Serra: O exterminador do futuro
J. Carlos de Assis
Em 1987, ano da Constituinte, encontrei com José Serra no plenário da Câmara dos Deputados aonde fui discutir com alguns parlamentares temas da Seguridade Social. Vi-o muito atarefado com um monte de papel na mão recolhendo assinaturas de deputados. Como o conhecia desde a campanha das Diretas, sendo um admirador de suas posições econômicas, me aproximei e perguntei-lhe do que se tratava. É uma emenda para bloquear os recursos propostos por Sarney para a construção da Ferrovia Norte-Sul, esclareceu. Como?, perguntei surpreso; a Norte-Sul é uma obra importante para o Centro-Oeste e para o País, Serra! “Mas que não seja para desequilibrar as contas públicas”, justificou ele, indiferente ao fato de que a Norte-Sul era, de fato, a única grande obra de infraestrutura tentada por Sarney.
No ano seguinte, o Brasil vivia uma das piores crises inflacionárias de sua história depois do fracasso do Plano Real. Num movimento desesperado para tentar recuperar a estabilidade econômica e relançar o desenvolvimento, tive autorização do presidente da Confederação Nacional da Indústria, senador Albano Franco, de quem era assessor, para tentar articular um pacto social liderado por empresários e trabalhadores a fim de propor uma alternativa viável, porém não convencional, para a dívida externa, articulada a um programa de relançamento dos investimentos de infra-estrutura. Em síntese, como estávamos em moratória externa, tratava-se de pagar dívida, sim, mas em moeda interna, orientando os recursos forçosamente para investimentos novos na infraestrutura.
O documento central do Pacto Social chegou a ser assinado por representantes dos trabalhadores e do patronato, a despeito de uma resistência feroz do então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, empenhado em fazer um acordo convencional com os banqueiros, que se revelou preliminar de uma nova moratória. No curso dessas discussões, levamos o tema do pacto a alguns líderes no Congresso, com outras sugestões. Entre elas, a de reduzir o imposto de renda na base da pirâmide e ter como compensação o acréscimo de uma alíquota marginal para os ricos. No momento em que se discutia isso Serra apareceu na sala e fulminou a proposta, sob a alegação de que não se podia aumentar impostos, mesmo que isso fosse para aliviar os menos favorecidos.
Não me encontrei com Serra no governo Fernando Henrique. Encontrei-me com Malan, outro dos principais auxiliares de FHC, que me afirmou peremptoriamente que um crescimento de 3,5% do PIB seria perfeitamente satisfatório para o Brasil porque, na década de 1990, a taxa de crescimento populacional havia caído! A propósito, um amigo comum me afirmou que, em 1995, assustado com a crise mexicana, Serra advogou decisivamente por uma freada do crescimento brasileiro, que vinha se recuperando com o Plano Real, sob o argumento do risco inflacionário. Como consequência, a mediocridade de crescimento iria imperar ao longo de todo o governo FHC, em especial em função de uma política cambial irresponsável, sem que Serra movesse uma única palha contra.
Portanto, caveat, brasileiros: a República está em risco. Uma distração apenas e elegeremos um contador fiscalista como presidente, obcecado pela idéia de cortar gastos públicos a qualquer custo, capaz de enterrar a curto prazo com as grandes potencialidades de crescimento que temos, sobretudo depois do segundo mandato do Governo Lula: o mandato efetivamente coordenado por Dilma na Casa Civil. O que está em jogo não é a cadeira presidencial. É o futuro do Brasil. Fala-se em educação, fala-se em saúde, fala-se em aumento de salário mínimo... mas de onde virá o dinheiro para tudo isso, senão do crescimento da economia? Foi o crescimento que permitiu a Lula fazer os programas sociais que fez e reduzir drasticamente o desemprego. Sem ele, perderemos mais uma vez o trem da história.
Sim, porque estamos quase em pleno emprego. Para atingi-lo, será necessário ampliar, e não reduzir gastos públicos. E isso é perfeitamente possível sem gerar inflação. Temos uma dívida pública de pouco mais de 40% do PIB, uma das mais baixas do mundo. Há folga fiscal para crescer. E as pressões inflacionárias, aqui como em todo o mundo, estão longe de representar qualquer risco. Caveat, eleitor! Depois de anos de paralisação quase total do investimento público, sobretudo no período Fernando Henrique/Serra, temos grandes obras em andamento, de aeroportos a hidrelétricas, gerando dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos. E o risco que se corre não é de um deputado isolado, mesmo que influente, correndo pelo plenário da Câmara para bloquear um investimento público essencial. Seria de ter no Planalto um presidente que simplesmente não proporá ao Congresso os investimentos necessários. Nessa perspectiva, não seria eleito um presidente da República. Seria eleito o exterminador do futuro. O nosso!
J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor de Economia Internacional, introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil ainda no tempo da ditadura militar, autor de mais de 20 livros sobre economia política – dentre os quais A Chave do Tesouro e Os Mandarins da República, sobre os escândalos financeiros do período autoritário –, e o último dos quais sendo A Crise da Globalização, sobre a atual crise mundial.
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