Tente rejeitar todo pensamento de autojustificação toda vez que você se vir tentado a se explicar para Deus
e para os homens.
Tente apenas confiar na única Cruz, e, assim, levar a sua cruz, que é andar pela fé, nunca tendo justiça própria senão a que vem de Deus.
Tente, e você verá como todos os seus sentidos se revoltarão, e como todos os seus instintos se eriçarão, e você se sentirá inseguro, como se a Lei do Reino fosse a da Sobrevivência dos mais Aptos.
Sim, porque nos sentimos seguros no sacrifício de Caim, embora ele nada realize diante de Deus. E nos sentimos muito inseguros na hora de praticar na vida o sacrifício de Abel.
Jesus disse “Está Consumado”. E a nossa alma, em si mesma, pergunta: “O que mais eu devo fazer?”
Jesus terá que repetir Seu sacrifício todos os dias outra vez? Ou terei eu de oferecer alguma coisa a mais?
Ora, se a pessoa consegue desistir do “si-mesmo”, e tomar a sua cruz, então, Jesus diz que esse tal vai poder segui-Lo.
“Segue-me” — é o convite.
E aí? O que acontece? Fica tudo resolvido?
É claro! Está tudo resolvido! Eu, agora, é que preciso aprender a usufruir o que já está consumado. Assim, tendo já tudo consumado em meu favor, caminho para experimentar o que já está feito e pronto.
E como é esse caminho? Como se faz para seguir Jesus?
Ora, ande após Ele como Pedro... e os outros.
O discípulo é um ser em disciplina. Disciplina é o que o discípulo vai aprender.
Que disciplina? A dos centuriões?
É claro que não. A disciplina que o discípulo vai aprender é amor.
Assim, no caminho, o discípulo cai, levanta, chora, questiona, se oferece para o que não deve, ambiciona ser maior, menor, mais amado, mais crido, mais usado, mais devotado, mais, mais... e, então, vai aprender enquanto cai, enquanto erra, enquanto sugere equivocadamente, enquanto acerta, enquanto nega, enquanto corta orelhas, enquanto quer fazer fogo cair do céu e enquanto pensa que sabe, sem nada saber.
O caminho do discípulo é igual ao caminho dos discípulos no Evangelho, e acontece do mesmo modo. E só será discipulado se for igualmente acidentado, exposto, aberto, equivocado, humilde, capaz de aceitar a repreensão do amor e apto a aprender sempre sem jamais acreditar que se terminou qualquer coisa antes que se ouça: “Vem, servo bom e fiel; entra no gozo do teu Senhor”.
O caminho do discípulo não está escrito em manuais e nem em cartilhas de igreja.
O caminho do discípulo é todo o chão da existência.
O discípulo é forçado a só aprender se viver. E ele não precisa ter medo da vida, pois é na vida que ele vai seguir a Vida.
No caminho do discípulo o mar se encapela, as ondas se levantam e os ventos sopram. Por isso, o discípulo muitas vezes tem medo, grita, vê coisas, interpreta-as errado — “É um fantasma!”
Seguindo Jesus o discípulo está sempre seguro, mesmo quando pede o que não deve, e mesmo quando muitas vezes deseja o que lhe faz mal.
No caminho ele vê demônios saírem e não saírem; julga e é julgado e aprende que não pode julgar; afoga-se, é erguido e caminha sobra as águas; vê maravilhas; encara horrores... Mas adiante dele está Jesus!
Para ser um discípulo de Jesus a pessoa tem que ficar sabendo que o Evangelho não são quatro livros acerca do que aconteceu entre Jesus e alguns homens e mulheres muito tempo atrás.
Para ser um discípulo de Jesus a pessoa tem que ficar sabendo que o Evangelho está acontecendo hoje, do mesmo modo, na vida dela. E precisa saber que as coisas escritas no Evangelho são apenas para a gente ficar sabendo como é que acontece na nossa própria vida.
O Evangelho só é Evangelho se for vivido hoje. Não com a pretensão de dizer que seremos como Jesus. Mas pelo menos com a declaração de que seremos como os discípulos, e que adiante de nós, de todos nós, está o Senhor.
Caio
Senhor, dai-me serenidade para aceitar as coisas que eu não posso mudar, coragem para mudar as coisas que eu posso, e sabedoria, para que eu saiba a diferença.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
sábado, 13 de fevereiro de 2010
BREVE INTERRUPÇÃO
Este blog será interrompido pelos próximos dias, devido à minha participação em um retiro de Carnaval. Nada espetacular: apenas eu e areias incandescentes.
Retorno a São Paulo na próxima semana e veremos o que me ocorre.
Paz e Bem!
Retorno a São Paulo na próxima semana e veremos o que me ocorre.
Paz e Bem!
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
COMEÇO, MEIO E FIM
Algumas vezes, as coisas simplesmente acabam. Uma amizade, um relacionamento, um trabalho. O ponto é: as coisas têm um começo, um meio e um fim.
Às vezes, me escondo na perspectiva de que existe um sentido para tudo e que, por isso, não é necessário ficar triste ou chateado. Tudo segue uma ordem, mesmo que não a compreendamos.
Podemos chamar a esta ordem de várias formas: destino, karma, Deus. Existem tantos nomes e tantas concepções a respeito quanto existem pessoas neste mundo.
Entretanto, mesmo esta percepção de ordem não pode evitar a dor. Seja a dor de uma perda, ou simplesmente a inevitável tristeza causada por um rompimento.
E eu me cansei de fugir da tristeza, ou de simplesmente dourar a pílula. Ou, pior ainda, como eu fazia antigamente, fugir da infelicidade abraçando uma ou outra forma de fuga.
Hoje, eu não fujo mais.
E, justamente por isso, pelo menos, eu acho, escrevo estas linhas hoje. Elas servem como uma espécie de forma de racionalizar sentimentos e, mais ainda, como um lembrete.
Hoje, eu não consigo esquecer.
Paz e Bem!
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
A GENTE TROPEÇA NA VONTADE DE DEUS QUANDO A FICA BUSCANDO!
Eu fico aqui dizendo que a moçada tem que pular de cabeça, e tem gente que pensa que é uma recomendação ao suicídio.
Ora, não é de suicídio que estou falando. Não é convite a se pular de cabeça na morte, mas sim para se mergulhar sem medo na vida.
A questão é que todo mundo fica procurando saber qual é a vontade de Deus e nunca entende que a vontade de Deus só se apresenta na existência.
Deus não tem uma vontade para ser conhecida na minha vida que não seja na própria vida, no próprio ato de existir.
É por esta razão que o Evangelho é uma narrativa da vida de Jesus e daqueles que com Ele andaram no Caminho.
Ou seja: Jesus está dizendo que o guia da jornada é a vida. No Caminho a gente tem que viver, pois é na existência que iremos conhecer a Verdade de Deus como Vida.
E tanto melhor será quanto mais vivamos a nós mesmos Nele!
Ora, se é assim, minha própria maneira de ler o Evangelho muda completamente. Eu o leio não como quem o olha a fim de saber como foi, mas sim de saber como é.
O Evangelho é apenas narrativa da vida com Jesus, e de tudo o que nela pôde acontecer, e de como temos que enxergar cada coisa ali como modo de Deus tratar a vida e ao mundo. Ou seja: do mesmo modo como Jesus tratou as questões da existência.
Neste sentido, por exemplo, os apóstolos de Jesus tiveram muito mais importância para mim como agentes históricos das narrativas do Evangelho do que nas coisas que escreveram.
Sinceramente eu posso viver sem a 1ª e a 2ª Epístola de Pedro, mas me seria muito difícil entender a Graça de Deus sem que no Evangelho existisse um Pedro.
Em outras palavras: é no fato de Pedro ser apenas Pedro que ele é mais apóstolo do que quando ele é São Pedro.
O Pedro das epístolas é um homem piedoso. Mas o Pedro das narrativas do evangelho é um homem fazendo a revelação das próprias vísceras.
Alias, após um certo tempo, os apóstolos perderam bastante a relevância na continuidade prática do processo. A maioria ficou por Jerusalém, e uns poucos se espalharam. Mas é de Paulo que vem o impacto que choca o mundo.
E mais: São Pedro tinha muito pouco a dizer a Paulo. O Homem Pedro, do Evangelho, todavia, tinha muito o que revelar em sua própria vida acerca da Graça de Jesus. O respeito de Paulo por Pedro vinha muito mais do fato de Pedro ter sido Pedro do que de ter sido feito apóstolo. Ou seja: a reverência vinha da caminhada deles com Jesus, na qual eles tiveram de tudo, e viram como Jesus lidou com tudo. Dali é que vinha o melhor ensino que tinham a dar. Suas experiências com Jesus eram a fonte do ensino.
Assim, para mim, fica tudo muito mais simples. E minha leitura do Evangelho me remete não para eles, mas para mim mesmo; não para o Passado, mas para Hoje; não para a busca do conhecimento abstrato da vontade de Deus, mas para o encontro dela, sem medo, na existência.
Quando perguntaram a Jesus: “Quem é o meu próximo?” Ele respondeu com uma história da vida. E disse que a vontade de Deus a gente vê todos os dias, a gente tropeça nela, ela quase nos assalta, ou nos assalta; ela pode fazer a gente atrasar um negócio a fim de ajudar um estranho. Quem sabe?
Portanto, não pule no precipício, mas se jogue de cabeça na vida no Caminho. E faça isto sem medo, pois Aquele que Manda, é também o mesmo que Socorre!
“Se és tu, Senhor, ‘manda-me ir’ ter contigo andando por sobre as águas”. Ao que Jesus lhe disse: “Vem!”. E Pedro andou sobre as águas e foi ter com Jesus. Reparando, porém, na força do vento e das ondas, teve medo, e começou a afundar. Então clamou: “Ajuda-me, Senhor!”. E Jesus prontamente ‘o ergueu’, e lhe disse: “Homem de pequena fé, por que duvidaste? E entraram no barco.
Assim, Aquele que diz “Vem”, é o mesmo que “estende a mão e ergue” quando é necessário. Pode haver o risco porque não há risco. Se Ele diz “Vem”, eu posso até duvidar no meio do caminho, mas Ele estará sempre no meu caminho, mesmo que sobre as águas.
Vá com Ele e tudo estará bem!
Portanto, a questão não está entre abrir uma nova igreja ou aceitar o pastorado de uma existente. De fato o que importa é “como” você aceita os desafios. É o nosso modo de caminhar que faz o caminho.
Jesus disse que todo aquele que não quiser saber a vontade do Pai, mas sim desejar fazê-la, esse a encontrará. Portanto, não se preocupe com o dinheiro, e sim com seu coração. De dinheiro você sempre precisará, e o Pai sempre o socorrerá. Por isto, siga o vento, e abra as velas com bom senso e amor, e deixe o caminho com Ele.
Confiar em Deus não é saber onde se está indo, mas significa ir sem saber onde se está indo, como foi com Abraão.
Confie e faça de todo o coração o que lhe vier às mãos para fazer, e deixe que se a Vontade é de Deus, você não tem que descobri-la, pois Ele mesmo colocará você nela. Apenas ande com fé e em amor. O resto, saiba, Deus faz, pois Ele é Deus, e tanto tem vontade quanto sabe como manifestá-la a Seus filhos.
Da Vontade de Deus, Deus mesmo cuida. Quanto a você, viva buscando o que é bom e faz bem a você e aos outros, e não se preocupe, pois “mais Ele fará”.
Um beijo carinhoso!
Nele, em Quem já se está no Caminho,
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Texto retirado do website do pastor Caio Fábio. O endereço é http://www.caiofabio.com
Recomendo.
Paz e Bem!
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
SEU TRABALHO É DESCANSAR EM MIM
No capitulo 28 do livro do Profeta Isaías, está dito que é fácil que no povo se instale um espírito no qual a alma individual e coletiva venha a variar do pólo da embriaguez e do anestesiamento da consciência até o pólo do legalismo, das regras e mais regras, dos preceitos e mais preceitos; pois, para a alma sem rendição ao Espírito de Deus e ao governo do próprio espírito sob a obediência à Palavra, a simples e única ordem de Deus para descansar Nele e dar descanso ao próximo (como salvação!) é algo pior do que a esquizofrenia tomada de neurose — regras e mais regras; preceito e mais preceito; um pouco aqui, um pouco ali... — enquanto se vive em estado de dormência, de embriaguez.
Leia o texto e certifique-se que o espírito da mensagem é de fato conforme anuncio.
Entretanto, o que desejo deixar para você pensar e meditar é simples:
Por que será que nossa natureza prefere a sinuosidade em lugar do que é reto; prefere a complexidade em detrimento do que é simples; e prefere o peso e o jugo em vez de desejar de fato o que é leve e suave como jugo a ser levado na existência?
Daí o Levitico associar o dia do Descanso à aflição da alma. Sim! A alma prefere tudo a ter que descansar. Ela se aflige no dia do Descanso. Daí Descansar ser uma Ordem, um Mandamento.
A alma natural até gosta de distração e de lazer, mas odeia o Descanso!
Na distração e no lazer, ou mesmo na vagabundagem, a alma ainda sente que pagou por isso; e, no caso da vagabundagem, a pessoa sente que é melhor que as demais, mais esperta, e, por isso, pode se aproveitar sem pressa...
Mas se a proposta for Descanso, então, mesmo o mais vagabundo foge!
Descanso, no espírito da Palavra, não é irresponsabilidade e nem vagabundagem. Descanso é confiança. É entrega. É fé e certeza de que Deus cuida de nós. E isso vai de tudo a tudo; e cobre todas as dimensões do que para nós seja vida; e até daquelas coisas que são vida, mas que nós ainda ignoramos.
Por isso, Descansar é o trabalho mais difícil. Assim, por tal razão, a alma prefere viajar perdida entre a embriaguez e o legalismo; culpada e tonta; sem sentido e sem alegria — do que simplesmente confiar em Deus e entregar-se de maneira corajosa na fé, de tal modo que qualquer coisa que lhe sobrevenha não a tire da certeza do amor e do cuidado de Deus por ela, a alma.
Entretanto, isso demanda que a alma abra mão de si mesma (que morra para sua própria vaidade); e que não mais se julgue certa; e que confie muito mais na Palavra e no mandamento do amor de Deus do que em qualquer outra impressão de certeza nesta vida.
Descansar e dar descanso. Esta é a salvação!
Mas quem deseja entrar pela Porta do Descanso descansando e confiando inteiramente na Graça de Deus?
Assim, ensina Isaías, ou é confiança na Graça, manifesta como Descanso em Deus, e Descanso ao Próximo (não o oprimindo), ou a alternativa é a neurose e a crescente esquizofrenia dos que se embriagam para poder dizer: “Faça assim!” — pois eles mesmos não fazem e nem crêem, posto que não são.
O nosso trabalho é Descansar Nele.
Do contrário, o que sobra é a esquizofrenia de uma existência que acontece entre a embriaguez e a fuga da verdade e da realidade, de um lado; e, de outro lado, pela via do moralismo, do legalismo, e das observâncias a exterioridades, a mais aguda neurose.
Caio
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Texto retirado do website do pastor Caio Fábio. O endereço é http://www.caiofabio.com
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Paz e Bem!
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
ORAÇÃO
Segundo homens e mulheres que respeito profundamente, a oração é a principal forma que uma pessoa possui de estabelecer um relacionamento com Deus.
Acredito nisso e tenho tentado desenvolver uma disciplina de oração, adaptada ao meu dia a dia. Nesse sistema, luto contra a preguiça e o sono quando vou orar, principalmente à noite, e também me pego questionando sobre as orações não respondidas.
Creio que a questão das orações que não são respondidas, ou, ao menos, não são respondidas da forma como gostaríamos estabelecem uma importante forma de testar a nossa real disposição.
Ou seja, para que orar, se não sou atendido. Será que Deus se importa com meus pedidos?
Essa reflexão me levou a prestar muito mais atenção, ultimamente, no teor de minhas orações. E, para minha vergonha, admito que sou egoísta e pequeno na maior parte das vezes em que me diirijo a Deus.
Jesus afirmou que, "a quem pede, lhe será dado", maqs também disse que, "se vocês permanecerem em mim e seguirem as minhas palavras", as orações seriam atendidas.
Isso nos leva a questão sobre a vontade de Deus para cada indivíduo, o que, evidentemente, é um mistério.
A oração, ou pelo menos a boa oração, não muda Deus; ela muda aquele que ora. Estou aprendendo isso com a prática cotidiana.
Nos últimos tempos, tenho, honestamente, orado por discernimento e paciência, ao invés de simplesmente apresentar uma lista de pedidos e desejos a Deus.
Pois aprendi que nem sempre as orações são respondidas da forma como gostaríamos, e também sei hoje o quanto o meu coração - e eu sei o que há nele - pode me enganar.
Mas estou aprendendo.
Paz e Bem!
domingo, 7 de fevereiro de 2010
G7 CANCELA DÍVIDA HAITIANA
Os sete países mais ricos do planeta, reunidos no famigerado G7, anunciaram o cancelamento da dívida do Haiti, país destruído por um terremoto em 12 de janeiro passado.
O terremoto matou mais de 200 mil pessoas e arrasou a infra-estrutura do país, que já era precária. Centenas de milhares de pessoas estão desabrigadas.
Após o anúncio do G7, estuda-se a possibilidade do cancelamento total da dívida externa haitiana, contraída junto a organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
É interessante perceber que foi necessária a ocorrência de um colapso total do país por um desastre natural, para que autoridades internacionais se sensibilizassem com a situação haitiana. O Haiti é a nação mais pobre do Ocidente e sua economia está destroçada há décadas.
Ainda assim, criticar a ação dos países ricos em prol do Haiti seria cinismo e desumano de minha parte. E abandonei esses defeitos de caráter há algum tempo.
Não que eu não continue a cultivar outros, velhos e novos...
Não que eu não continue a cultivar outros, velhos e novos...
Paz e Bem!
sábado, 6 de fevereiro de 2010
SOTTO ZERO
Bom, eu escrevo sobre os dias que passam.
E hoje foi um bom dia. A melhor parte dele aconteceu há pouco, em uma sorveteria da Avenida Sumaré, no escarpado bairro de Perdizes. Antes da chuva.
E a melhor parte desse bom dia não foi o sorvete. Sim, era um bom sorvete, mas, como não sou exatamente um cara ligado em doces...
Vou manter segredo, escrever em código e esconder o ouro.
Mas ganhei um belo sorriso. E essa foi a melhor parte deste dia.
Paz e Bem!
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
REFERÊNCIA
Os dois textos que seguem são de autoria do pastor Caio Fábio e foram retirados de seu website.
O endereço é http://www.caiofabio.com.br
Recomendo!
Paz e Bem!
O endereço é http://www.caiofabio.com.br
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Paz e Bem!
UMA PITADA DE EVANGELHO: UM SAL PRA PRESSÃO BAIXA!
O Evangelho manda andar quieto, com pouco peso, sem papo furado pelo caminho, indo sem força própria, mas como um cordeiro ainda que em meio aos lobos; e isso sem desejos inquietos, sem frisson social, antes, desejando paz onde se entra; e permanecendo onde quer que se seja acolhido por filhos da paz; e manda ainda o Evangelho que em se indo... — que se pregue e se cure os doentes; e que se anuncie que o reino de Deus é chegado sobre todo aquele que crê.
O Evangelho manda que se ande sem ansiedade pelo que comer ou beber; pois, o Pai sabe e cuida; antes exorta a que se busque o reino em nós como bem maior; e garante que a simples Presença Primeira do Reino em nossa existencialidade, harmoniza a vida à nossa volta, de modo que todas as coisas que nos sejam necessárias nos serão acrescentadas.
O Evangelho manda que nossa alegria seja espiritual e não fundada nas cócegas irrisórias dos valores de neblina deste mundo.
O Evangelho ordena que a ninguém olhemos com preconceito, a menos que desejemos receber o conceito de Deus contra nós.
O Evangelho manda que nossas melhores festas sejam dadas a quem nunca tem alegria, como pobres, cegos, coxos, paralíticos, marginalizados e doentes.
O Evangelho diz-nos que perdoemos sempre; mesmo que seja algo inconcebível como 70 x 7 por dia.
O Evangelho afirma que Jesus só comparece a ajuntamentos de perdão, reconciliação e harmonia; ainda que apenas de duas ou três pessoas.
O Evangelho não ensina a fazer da Fé um Show e menos ainda o Show da Fé; ao contrario, manda que tudo seja feito de modo que mesmo o maior impacto seja logo esvaziado de todo show, para que fique apenas a pessoa e Jesus.
O Evangelho manda que não se tenha respeitos humanos, mas apenas respeito pelo ser humano; sendo que o primeiro tem a ver com posições e poder; e o segundo com a mera constatação reverente do outro como um ser.
O Evangelho designa homens e mulheres para serem sal, luz, sombra, ninho, abrigo, água fresca, pão, telhado, abraço, acolhida, hospitalidade, solidariedade, verdade, justiça, presteza, integridade, honestidade, lealdade, simplicidade e amor de Deus para com todos os homens; e, antes disso, uns para com os outros como discípulos de Jesus.
O Evangelho manda fazer o bem com a ignorância da naturalidade do amor de uma pomba; e discernir o mau com o olhar de uma serpente.
O Evangelho manda amar ao próximo como a nós mesmos, pois, somente assim o bem ao próximo é feito como quem toma banho, cuida de uma ferida, e penteia o cabelo sem virtude pessoal no que faz por si mesmo.
O Evangelho manda amar a Deus sobre tudo e todas as coisas, pois, sem o amor de Deus, que coisas haverá para serem de fato amadas e apreciadas?
Ora, eu poderia escrever até morrer de exaustão, sempre dizendo o que é o Evangelho e o que ele nos ordena como discípulos. Todavia, tudo o que se diga para sempre sobre isso, jamais será mais do que o que o Evangelho é: Deus, em Cristo Jesus , reconciliando consigo mesmo o mundo; e a nós de quebra...; e nós, por essa razão, tornando-nos os mais felizes, gratos e perdoadores de todos os seres humanos; inclusive de nós para nós —; e, portanto, os pobres que enriquecem a muitos.
Mas para quem desejar conferir por só saber que algo é o Evangelho se vier “entre aspas” ou com um monte de referencias ao “livro Bíblia”, abra a Bíblia e veja.
Eu, entretanto, escrevo assim [sem referencias ou citações], de propósito, desafiando os descrentes a lerem os evangelhos a fim de encontrarem qualquer coisa que não seja exatamente aquilo que nas palavras acima ditas expressam o espírito das palavras do Evangelho.
É somente assim o caminho que leva de meninos a homens! — Boys to Men!
Nele, que é a Palavra da Vida; o Evangelho,
Caio
O QUE É SER SANTO?
Vejamos o que Jesus estava nos ensinando quando relacionou o tema da santidade à Palavra e aquilo que Deus faz a nosso favor.
1. O tema da Santidade conforme relacionado à Palavra de Deus (João 17:17). Para Jesus, a Palavra de Deus era o que poderia nos santificar. E para Ele não se tratava de uma definição de santificação esotérica e mágica. Ele não tinha em mente nenhum tipo de exposição mágica da alma humana à Palavra ao fim da qual a pessoa estivesse mais santa. Na sua mente não passavam aquelas "percepções" de que a mera exposição à Palavra santificava o ouvinte. Para Jesus, ser santificado tinha, na verdade, uma profunda e indissolúvel relação com a assimilação dos conceitos da verdade de Deus, mediante um aprendizado não apenas teórico e teológico da letra da Palavra, mas mediante a vivência da presença de Deus na história em conformidade com o padrão da Palavra de Deus feita verdade no coração.
Tal percepção da relação da Palavra com a vida deve nos comprometer com a confissão de que Deus é santo e com a vivência da santidade. Além disso, ela nos induz também a perguntar por dois conceitos básicos encontrados na prática de Jesus. O primeiro tem a ver com o conceito de Palavra de Deus no entendimento de Jesus. E o segundo é aquele relacionado a como Jesus, à luz de Sua interpretação da Palavra, entendia o tema da santidade.
Comecemos com o que a Palavra significava para Jesus e o que Ele chamava de Palavra de Deus. Inicialmente devemos dizer que Jesus olhava para a totalidade do Velho Testamento como Palavra de Deus (Jo. 5:39). Para Ele a questão nunca esteve entre o que era ou não Palavra de Deus no Velho Testamento, mas, apenas, em como entender, interpretar e aplicar essa Palavra ao contexto da vida humana. Ora, neste sentido Mateus 22:23-46 é o melhor exemplo disso. Nos três episódios narrados naquele texto, a grande questão não é o que é Palavra de Deus, mas como entendê-la e aplicá-la (Mt. 23:2,3). É por esta razão que nós não vemos na prática de Jesus querelas teológicas, na perspectiva seletiva a respeito do que deveria ser retirado do Velho Testamento para ser abandonado ou reforçado na prática dos seus discípulos (Lc. 24:45). Pelo contrário, para Ele, o Velho Testamento dava uma base e finalidade histórica (Lc. 4:16-19). Sua missão tinha suas raízes mais profundas nos sonhos dos profetas (Lc. 24.27). Seus sofrimentos e glórias já tinham sido vistos e saudados desde o início da caminhada histórica do povo de Israel (Lc. 22.36,37). Ele próprio tinha sido alegria existencial e a inspiração dos patriarcas e profetas (Jo. 8.56). Sua mensagem não era nova, mas o aprofundamento da revelação já existente (Mt. 22:34¬40; Lc. 10.25-28). Sua expectativa de aceitação e rejeição do seu ministério se baseava naquilo que a Palavra lhe autorizava a esperar (Mt. 13.14,15). A própria maneira sombria pela qual ele anuncia sua morte se fundamenta numa interpretação teológico-ideológico da freqüente e histórica atitude do povo de Israel, conforme descrita nas Escrituras (Lc 13.31-35). Para Ele, o Gênesis de 6 a 11 era digno de confiança histórica (Mt. 24.38-39). Além disso, o modo pelo qual ele interpretava a saúde relacional do homem e da mulher se fundamentava na originalidade do plano da criação conforme revelado no Gênesis (Mt. 19.4-6). A conexão entre pecado e queda, bem como entre ideal e realidade era para ele extraída da Escritura (Mt. 19:7-9).
Até mesmo textos do V.T. de ares místicos foram encarados por ele como absolutamente simples e reveladores do modo pelo qual Deus age na história (Mt. 16.1-4). Assim, tudo que Jesus fazia tinha seu fundamento no Velho Testamento. Seu território ministerial (Mt. 4.12-17), o exercício das curas (Mt. 8.16-17), a pregação (Lc. 4.16-19), o ensino (Mt. 6-7) e a atitude de discrição e singela misericórdia (Mt. 12.15-21) estavam fundamentados no Velho Testamento. Seu sermão do Monte era, em síntese, a pregação do sonho dos profetas. De fato, o Sermão do Monte é a condensação das utopias dos profetas. Aquilo que eles não tinham conseguido chamar de História, Jesus chamou Vida.
Concluindo, nós poderíamos dizer que, literalmente, toda a Escritura tem em Jesus sua afirmação: o Pentateuco (Mt. 22.23-29), os livros históricos (Mt. 12.1-7), os poéticos (SI. 118.26;22.8), as sabedorias (Mt. 12.42) e os profetas (Mt. 26.31). O próprio fato de as genealogias de Jesus estarem incluídas nos evangelhos com todas as ambigüidades “morais” às quais elas estavam sujeitas, pois Jesus descende de gentios (Mt. 1.3,5), adúlteros (Mt. 1.3-6), prostituta (Mt. 1.6), homicidas (Mt. 1.10) e ancestrais cheios de sincretismos (Mt. 1.7-10), nos mostra que, propositalmente, Ele quer estar ligado à História do Velho Testamento (Jo. 5.39).
Isto posto, devemos agora relacionar a Palavra com o fato de Jesus ter dito que deveríamos ser santificados por ela. Ora, nesse caso nossa visão do escopo e da profundidade da santificação muda radicalmente. Ser santo é buscar ser essencialmente humano, ser parte da história porém vivendo a presença de Deus no mundo (Lc. 7.39). Ser santo tem relação com a busca de uma sociedade sem desigualdades e onde os mais fracos jamais sejam despojados (Mt. 23.14). Ser santo é viver a alegria do conhecimento de Deus com oração e fé e é sofrer as angústias da história como resultado de nossos vínculos com um padrão que o mundo não conhece (Mt. 11.25-27; 5.11-12). Ser santo é ser separado, não dos pagãos; como Israel equivocadamente tentou, mas é viver a diferença radical dos valores do Reino em meio às sociedades pagãs (Mt. 5.43-48). Ser santo é ter na paixão dos profetas a motivação existencial para o nosso enfrentamento histórico do mal (Lc. 13.33). Ser santo é, mesmo em dia de sábado, trabalhar a favor da santidade de vida (Lc. 14. 1-6). Ser santo é colocar o valor da vida acima do valor das coisas, mesmo aquelas mais "sagradas" (Mt. 23.23). Ser santo é entender que o altar diante do qual Deus nos quer ver prostrados não é apenas o altar do templo, mas também os altares ensangüentados dos corpos dos nossos irmãos de história e que estão caídos nas esquinas da vida (Lc. 10.25-37). Ser santo é viver a misericórdia no agitado ambiente secular, ao invés de viver a quietude alienada do ambiente religioso que não tem janelas para a história da dor humana (Mt. 9.9-13). Ser santo é acreditar que a santidade não se polui quando toca com amor, aquilo que é sujo (Mt. 8.1-4; Mc. 7.1-23). Ser santo é não temer ser mal interpretado pela mente daqueles que estão sujos de pretensa santidade.(Mc.7.5;Lc.7.39).
Para Jesus, ser santo é ser verdadeiro para com a nossa condição humana: é ter a coragem de chorar em público (Jo. 11.35), de admitir perdas e saudade (Jo. 11.36), de gritar de dor (Mt. 27.50), de confessar depressão (Mt. 26.38), de pedir ajuda emocional (Mc. 27.50), de se confessar cansado (Jo. 4.6), de dizer tenho sede (Jo. 19.28), de confessar dificuldades familiares (Mc. 3.21;Jo. 7.1-9), de admitir que a privacidade é um direito e uma necessidade de sobrevivência (Mc. 6.30-32,45,46). Ser santo é admitir que o amor pode ser exercido na perspectiva da disciplina física (Mc. 11.15-19) e que o "desabafo" é um sadio escape quando se está farto de estupidez (Lc. 11.31-32). Ser santo é continuar sendo de Deus mesmo em meio ao mais profundo e inexplicável silêncio divino (Mt. 27.46).
Desse modo, não santificamos a Deus quando falamos o seu nome enquanto furtamo-nos à verdade e praticamos todas aquelas coisas que a Palavra de Deus decreta como abominações, ainda que disfarçados pela nossa pseudo-moralidade. Também não santificamos a Deus com a nossa teologia reducionista e domesticadora da divindade, que pretende reduzi-lo a dogmas, ritos, liturgias e espaços. Também não santificamos a Deus com a nossa noção de sermos secretários da divindade, achando que sabemos tudo sobre Ele, achando que discernimos toda a Sua vontade, como se tivéssemos todas as manhãs uma entrevista marcada com Ele, na qual nos mostrasse detalhadamente todos os caminhos da vida. Blasfema contra Deus quem não pode dizer como Paulo em Romanos 11:33-36, que ninguém jamais conheceu ou penetrou na totalidade dos seus caminhos. Blasfema contra Deus quem não se abriu para o ministério de Deus. Não santificamos a Deus quando todo o nosso interesse em relação a Ele é sermos "ajudados". Ofendemos a Deus não somente pela negação do Seu poder, mas também pela súplica egocêntrica. Não se santifica a Deus quando se estabelece um lugar para ele morar, caindo nas teologias pagãs do "lugar santo". Ora, lugares só são santos quando santificados pela presença de homens santos que cultuam ao Deus Santo. Não se santifica o nome de Deus quando se viola a sua imagem e semelhança nos seres humanos que nos cercam. Não se santifica a Deus onde os pequenos são apenas suportados e os grandes são preferidos. Não se santifica a Deus nas nossas ruas cheias de meninos nus e crus, que perambulam como cães virando latas de lixo. Não se santifica a Deus quando a Igreja se toma um "bastião" do poder religioso, capaz de favorecer influências políticas mundanas e iníquas. Não se santifica a Deus quando nossa esposa não é santificada pelo nosso convívio e os nossos filhos e amigos não provam o benfazejo resultado da nossa ligação com Deus.
2. A obra redentora de Jesus conforme relacionada ao tema da santidade: "E a favor deles eu me santifico a mim mesmo..." (v.19) A segunda idéia à qual o tema do Pai Santo e da santidade está relacionada em João 17 é a obra salvífica de Jesus. Isso porque a santificação que o Pai santo pede dos Seus filhos só pode ser vivida em Cristo. É por isso que Jesus, conquanto nos desafie concretamente à vivência da santidade, nos faz provisão espiritual para que tal santificação seja uma possibilidade. Sem tal provisão espiritual a vida cristã é simplesmente impossível. Talvez essa seja justamente a nossa principal falha histórica: tentar viver por nossa própria conta e meios a santidade para a qual somos chamados. Talvez o mais terrível exemplo disso na atualidade esteja exatamente demonstrado na queda dramática e escandalosa de pregadores cujos projetos teológicos e pessoais pregam comportamentos de santidade antropocêntrica. Ora, a única diferença entre legalismo e santidade é que o primeiro é esforço humano e o segundo é obra do Espírito.
Por que estou dizendo isso? Simplesmente para mostrar o que Jesus dissera quando afirmou que a "favor dos discípulos Ele se santificava a si mesmo", era muito mais do que poesia sacerdotal. De fato, tratava-se da mais fundamental afirmação de segurança espiritual que a Palavra de Deus nos oferece. É sabido por todos nós, que Jesus Cristo é a única provisão de Deus para a salvação humana. E na minha maneira de ver, salvação e santificação andam extremamente ligadas. Para entendermos o tema da santificação, precisamos entender primeiro o tema da salvação e aquilo a que ela está ligada.
Ora, Deus está redimindo hoje o espírito humano de modo forense e judicial, por causa da obra de Jesus na cruz. No entanto, tal salvação também traz consigo o anúncio das boas novas de um processo redentivo, multidimensional, que Deus continua a realizar, atingindo variados segmentos da nossa própria vida. É isto que Paulo diz num texto que tem criado problemas na mente de muitos irmãos: "... desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar segundo a sua vontade" (Fp. 2.13). O fato de a salvação precisar ser desenvolvida não significa que ela tem de ser conquistada. Nós só desenvolvemos aquilo que temos, e nós temos a salvação, definitivamente, pela fé na Graça de Cristo. Tal salvação, precisa apenas expandir-se, corporificar-se e multidimensionar-se na existência humana. É também por isso que Paulo continua apresentando alguns exemplos básicos de como fazer a salvação “crescer”: "sem murmurações nem contendas". Ora, isto tem a ver com a nossa interioridade curada e com as relações que precisam ser reconciliadas para que, na História, nos tornemos “irrepreensíveis e sinceros filhos de Deus, e inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta”.
A salvação judicial e forense, por meio da fé em Jesus, deve desembocar num processo de humanização, tendo Jesus como protótipo, conforme diz Romanos 8.29 "Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos". A salvação que se recebe pela fé, desse momento em diante, entra na fase de desenvoltura dentro de cada pessoa para quem Jesus é o Salvador, o projeto, o protótipo, a referência e o Mestre. Isto porque o plano de Deus é que esta salvação se multidimensione em cada um de nós, de modo a caminhar na direção de tornar cada pessoa "conforme a imagem de seu Filho, para que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos", os quais são parecidos com Ele.
Assim é que, metafisicamente, aos olhos de Deus, nós somos uma obra acabada. Sua graça nos fez totais aos Seus olhos, de modo que judicial e forensemente estamos justificados. Mas historicamente falando, porém, veja o que Paulo diz em Filipenses 3.12,13: "Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus". No versículo 16 diz ainda: “Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos”. O versículo 15 ele já havia dito: “Todos pois que somos perfeitos, tenhamos este sentimento”. Os dois elementos (salvação-forense-judicial versus salvação-histórico-processual) estão presentes nestas citações.
Veja o que se diz acerca da salvação forense-judicial: "Nós que somos perfeitos" (v.15). Ora, tal afirmação só é possível em Cristo. Fora dele, nenhum de nós, inclusive Paulo, é imperfeito e inacabado.
Veja agora o que se diz sobre a salvação histórico-processual: “não tenho obtido a perfeição...mas prossigo para conquistar...todavia andemos de acordo com o que já alcançamos...” (v.12,13,16).
Assim é que, forense e judicialmente estamos perfeitos em Cristo.
Historicamente, porém, estamos ainda a caminho, de modo que a justificação já realizada e acabada em Cristo não deve estagnar o processo histórico de continuidade de nossa salvação. Com relação a este último aspecto, Paulo utiliza em Filipenses três palavras e expressões processuais do tipo “prossigo”, “avançando”, “andemos”, “não alcancei”, e “tenho um alvo”. São palavras e expressões que nos colocam a caminho e que não permitem que a justificação se engesse no moralista religioso ou se apóie na graça barata.
Ainda em Filipenses 3, Paulo diz que a salvação, enquanto obra a ser desenvolvida, implica num processo histórico, pois tem relação com três tempos: passado, presente e futuro. Ele diz que as “coisas que para trás ficam”, para trás ficam; que as coisas do presente ao presente pertencem (“não que eu tenha alcançado”) e que as coisas do futuro, “diante de mim estão”. Ora, isto é precisamente o que compõe a História: presente, passado e futuro. Portanto, tal salvação-santificação tem que se desenvolver aqui, na História.
Paulo também afirma que este processo histórico pode ser chamado de processo de “cristificação”. Esse processo é dinâmico. Ele diz: “...não obtive, porém prossigo...”. Todos nós podemos alcançar tudo quanto Deus colocou à nossa disposição.
Ora, aqui neste ponto nós voltamos objetivamente ao tema da santificação, e com uma pergunta. Isto porque uma vez que os conceitos básicos relacionados com a salvação estão postos, nós devemos perguntar o que isso tem a ver com a nossa santificação. Não devemos nos esquecer de que em João 17, texto de nosso estudo, o Senhor Jesus disse que Ele mesmo se santificava a nosso favor. Ou seja: há algo da vicariedade de Jesus na nossa santificação também. É bom afirmar isto, pelo simples fato de que há muito legalismo com relação à perspectiva da santificação. Na maioria das vezes, a santificação tem sido entendida como sendo o “lado humano” da salvação. Ou seja: “Cristo nos salvou e cabe a nós tornarmo-nos dignos da salvação através da santificação”. No entanto, não há santificação possível que prescinda também da graça santificadora de Deus. Com isto não estou dizendo que a santificação não implica em compromissos éticos concretos na história. Se assim fosse, eu estaria negando tudo o que escrevi a respeito da necessidade das nossas vidas confirmarem a revelação da Palavra. Como diz Willian Barclay: “o cristianismo, como também o judaísmo, é essencialmente uma religião ética. Por isso se deve dizer que o cristianismo insiste que o ser humano deva viver um certo tipo de vida e ser um certo tipo de pessoa” (William Barclay; "The Mind of ST. Paul”, pág 75).
Do mesmo modo que o Novo Testamento ensina que a salvação é fruto da graça de Deus realizada e consumada em Jesus Cristo, ele nos ensina também que a realidade da santificação se alimenta da mesma fonte de eficácia espiritual: a Graça. A santificação resulta de uma vida que antes de tudo se viu morta em Jesus Cristo para o pecado (Rm. 6.11-14). Na realidade, a questão-chave da santificação se resume na expressão “estar em Cristo”. Estar em Cristo significa TUDO na vida cristã. Literalmente, não há qualquer progresso humano possível, fora desse estar “em Cristo”. Neste sentido, há uma diferença fundamental entre estar “em Cristo” e estar “na igreja”. Obviamente acredito que estar em Cristo significa também estar na IGREJA de Cristo. A questão, no entanto, é que a Igreja de Cristo se misturou com aquilo que nós chamamos de Cristandade. Foi precisamente nesse sentido que Santo Agostinho disse “que a igreja tem muitos aos quais Deus não tem e que Deus tem muitos aos quais a igreja não tem”. Para Santo Agostinho, a “igreja” não era necessariamente a IGREJA. Podia ser apenas uma deformação institucionalizada daquilo que Jesus sonhara.Isso porque, Santo Agostinho quanto nós, acreditamos que quem de fato está em Cristo está na IGREJA, e na comunhão da fé que a verdadeira Igreja promove e para a qual nos convida. No entanto, há aqueles que estão na IGREJA e que não conseguem “entrar nas igrejas”. Esses são cristãos, mas não suportam aquilo que nós chamamos de “cristianismo”.
Descrevendo esse afastamento do cristianismo em relação à IGREJA conforme exposta no Novo Testamento, Jacques Ellul afirma em “Subversion of Christianity” o momento histórico em que essa mudança teve e tem lugar. O momento é exatamente quando sai-se da perspectiva orgânico-qualitativa de igreja para a perspectiva organizacional-institucional (por exemplo, quando a comunidade da fé vira “-ismo”). Nesse caso, é como se uma fonte de água viva fosse transformada em um canal de irrigação mais ou menos regulado e estagnado, até ao ponto em que a água da fonte original torna-se totalmente poluída na medida em que ela vai sendo “mecânica e artificialmente trabalhada” pelo sistema de distribuição.
De fato, o grande segredo da santificação, como já dissemos, é estar em Cristo e tendo sempre a coragem de verificar se estamos mesmo nEle (II Co. 13.5) Este é o princípio essencial à santificação e às demais virtudes da fé cristã. Do ponto de vista do Novo Testamento, “em Cristo” nós temos:
1. Consolação: “Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria...” (Fp. 2.1,2).
2. Ousadia: “Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em Cristo para te ordenar o que convém ” (Fm 8).
3. Liberdade: “E isto por causa dos falsos irmãos que se intrometeram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus, e reduzir-nos a escravidão” (Gl. 2.4).
4. Vitória contra a mentira: “Digo a verdade em Cristo, não minto, testemunhando comigo, no Espírito Santo, a minha própria consciência” (Rm. 9.1).
5. Promessas: “...a saber que os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho” (Ef. 3.6).
6. O AMÉM de Deus à vida: “Porque quantas são as promessas de Deus tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém para a glória de Deus, por nosso intermédio” (11 Co. 1.20).
7. Somos santificados: “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1 Co. 12).
8. Somos sábios: “Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós sábios em Cristo; nós fracos e vós fortes; vós nobres e nós desprezíveis” (Co. 4.10).
9. Somos novas criaturas: “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: As coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas" (II Co. 5.17).
10. Somos chamados: "Porque o que foi chamado no Senhor, sendo escravo, é liberto do Senhor; semelhantemente o que foi chamado, sendo livre. é escravo de Cristo” (I Co. 7.22).
11. Temos o mais elevado objetivo: "Prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Fp 3.14).
12. Apesar de tantas vezes sermos imaturos, somos salvos: "Eu. porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais; e, sim, como a carnais. como a crianças em Cristo" (I Co. 3.1).
13. Estamos estabelecidos: "Mas aquele que nos confirma convosco em Cristo, e nos ungiu, é Deus" (11 Co. 1.21).
14. Podemos andar em vitória: "Ora, como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele" (Cl. 2.6).
Tudo isso parece simples demais para as mentes mais sofisticadas e teológicas, as quais, por certo, até "pularam" esta série de 14 afirmações decorrentes de se "estar em Cristo". No entanto, as coisas acima mencionadas são seriíssimas. Senão veja: se elas são assim tão simples, por que há tão poucas evidências dessa santificação em nosso meio? Por que tanto pecado, imoralidade, roubo, mentira, descrença, administração iníqua dos bens da igreja por parte de líderes? Por que tanta traição, falsidade, calúnia, inveja e maldade? E mais: por que isso acontece tão intensamente dentro da igreja quanto acontece fora dela? E mais: por que os grupos cristãos mais legalistas são, tantas vezes, as mais desgraçadas vítimas desse fracasso?
Talvez tudo isso aconteça pela simples razão de que aquilo que o evangelho nos convida a ser tem íntima ligação com a Graça de Deus. E, nesse sentido, aquilo que o evangelho oferece é intolerável e inaceitável. Você julga que há alguma coisa aceitável na graça? Não! As pessoas não gostam da graça justamente porque a graça não lhes dá controle sobre a situação. A graça não depende de mim. Ela extrapola meu domínio. Não há nada de seguro no fato das pessoas condenadas à morte estarem livres dela porque um desconhecido e Estranho Soberano simplesmente as livrou disso, sem lhes dar qualquer razão justificável para tal ato. A graça é totalmente arbitrária: "Eu serei gracioso para quem Eu quiser ser gracioso e misericordioso para quem Eu quiser ser misericordioso..." Nesse caso não há nada que possamos fazer: não há sacrifícios, ritos, orações, atos de bondade, busca de sabedoria, ascetismo moral e religioso, etc. Nada pode ser feito para se ter controle sobre a graça. Não há trocas a serem feitas, e assim nos sentimos extremamente humilhados na nossa incapacidade de "justificar" a relação, pelo menos por um pouco. A graça exclui tudo aquilo que nos garante segurança. Nossos sacrifícios não são aceitos, nossos moralismos são ridicularizados, nossas liturgias são chamadas de cansativas, e nossas justiças próprias são chamadas de trapos de imundícia. Pode haver algo mais afrontoso para a natureza humana do que esse estado de absoluta impotência no qual a graça coloca a todos nós? Não! E por isso que o legalismo é o supremo ato de rebelião contra Deus. O legalismo é mais blasfemo do que o desconhecimento de Deus (Rm. 2.12-16). O sincretismo, o paganismo e a promiscuidade suscitaram menos a ira de Jesus do que o legalismo que lutava contra a graça. Todos nós ficamos possuídos por um desejo obcecante de justiça própria. Temos obcecante desejo por nos mostrar justos e retos. Nossa maior idolatria é aquela na qual nós mesmos somos os "nichos" e os “santos" do nosso culto moral. Nosso maior prêmio é sermos vistos como justos pela nossa comunidade. Ora, nesse sentido, nós, "religiosos", somos menos suscetíveis à graça de Deus do que as meretrizes e os pecadores da nossa sociedade? Eles já estão "como canas quebradas e como torcidas que fumegam" (Mt 12.20). Eles já perderam a chance de lutar pela sua justiça própria. Foi por isso que eles foram os mais receptivos à graça de Deus durante o ministério de Jesus.
Eu quero dizer que a única maneira de receber o beneficio da graça de Jesus que nos santifica é mediante a aceitação da nossa total incapacidade de justificar o que Deus fez e está fazendo em nós. Somente quando nossas armas estão completamente depostas é que o Espírito pode atuar em nós, a fim de nos fazer entrar no profundo processo da santificação. Cristo já fez tudo na Cruz. O que nos resta é exorcizar os demônios das nossas pretensões religiosas, a fim de sermos suficientemente simples para receber aquilo que só os humildes de espírito admitem: a graça de Deus.
Paginas 38 a 47 de Oração Para Viver e Morrer, escrito por Caio Fábio em 1992 e publicado em 1994.
1. O tema da Santidade conforme relacionado à Palavra de Deus (João 17:17). Para Jesus, a Palavra de Deus era o que poderia nos santificar. E para Ele não se tratava de uma definição de santificação esotérica e mágica. Ele não tinha em mente nenhum tipo de exposição mágica da alma humana à Palavra ao fim da qual a pessoa estivesse mais santa. Na sua mente não passavam aquelas "percepções" de que a mera exposição à Palavra santificava o ouvinte. Para Jesus, ser santificado tinha, na verdade, uma profunda e indissolúvel relação com a assimilação dos conceitos da verdade de Deus, mediante um aprendizado não apenas teórico e teológico da letra da Palavra, mas mediante a vivência da presença de Deus na história em conformidade com o padrão da Palavra de Deus feita verdade no coração.
Tal percepção da relação da Palavra com a vida deve nos comprometer com a confissão de que Deus é santo e com a vivência da santidade. Além disso, ela nos induz também a perguntar por dois conceitos básicos encontrados na prática de Jesus. O primeiro tem a ver com o conceito de Palavra de Deus no entendimento de Jesus. E o segundo é aquele relacionado a como Jesus, à luz de Sua interpretação da Palavra, entendia o tema da santidade.
Comecemos com o que a Palavra significava para Jesus e o que Ele chamava de Palavra de Deus. Inicialmente devemos dizer que Jesus olhava para a totalidade do Velho Testamento como Palavra de Deus (Jo. 5:39). Para Ele a questão nunca esteve entre o que era ou não Palavra de Deus no Velho Testamento, mas, apenas, em como entender, interpretar e aplicar essa Palavra ao contexto da vida humana. Ora, neste sentido Mateus 22:23-46 é o melhor exemplo disso. Nos três episódios narrados naquele texto, a grande questão não é o que é Palavra de Deus, mas como entendê-la e aplicá-la (Mt. 23:2,3). É por esta razão que nós não vemos na prática de Jesus querelas teológicas, na perspectiva seletiva a respeito do que deveria ser retirado do Velho Testamento para ser abandonado ou reforçado na prática dos seus discípulos (Lc. 24:45). Pelo contrário, para Ele, o Velho Testamento dava uma base e finalidade histórica (Lc. 4:16-19). Sua missão tinha suas raízes mais profundas nos sonhos dos profetas (Lc. 24.27). Seus sofrimentos e glórias já tinham sido vistos e saudados desde o início da caminhada histórica do povo de Israel (Lc. 22.36,37). Ele próprio tinha sido alegria existencial e a inspiração dos patriarcas e profetas (Jo. 8.56). Sua mensagem não era nova, mas o aprofundamento da revelação já existente (Mt. 22:34¬40; Lc. 10.25-28). Sua expectativa de aceitação e rejeição do seu ministério se baseava naquilo que a Palavra lhe autorizava a esperar (Mt. 13.14,15). A própria maneira sombria pela qual ele anuncia sua morte se fundamenta numa interpretação teológico-ideológico da freqüente e histórica atitude do povo de Israel, conforme descrita nas Escrituras (Lc 13.31-35). Para Ele, o Gênesis de 6 a 11 era digno de confiança histórica (Mt. 24.38-39). Além disso, o modo pelo qual ele interpretava a saúde relacional do homem e da mulher se fundamentava na originalidade do plano da criação conforme revelado no Gênesis (Mt. 19.4-6). A conexão entre pecado e queda, bem como entre ideal e realidade era para ele extraída da Escritura (Mt. 19:7-9).
Até mesmo textos do V.T. de ares místicos foram encarados por ele como absolutamente simples e reveladores do modo pelo qual Deus age na história (Mt. 16.1-4). Assim, tudo que Jesus fazia tinha seu fundamento no Velho Testamento. Seu território ministerial (Mt. 4.12-17), o exercício das curas (Mt. 8.16-17), a pregação (Lc. 4.16-19), o ensino (Mt. 6-7) e a atitude de discrição e singela misericórdia (Mt. 12.15-21) estavam fundamentados no Velho Testamento. Seu sermão do Monte era, em síntese, a pregação do sonho dos profetas. De fato, o Sermão do Monte é a condensação das utopias dos profetas. Aquilo que eles não tinham conseguido chamar de História, Jesus chamou Vida.
Concluindo, nós poderíamos dizer que, literalmente, toda a Escritura tem em Jesus sua afirmação: o Pentateuco (Mt. 22.23-29), os livros históricos (Mt. 12.1-7), os poéticos (SI. 118.26;22.8), as sabedorias (Mt. 12.42) e os profetas (Mt. 26.31). O próprio fato de as genealogias de Jesus estarem incluídas nos evangelhos com todas as ambigüidades “morais” às quais elas estavam sujeitas, pois Jesus descende de gentios (Mt. 1.3,5), adúlteros (Mt. 1.3-6), prostituta (Mt. 1.6), homicidas (Mt. 1.10) e ancestrais cheios de sincretismos (Mt. 1.7-10), nos mostra que, propositalmente, Ele quer estar ligado à História do Velho Testamento (Jo. 5.39).
Isto posto, devemos agora relacionar a Palavra com o fato de Jesus ter dito que deveríamos ser santificados por ela. Ora, nesse caso nossa visão do escopo e da profundidade da santificação muda radicalmente. Ser santo é buscar ser essencialmente humano, ser parte da história porém vivendo a presença de Deus no mundo (Lc. 7.39). Ser santo tem relação com a busca de uma sociedade sem desigualdades e onde os mais fracos jamais sejam despojados (Mt. 23.14). Ser santo é viver a alegria do conhecimento de Deus com oração e fé e é sofrer as angústias da história como resultado de nossos vínculos com um padrão que o mundo não conhece (Mt. 11.25-27; 5.11-12). Ser santo é ser separado, não dos pagãos; como Israel equivocadamente tentou, mas é viver a diferença radical dos valores do Reino em meio às sociedades pagãs (Mt. 5.43-48). Ser santo é ter na paixão dos profetas a motivação existencial para o nosso enfrentamento histórico do mal (Lc. 13.33). Ser santo é, mesmo em dia de sábado, trabalhar a favor da santidade de vida (Lc. 14. 1-6). Ser santo é colocar o valor da vida acima do valor das coisas, mesmo aquelas mais "sagradas" (Mt. 23.23). Ser santo é entender que o altar diante do qual Deus nos quer ver prostrados não é apenas o altar do templo, mas também os altares ensangüentados dos corpos dos nossos irmãos de história e que estão caídos nas esquinas da vida (Lc. 10.25-37). Ser santo é viver a misericórdia no agitado ambiente secular, ao invés de viver a quietude alienada do ambiente religioso que não tem janelas para a história da dor humana (Mt. 9.9-13). Ser santo é acreditar que a santidade não se polui quando toca com amor, aquilo que é sujo (Mt. 8.1-4; Mc. 7.1-23). Ser santo é não temer ser mal interpretado pela mente daqueles que estão sujos de pretensa santidade.(Mc.7.5;Lc.7.39).
Para Jesus, ser santo é ser verdadeiro para com a nossa condição humana: é ter a coragem de chorar em público (Jo. 11.35), de admitir perdas e saudade (Jo. 11.36), de gritar de dor (Mt. 27.50), de confessar depressão (Mt. 26.38), de pedir ajuda emocional (Mc. 27.50), de se confessar cansado (Jo. 4.6), de dizer tenho sede (Jo. 19.28), de confessar dificuldades familiares (Mc. 3.21;Jo. 7.1-9), de admitir que a privacidade é um direito e uma necessidade de sobrevivência (Mc. 6.30-32,45,46). Ser santo é admitir que o amor pode ser exercido na perspectiva da disciplina física (Mc. 11.15-19) e que o "desabafo" é um sadio escape quando se está farto de estupidez (Lc. 11.31-32). Ser santo é continuar sendo de Deus mesmo em meio ao mais profundo e inexplicável silêncio divino (Mt. 27.46).
Desse modo, não santificamos a Deus quando falamos o seu nome enquanto furtamo-nos à verdade e praticamos todas aquelas coisas que a Palavra de Deus decreta como abominações, ainda que disfarçados pela nossa pseudo-moralidade. Também não santificamos a Deus com a nossa teologia reducionista e domesticadora da divindade, que pretende reduzi-lo a dogmas, ritos, liturgias e espaços. Também não santificamos a Deus com a nossa noção de sermos secretários da divindade, achando que sabemos tudo sobre Ele, achando que discernimos toda a Sua vontade, como se tivéssemos todas as manhãs uma entrevista marcada com Ele, na qual nos mostrasse detalhadamente todos os caminhos da vida. Blasfema contra Deus quem não pode dizer como Paulo em Romanos 11:33-36, que ninguém jamais conheceu ou penetrou na totalidade dos seus caminhos. Blasfema contra Deus quem não se abriu para o ministério de Deus. Não santificamos a Deus quando todo o nosso interesse em relação a Ele é sermos "ajudados". Ofendemos a Deus não somente pela negação do Seu poder, mas também pela súplica egocêntrica. Não se santifica a Deus quando se estabelece um lugar para ele morar, caindo nas teologias pagãs do "lugar santo". Ora, lugares só são santos quando santificados pela presença de homens santos que cultuam ao Deus Santo. Não se santifica o nome de Deus quando se viola a sua imagem e semelhança nos seres humanos que nos cercam. Não se santifica a Deus onde os pequenos são apenas suportados e os grandes são preferidos. Não se santifica a Deus nas nossas ruas cheias de meninos nus e crus, que perambulam como cães virando latas de lixo. Não se santifica a Deus quando a Igreja se toma um "bastião" do poder religioso, capaz de favorecer influências políticas mundanas e iníquas. Não se santifica a Deus quando nossa esposa não é santificada pelo nosso convívio e os nossos filhos e amigos não provam o benfazejo resultado da nossa ligação com Deus.
2. A obra redentora de Jesus conforme relacionada ao tema da santidade: "E a favor deles eu me santifico a mim mesmo..." (v.19) A segunda idéia à qual o tema do Pai Santo e da santidade está relacionada em João 17 é a obra salvífica de Jesus. Isso porque a santificação que o Pai santo pede dos Seus filhos só pode ser vivida em Cristo. É por isso que Jesus, conquanto nos desafie concretamente à vivência da santidade, nos faz provisão espiritual para que tal santificação seja uma possibilidade. Sem tal provisão espiritual a vida cristã é simplesmente impossível. Talvez essa seja justamente a nossa principal falha histórica: tentar viver por nossa própria conta e meios a santidade para a qual somos chamados. Talvez o mais terrível exemplo disso na atualidade esteja exatamente demonstrado na queda dramática e escandalosa de pregadores cujos projetos teológicos e pessoais pregam comportamentos de santidade antropocêntrica. Ora, a única diferença entre legalismo e santidade é que o primeiro é esforço humano e o segundo é obra do Espírito.
Por que estou dizendo isso? Simplesmente para mostrar o que Jesus dissera quando afirmou que a "favor dos discípulos Ele se santificava a si mesmo", era muito mais do que poesia sacerdotal. De fato, tratava-se da mais fundamental afirmação de segurança espiritual que a Palavra de Deus nos oferece. É sabido por todos nós, que Jesus Cristo é a única provisão de Deus para a salvação humana. E na minha maneira de ver, salvação e santificação andam extremamente ligadas. Para entendermos o tema da santificação, precisamos entender primeiro o tema da salvação e aquilo a que ela está ligada.
Ora, Deus está redimindo hoje o espírito humano de modo forense e judicial, por causa da obra de Jesus na cruz. No entanto, tal salvação também traz consigo o anúncio das boas novas de um processo redentivo, multidimensional, que Deus continua a realizar, atingindo variados segmentos da nossa própria vida. É isto que Paulo diz num texto que tem criado problemas na mente de muitos irmãos: "... desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar segundo a sua vontade" (Fp. 2.13). O fato de a salvação precisar ser desenvolvida não significa que ela tem de ser conquistada. Nós só desenvolvemos aquilo que temos, e nós temos a salvação, definitivamente, pela fé na Graça de Cristo. Tal salvação, precisa apenas expandir-se, corporificar-se e multidimensionar-se na existência humana. É também por isso que Paulo continua apresentando alguns exemplos básicos de como fazer a salvação “crescer”: "sem murmurações nem contendas". Ora, isto tem a ver com a nossa interioridade curada e com as relações que precisam ser reconciliadas para que, na História, nos tornemos “irrepreensíveis e sinceros filhos de Deus, e inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta”.
A salvação judicial e forense, por meio da fé em Jesus, deve desembocar num processo de humanização, tendo Jesus como protótipo, conforme diz Romanos 8.29 "Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos". A salvação que se recebe pela fé, desse momento em diante, entra na fase de desenvoltura dentro de cada pessoa para quem Jesus é o Salvador, o projeto, o protótipo, a referência e o Mestre. Isto porque o plano de Deus é que esta salvação se multidimensione em cada um de nós, de modo a caminhar na direção de tornar cada pessoa "conforme a imagem de seu Filho, para que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos", os quais são parecidos com Ele.
Assim é que, metafisicamente, aos olhos de Deus, nós somos uma obra acabada. Sua graça nos fez totais aos Seus olhos, de modo que judicial e forensemente estamos justificados. Mas historicamente falando, porém, veja o que Paulo diz em Filipenses 3.12,13: "Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus". No versículo 16 diz ainda: “Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos”. O versículo 15 ele já havia dito: “Todos pois que somos perfeitos, tenhamos este sentimento”. Os dois elementos (salvação-forense-judicial versus salvação-histórico-processual) estão presentes nestas citações.
Veja o que se diz acerca da salvação forense-judicial: "Nós que somos perfeitos" (v.15). Ora, tal afirmação só é possível em Cristo. Fora dele, nenhum de nós, inclusive Paulo, é imperfeito e inacabado.
Veja agora o que se diz sobre a salvação histórico-processual: “não tenho obtido a perfeição...mas prossigo para conquistar...todavia andemos de acordo com o que já alcançamos...” (v.12,13,16).
Assim é que, forense e judicialmente estamos perfeitos em Cristo.
Historicamente, porém, estamos ainda a caminho, de modo que a justificação já realizada e acabada em Cristo não deve estagnar o processo histórico de continuidade de nossa salvação. Com relação a este último aspecto, Paulo utiliza em Filipenses três palavras e expressões processuais do tipo “prossigo”, “avançando”, “andemos”, “não alcancei”, e “tenho um alvo”. São palavras e expressões que nos colocam a caminho e que não permitem que a justificação se engesse no moralista religioso ou se apóie na graça barata.
Ainda em Filipenses 3, Paulo diz que a salvação, enquanto obra a ser desenvolvida, implica num processo histórico, pois tem relação com três tempos: passado, presente e futuro. Ele diz que as “coisas que para trás ficam”, para trás ficam; que as coisas do presente ao presente pertencem (“não que eu tenha alcançado”) e que as coisas do futuro, “diante de mim estão”. Ora, isto é precisamente o que compõe a História: presente, passado e futuro. Portanto, tal salvação-santificação tem que se desenvolver aqui, na História.
Paulo também afirma que este processo histórico pode ser chamado de processo de “cristificação”. Esse processo é dinâmico. Ele diz: “...não obtive, porém prossigo...”. Todos nós podemos alcançar tudo quanto Deus colocou à nossa disposição.
Ora, aqui neste ponto nós voltamos objetivamente ao tema da santificação, e com uma pergunta. Isto porque uma vez que os conceitos básicos relacionados com a salvação estão postos, nós devemos perguntar o que isso tem a ver com a nossa santificação. Não devemos nos esquecer de que em João 17, texto de nosso estudo, o Senhor Jesus disse que Ele mesmo se santificava a nosso favor. Ou seja: há algo da vicariedade de Jesus na nossa santificação também. É bom afirmar isto, pelo simples fato de que há muito legalismo com relação à perspectiva da santificação. Na maioria das vezes, a santificação tem sido entendida como sendo o “lado humano” da salvação. Ou seja: “Cristo nos salvou e cabe a nós tornarmo-nos dignos da salvação através da santificação”. No entanto, não há santificação possível que prescinda também da graça santificadora de Deus. Com isto não estou dizendo que a santificação não implica em compromissos éticos concretos na história. Se assim fosse, eu estaria negando tudo o que escrevi a respeito da necessidade das nossas vidas confirmarem a revelação da Palavra. Como diz Willian Barclay: “o cristianismo, como também o judaísmo, é essencialmente uma religião ética. Por isso se deve dizer que o cristianismo insiste que o ser humano deva viver um certo tipo de vida e ser um certo tipo de pessoa” (William Barclay; "The Mind of ST. Paul”, pág 75).
Do mesmo modo que o Novo Testamento ensina que a salvação é fruto da graça de Deus realizada e consumada em Jesus Cristo, ele nos ensina também que a realidade da santificação se alimenta da mesma fonte de eficácia espiritual: a Graça. A santificação resulta de uma vida que antes de tudo se viu morta em Jesus Cristo para o pecado (Rm. 6.11-14). Na realidade, a questão-chave da santificação se resume na expressão “estar em Cristo”. Estar em Cristo significa TUDO na vida cristã. Literalmente, não há qualquer progresso humano possível, fora desse estar “em Cristo”. Neste sentido, há uma diferença fundamental entre estar “em Cristo” e estar “na igreja”. Obviamente acredito que estar em Cristo significa também estar na IGREJA de Cristo. A questão, no entanto, é que a Igreja de Cristo se misturou com aquilo que nós chamamos de Cristandade. Foi precisamente nesse sentido que Santo Agostinho disse “que a igreja tem muitos aos quais Deus não tem e que Deus tem muitos aos quais a igreja não tem”. Para Santo Agostinho, a “igreja” não era necessariamente a IGREJA. Podia ser apenas uma deformação institucionalizada daquilo que Jesus sonhara.Isso porque, Santo Agostinho quanto nós, acreditamos que quem de fato está em Cristo está na IGREJA, e na comunhão da fé que a verdadeira Igreja promove e para a qual nos convida. No entanto, há aqueles que estão na IGREJA e que não conseguem “entrar nas igrejas”. Esses são cristãos, mas não suportam aquilo que nós chamamos de “cristianismo”.
Descrevendo esse afastamento do cristianismo em relação à IGREJA conforme exposta no Novo Testamento, Jacques Ellul afirma em “Subversion of Christianity” o momento histórico em que essa mudança teve e tem lugar. O momento é exatamente quando sai-se da perspectiva orgânico-qualitativa de igreja para a perspectiva organizacional-institucional (por exemplo, quando a comunidade da fé vira “-ismo”). Nesse caso, é como se uma fonte de água viva fosse transformada em um canal de irrigação mais ou menos regulado e estagnado, até ao ponto em que a água da fonte original torna-se totalmente poluída na medida em que ela vai sendo “mecânica e artificialmente trabalhada” pelo sistema de distribuição.
De fato, o grande segredo da santificação, como já dissemos, é estar em Cristo e tendo sempre a coragem de verificar se estamos mesmo nEle (II Co. 13.5) Este é o princípio essencial à santificação e às demais virtudes da fé cristã. Do ponto de vista do Novo Testamento, “em Cristo” nós temos:
1. Consolação: “Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria...” (Fp. 2.1,2).
2. Ousadia: “Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em Cristo para te ordenar o que convém ” (Fm 8).
3. Liberdade: “E isto por causa dos falsos irmãos que se intrometeram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus, e reduzir-nos a escravidão” (Gl. 2.4).
4. Vitória contra a mentira: “Digo a verdade em Cristo, não minto, testemunhando comigo, no Espírito Santo, a minha própria consciência” (Rm. 9.1).
5. Promessas: “...a saber que os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho” (Ef. 3.6).
6. O AMÉM de Deus à vida: “Porque quantas são as promessas de Deus tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém para a glória de Deus, por nosso intermédio” (11 Co. 1.20).
7. Somos santificados: “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1 Co. 12).
8. Somos sábios: “Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós sábios em Cristo; nós fracos e vós fortes; vós nobres e nós desprezíveis” (Co. 4.10).
9. Somos novas criaturas: “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: As coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas" (II Co. 5.17).
10. Somos chamados: "Porque o que foi chamado no Senhor, sendo escravo, é liberto do Senhor; semelhantemente o que foi chamado, sendo livre. é escravo de Cristo” (I Co. 7.22).
11. Temos o mais elevado objetivo: "Prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Fp 3.14).
12. Apesar de tantas vezes sermos imaturos, somos salvos: "Eu. porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais; e, sim, como a carnais. como a crianças em Cristo" (I Co. 3.1).
13. Estamos estabelecidos: "Mas aquele que nos confirma convosco em Cristo, e nos ungiu, é Deus" (11 Co. 1.21).
14. Podemos andar em vitória: "Ora, como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele" (Cl. 2.6).
Tudo isso parece simples demais para as mentes mais sofisticadas e teológicas, as quais, por certo, até "pularam" esta série de 14 afirmações decorrentes de se "estar em Cristo". No entanto, as coisas acima mencionadas são seriíssimas. Senão veja: se elas são assim tão simples, por que há tão poucas evidências dessa santificação em nosso meio? Por que tanto pecado, imoralidade, roubo, mentira, descrença, administração iníqua dos bens da igreja por parte de líderes? Por que tanta traição, falsidade, calúnia, inveja e maldade? E mais: por que isso acontece tão intensamente dentro da igreja quanto acontece fora dela? E mais: por que os grupos cristãos mais legalistas são, tantas vezes, as mais desgraçadas vítimas desse fracasso?
Talvez tudo isso aconteça pela simples razão de que aquilo que o evangelho nos convida a ser tem íntima ligação com a Graça de Deus. E, nesse sentido, aquilo que o evangelho oferece é intolerável e inaceitável. Você julga que há alguma coisa aceitável na graça? Não! As pessoas não gostam da graça justamente porque a graça não lhes dá controle sobre a situação. A graça não depende de mim. Ela extrapola meu domínio. Não há nada de seguro no fato das pessoas condenadas à morte estarem livres dela porque um desconhecido e Estranho Soberano simplesmente as livrou disso, sem lhes dar qualquer razão justificável para tal ato. A graça é totalmente arbitrária: "Eu serei gracioso para quem Eu quiser ser gracioso e misericordioso para quem Eu quiser ser misericordioso..." Nesse caso não há nada que possamos fazer: não há sacrifícios, ritos, orações, atos de bondade, busca de sabedoria, ascetismo moral e religioso, etc. Nada pode ser feito para se ter controle sobre a graça. Não há trocas a serem feitas, e assim nos sentimos extremamente humilhados na nossa incapacidade de "justificar" a relação, pelo menos por um pouco. A graça exclui tudo aquilo que nos garante segurança. Nossos sacrifícios não são aceitos, nossos moralismos são ridicularizados, nossas liturgias são chamadas de cansativas, e nossas justiças próprias são chamadas de trapos de imundícia. Pode haver algo mais afrontoso para a natureza humana do que esse estado de absoluta impotência no qual a graça coloca a todos nós? Não! E por isso que o legalismo é o supremo ato de rebelião contra Deus. O legalismo é mais blasfemo do que o desconhecimento de Deus (Rm. 2.12-16). O sincretismo, o paganismo e a promiscuidade suscitaram menos a ira de Jesus do que o legalismo que lutava contra a graça. Todos nós ficamos possuídos por um desejo obcecante de justiça própria. Temos obcecante desejo por nos mostrar justos e retos. Nossa maior idolatria é aquela na qual nós mesmos somos os "nichos" e os “santos" do nosso culto moral. Nosso maior prêmio é sermos vistos como justos pela nossa comunidade. Ora, nesse sentido, nós, "religiosos", somos menos suscetíveis à graça de Deus do que as meretrizes e os pecadores da nossa sociedade? Eles já estão "como canas quebradas e como torcidas que fumegam" (Mt 12.20). Eles já perderam a chance de lutar pela sua justiça própria. Foi por isso que eles foram os mais receptivos à graça de Deus durante o ministério de Jesus.
Eu quero dizer que a única maneira de receber o beneficio da graça de Jesus que nos santifica é mediante a aceitação da nossa total incapacidade de justificar o que Deus fez e está fazendo em nós. Somente quando nossas armas estão completamente depostas é que o Espírito pode atuar em nós, a fim de nos fazer entrar no profundo processo da santificação. Cristo já fez tudo na Cruz. O que nos resta é exorcizar os demônios das nossas pretensões religiosas, a fim de sermos suficientemente simples para receber aquilo que só os humildes de espírito admitem: a graça de Deus.
Paginas 38 a 47 de Oração Para Viver e Morrer, escrito por Caio Fábio em 1992 e publicado em 1994.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
NO AUTOMÁTICO
O texto abaixo é uma pequena experiência com escrita automática que, em resumo, funciona assim: você senta, escreve e pronto.
Escrevo em folhas de papel e as transcrevo aqui. Infelizmente, aqui entram pontos e vírgulas, a praga da linguagem ocidental. Porque o pensamento não tem começo, nem fim.
Paz e Bem!
DE UM SONHO À OUTRO
Eu acordo por entre árvores e enormes montanhas, cercado por um céu vermelho que se estende em direção aos planetas. Meu carro grita comigo quando acelero sua velocidade, antes que a estrada aos poucos se derreta em cinza e amarelo. O sol lusco-fusca, azul.
Animais irreconhecíveis sorriem e trocam apertos de mão com suas patas ao pouco mais e mais parecidas com garras humanas, enquanto eu caminho por entre salas separadas por cortinas roxas e vermelhas. "A festa vai começar", um inseto grita, enquanto sai de minha boca.
"É minha culpa, minha culpa", sufoca a mulher, antes de se desmanchar em carnaval glorioso.
Depois da noite, no inverno, o calor sufocante do remorso e da saudade, que vem em ondas suaves e violetas, brincalhonas. Depois, a chuva.
Mais do mesmo de antes, sempre em espirais. A eternidade em um dia, preferencialmente sábado, depois da festa de um sorriso infernal.
Eu me levanto, gigantesco homem em miniatura, cedo aos sorrisos e gracejos e esbanjo tristeza, servida em canapés de barro amarelo queimado.
Uma seleção de símbolos incompreensíveis esbarra diante dos meu olhos, explodindo o pouco que restava de minha consciência que se esvai como um novelo de lá debaixo da minha porta. Depois da porta, o mundo adormecido e calmo, traído por luzes de lâmpadas de neón.
De um sonho à outro.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
EU JÁ...
... tive medo do escuro. Hoje, me dou bem com as luzes apagadas, perdido na noite escura.
Eu já tentei parecer quem eu não era, mas a máscara caiu antes da Quarta-feira de Cinzas.
Eu já menti, roubei, trapaceei e matei. Não honrei ninguém; já quis a mulher do próximo, mesmo quando ele era próximo demais de mim.
Eu já tentei ser vilão, herói, amante e vítima. Hoje, sou eu mesmo, ou seja, um pouco de cada.
Eu já viajei e voltei, são e salvo, ou em pedaços.
Eu já parti corações, e já tive meu coração arrancado do peito.
Eu já gritei do alto dos prédios, susssurrei promessas de amor eterno e já cantei no chuveiro.
Eu já sorri, contei piadas e brinquei por aí, mesmo com o olhar cheio de tristeza.
Eu já chorei, abracei amigos que choravam e consolei desconhecidos.
Eu já me importei, e já deixei de me importar.
Eu já escrevi um livro e plantei uma árvore. Mas, infelizmente, nenhum bebê alisou o meu rosto e se aninhou no meu peito.
Eu já encerrei esse texto, triste por ter vivido tão pouco, alegre por ter vivido tanto.
Paz e Bem!
Eu já tentei parecer quem eu não era, mas a máscara caiu antes da Quarta-feira de Cinzas.
Eu já menti, roubei, trapaceei e matei. Não honrei ninguém; já quis a mulher do próximo, mesmo quando ele era próximo demais de mim.
Eu já tentei ser vilão, herói, amante e vítima. Hoje, sou eu mesmo, ou seja, um pouco de cada.
Eu já viajei e voltei, são e salvo, ou em pedaços.
Eu já parti corações, e já tive meu coração arrancado do peito.
Eu já gritei do alto dos prédios, susssurrei promessas de amor eterno e já cantei no chuveiro.
Eu já sorri, contei piadas e brinquei por aí, mesmo com o olhar cheio de tristeza.
Eu já chorei, abracei amigos que choravam e consolei desconhecidos.
Eu já me importei, e já deixei de me importar.
Eu já escrevi um livro e plantei uma árvore. Mas, infelizmente, nenhum bebê alisou o meu rosto e se aninhou no meu peito.
Eu já encerrei esse texto, triste por ter vivido tão pouco, alegre por ter vivido tanto.
Paz e Bem!
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
MINHAS ADORÁVEIS EX-NAMORADAS
Se você é leitor, ou leitora, deste blog, já deve saber algumas coisas a meu respeito. Uma delas é que gosto de filmes. Sim, é verdade!
Nunca serei um crítico de cinema, porque não me interesso por analisar enquadramentos, jogos de câmera e essas coisas. Meu interesse está no que os filmes dizem a meu respeito.
Bom, nessa minha incansável busca por filmes que possam me acrescentar algo, eu me deparo com algumas pérolas perdidas por aí.
Este é o caso do filme que vi hoje. Ele se chama "Minhas adoráveis ex-namoradas".
Trata-se de uma comédia romântica, sobre um cara que, no casamento do seu irmão mais novo, é forçado a encarar os seus relacionamentos com mulheres.
E ele é forçado por quatro fantasmas: o primeiro, o de um tio playboy, já falecido, maravilhosamente interpretado pelo veterano Michael Douglas; os outros fantasmas são, respectivamente os das namoradas do passado, do presente e do futuro.
É uma fábula romântica, levemente inspirada na idéia de "Um conto de Natal", de Charles Dickens, no qual um velho avarento, Ebenezer Scrooge, também é visitado por fantasmas na véspera de Natal e tem de mudar seu jeito de viver.
E, como em toda a fábula, no final, as coisas se ajeitam. Para a felicidade dos personagens e para o nosso contentamento, o respeitável público!
No começo desta postagem, escrevi que me interesso por filmes - e por livros e outras formas de arte - na medida em que elas podem dizer algo de mim.
No caso do filme que acabo de assistir, eu me vi um pouco como o personagem principal, mas não precisamos entrar em muitos detalhes, certo?
Na verdade, se pensarmos bem, a maioria dos homens que conheço sofre dos mesmos males que eu: imaturidade crônica, completa incapacidade para mudar radicalmente e insegurança.
Sim, é verdade... Somos meio boçais, de vez vez em quando.
Mas, infelizmente, nos estrepamos e somos forçados a rever, reconsiderar e a retraçar a nossa estratégia.
É o que estou fazendo.
Paz e Bem!
PLÍNIO SAMPAIO PRESIDENTE
Acabo de adicionar à lista de links "Eles fazem a minha cabeça" o website da campanha de pré-candidatura do Plínio de Arruda Sampaio à Presidência da República, pelo Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL).
O endereço é http://pliniopresidente.com/
Seria uma boa mudança para este País.
Pense nisso!
Paz e Bem!
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
REFERÊNCIA
O texto abaixo, de Sidney Gusman, foi retirado do website Universo HQ, especializado em histórias em quadrinhos, uma de minhas paixões.
O endereço é http://www.universohq.com.br
Recomendo!
Paz e Bem!
RESENHA: YESHUAH
Título: YESHUAH - ASSIM EM CIMA ASSIM EMBAIXO (Devir Livraria) - Edição especial
Autores: Laudo Ferreira Júnior (roteiro e desenhos) e Omar Viñole (arte-final). Preço: R$ 23,00 Número de páginas: 156 Data de lançamento: Dezembro de 2009
Sinopse: A história de Yeshu (Jesus), desde sua concepção até os dias em que, jovem e na companhia de seu irmão Yaakov (Tiago), era seguidor do batista Yohánan (João).
Tudo dentro da visão pessoal de Laudo Ferreira, que realizou a obra - que se estenderá por mais dois livros - baseado nos textos dos Evangelhos Canônicos de Matheus, Marcos, Lucas e João e, também em pesquisas de vários textos apócrifos e históricos.
Positivo/Negativo: Yeshuah é, sem dúvida, o maior trabalho da carreira de Laudo Ferreira, um nome bastante conhecido por quem circula no mercado "quadrinheiro", mas não do grande público.
No mercado desde o início dos anos 80, o autor atuou como ilustrador para grandes editoras e no segmento publicitário. Nos quadrinhos, no entanto, seus trabalhos mais conhecidos talvez tenham sido a independente Subversivos - Companheiro Germano, com roteiro de André Diniz, e a série pornográfica Sacanagens da Tianinha, que saía nas revistas Total e Sexy Premium, quase sempre com roteiros de outros profissionais. Faltava ainda uma obra que mostrasse o talento de Laudo para o mercado de HQs, de forma mais ampla.
Faltava!
Foram nove anos elaborando o projeto de Yeshuah (palavra hebraica que significa salvação), mesclando as muitas pesquisas em diversos segmentos religiosos, literários, filmes e músicas, com a sua visão da história de Jesus.
E o resultado é uma bela HQ. Laudo conseguiu dar à história, que é conhecidíssima pela maioria dos leitores, ares mais humanos, factíveis. Como, por exemplo, quando retrata a desconfiança de Yosef (José) a respeito da gravidez de Miriam (Maria), que, pelo que lhe constava, era virgem.
As emoções humanas, mesmo em meio a uma trama que remete tanto a temas religiosos e místicos, foram muito bem trabalhadas pelo autor. Outra cena que merece destaque é quando Miriam dá à luz Yeshu sozinha - nada de reis magos, animais etc. Ela traz seu filho ao mundo sem a ajuda de ninguém, numa caverna.
Isso faz a diferença na condução de Yeshuah.
Do ponto de vista do roteiro, o leitor pode estranhar o salto da história, do nascimento de Yeshu para mostrá-lo jovem, já de barba. No entanto, vale lembrar que pouco se sabe da infância de Jesus Cristo.
Laudo acertou a mão na arte e narrativa. São raras as páginas em que há excesso de texto e a diagramação dos quadros é sempre muito arejada, deixando a leitura mais "solta".
E aí entra também o talento de Omar Viñole. Seu trabalho de claro-escuro na arte-final deixou ainda mais atraente o traço expressivo de Laudo, que, desde já, é candidatíssimo ao HQ Mix de melhor desenhista de 2009.
Foi interessante a opção do autor por usar os nomes dos personagens, termos e localidades em hebraico - tudo devidamente explicado num glossário nas páginas finais do livro.
Este primeiro tomo termina (sim, apesar de a história ser longa, a série foi pensada como três álbuns independentes, com começo, meio e fim) com Yeshu jovem e deixa um bom gancho para a continuação.
Editorialmente, o trabalho da Devir é competente. Passaram uma ou duas mancadas de revisão e soou um pouco estranho, pelo tom da história, o uso de contrações como "tô" em vez de "estou", mas isso em nada atrapalha a obra.
O prefácio de Yeshuah é assinado pela filósofa Júlia Bárány e, apesar de muito, muito extenso, merece ser lido, para contextualizar o trabalho de Laudo dentro das mais recentes versões da vida de Jesus Cristo.
Classificação: - Sidney Gusman
Autores: Laudo Ferreira Júnior (roteiro e desenhos) e Omar Viñole (arte-final). Preço: R$ 23,00 Número de páginas: 156 Data de lançamento: Dezembro de 2009
Sinopse: A história de Yeshu (Jesus), desde sua concepção até os dias em que, jovem e na companhia de seu irmão Yaakov (Tiago), era seguidor do batista Yohánan (João).
Tudo dentro da visão pessoal de Laudo Ferreira, que realizou a obra - que se estenderá por mais dois livros - baseado nos textos dos Evangelhos Canônicos de Matheus, Marcos, Lucas e João e, também em pesquisas de vários textos apócrifos e históricos.
Positivo/Negativo: Yeshuah é, sem dúvida, o maior trabalho da carreira de Laudo Ferreira, um nome bastante conhecido por quem circula no mercado "quadrinheiro", mas não do grande público.
No mercado desde o início dos anos 80, o autor atuou como ilustrador para grandes editoras e no segmento publicitário. Nos quadrinhos, no entanto, seus trabalhos mais conhecidos talvez tenham sido a independente Subversivos - Companheiro Germano, com roteiro de André Diniz, e a série pornográfica Sacanagens da Tianinha, que saía nas revistas Total e Sexy Premium, quase sempre com roteiros de outros profissionais. Faltava ainda uma obra que mostrasse o talento de Laudo para o mercado de HQs, de forma mais ampla.
Faltava!
Foram nove anos elaborando o projeto de Yeshuah (palavra hebraica que significa salvação), mesclando as muitas pesquisas em diversos segmentos religiosos, literários, filmes e músicas, com a sua visão da história de Jesus.
E o resultado é uma bela HQ. Laudo conseguiu dar à história, que é conhecidíssima pela maioria dos leitores, ares mais humanos, factíveis. Como, por exemplo, quando retrata a desconfiança de Yosef (José) a respeito da gravidez de Miriam (Maria), que, pelo que lhe constava, era virgem.
As emoções humanas, mesmo em meio a uma trama que remete tanto a temas religiosos e místicos, foram muito bem trabalhadas pelo autor. Outra cena que merece destaque é quando Miriam dá à luz Yeshu sozinha - nada de reis magos, animais etc. Ela traz seu filho ao mundo sem a ajuda de ninguém, numa caverna.
Isso faz a diferença na condução de Yeshuah.
Do ponto de vista do roteiro, o leitor pode estranhar o salto da história, do nascimento de Yeshu para mostrá-lo jovem, já de barba. No entanto, vale lembrar que pouco se sabe da infância de Jesus Cristo.
Laudo acertou a mão na arte e narrativa. São raras as páginas em que há excesso de texto e a diagramação dos quadros é sempre muito arejada, deixando a leitura mais "solta".
E aí entra também o talento de Omar Viñole. Seu trabalho de claro-escuro na arte-final deixou ainda mais atraente o traço expressivo de Laudo, que, desde já, é candidatíssimo ao HQ Mix de melhor desenhista de 2009.
Foi interessante a opção do autor por usar os nomes dos personagens, termos e localidades em hebraico - tudo devidamente explicado num glossário nas páginas finais do livro.
Este primeiro tomo termina (sim, apesar de a história ser longa, a série foi pensada como três álbuns independentes, com começo, meio e fim) com Yeshu jovem e deixa um bom gancho para a continuação.
Editorialmente, o trabalho da Devir é competente. Passaram uma ou duas mancadas de revisão e soou um pouco estranho, pelo tom da história, o uso de contrações como "tô" em vez de "estou", mas isso em nada atrapalha a obra.
O prefácio de Yeshuah é assinado pela filósofa Júlia Bárány e, apesar de muito, muito extenso, merece ser lido, para contextualizar o trabalho de Laudo dentro das mais recentes versões da vida de Jesus Cristo.
Classificação: - Sidney Gusman
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