sexta-feira, 29 de outubro de 2010

DO SITE COMUNIQUE-SE

Editor do Diário do Nordeste é demitido por publicar caderno sobre Marxismo

Izabela Vasconcelos

O jornalista Dalwton Moura, editor do jornal cearense Diário do Nordeste, foi demitido na última semana, após publicar um caderno especial sobre as revoluções marxistas. O caderno, publicado no dia 17/10, trazia seis páginas com uma entrevista do sociólogo e filósofo Michael Löwi e artigos de Adelaide Gonçalves e José Arbex Jr. O jornalista foi pautado pela direção do veículo, mas após a publicação, o jornal considerou o caderno "panfletário" e "subversivo", além de "inoportuno ao momento atual".

O caderno foi encomendado porque Michael Löwi estaria em Fortaleza para lançar o livro Revoluções. A reportagem foi pautada pelo editor-chefe do jornal, Ildefonso Rodrigues, e sugerida pela historiadora e professora Adelaide Gonçalves, da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Ao comunicar a demissão de Moura, o editor-chefe afirmou que “não sabia o conteúdo da reportagem até vê-la publicada”. Segundo o jornalista, que trabalhava há quase nove anos no veículo, o editor informou que o caderno gerou problemas para a direção do jornal. “Disseram que gerou problemas, que não teria sido bem recebido pela direção da empresa”, contou Moura.
Capa do caderno, publicado no dia 17/10

O editor disse que “jamais imaginou” que poderia ser demitido dessa forma, e que a demissão abre espaço para várias interpretações. “Jamais imaginei que poderia gerar isso. O caso é complexo e dá margem para várias leituras”. De acordo com Moura, nem ele, nem a repórter Síria Mapurunga, que fizeram a entrevista com o filósofo, emitiram opinião. A entrevista destacava no título a declaração de Löwi: “O marxismo tem de evoluir para uma maior radicalização”.

O Sindicato dos Jornalistas do Ceará questionou a demissão e criticou o fato de a grande imprensa contestar a criação do Conselho de Comunicação no Estado, mas permitir que demissões como a de Moura aconteçam.

“A demissão do então editor do 'Caderno 3' expõe o abismo entre o discurso da grande mídia conservadora, que se diz ameaçada em sua liberdade de expressão - inclusive atacando com este falso argumento o projeto do Conselho de Comunicação do Estado -, e suas práticas cotidianas, restritivas ao exercício profissional dos jornalistas, bem como à livre opinião de colaboradores e leitores”, diz a nota divulgada pelo sindicato.

Procurado pela reportagem, o editor-chefe do Diário do Nordeste informou que todos os esclarecimentos do caso já foram prestados a Moura.

domingo, 17 de outubro de 2010

DA CARTA MAIOR

Serra: O exterminador do futuro

J. Carlos de Assis

Em 1987, ano da Constituinte, encontrei com José Serra no plenário da Câmara dos Deputados aonde fui discutir com alguns parlamentares temas da Seguridade Social. Vi-o muito atarefado com um monte de papel na mão recolhendo assinaturas de deputados. Como o conhecia desde a campanha das Diretas, sendo um admirador de suas posições econômicas, me aproximei e perguntei-lhe do que se tratava. É uma emenda para bloquear os recursos propostos por Sarney para a construção da Ferrovia Norte-Sul, esclareceu. Como?, perguntei surpreso; a Norte-Sul é uma obra importante para o Centro-Oeste e para o País, Serra! “Mas que não seja para desequilibrar as contas públicas”, justificou ele, indiferente ao fato de que a Norte-Sul era, de fato, a única grande obra de infraestrutura tentada por Sarney.

No ano seguinte, o Brasil vivia uma das piores crises inflacionárias de sua história depois do fracasso do Plano Real. Num movimento desesperado para tentar recuperar a estabilidade econômica e relançar o desenvolvimento, tive autorização do presidente da Confederação Nacional da Indústria, senador Albano Franco, de quem era assessor, para tentar articular um pacto social liderado por empresários e trabalhadores a fim de propor uma alternativa viável, porém não convencional, para a dívida externa, articulada a um programa de relançamento dos investimentos de infra-estrutura. Em síntese, como estávamos em moratória externa, tratava-se de pagar dívida, sim, mas em moeda interna, orientando os recursos forçosamente para investimentos novos na infraestrutura.

O documento central do Pacto Social chegou a ser assinado por representantes dos trabalhadores e do patronato, a despeito de uma resistência feroz do então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, empenhado em fazer um acordo convencional com os banqueiros, que se revelou preliminar de uma nova moratória. No curso dessas discussões, levamos o tema do pacto a alguns líderes no Congresso, com outras sugestões. Entre elas, a de reduzir o imposto de renda na base da pirâmide e ter como compensação o acréscimo de uma alíquota marginal para os ricos. No momento em que se discutia isso Serra apareceu na sala e fulminou a proposta, sob a alegação de que não se podia aumentar impostos, mesmo que isso fosse para aliviar os menos favorecidos.

Não me encontrei com Serra no governo Fernando Henrique. Encontrei-me com Malan, outro dos principais auxiliares de FHC, que me afirmou peremptoriamente que um crescimento de 3,5% do PIB seria perfeitamente satisfatório para o Brasil porque, na década de 1990, a taxa de crescimento populacional havia caído! A propósito, um amigo comum me afirmou que, em 1995, assustado com a crise mexicana, Serra advogou decisivamente por uma freada do crescimento brasileiro, que vinha se recuperando com o Plano Real, sob o argumento do risco inflacionário. Como consequência, a mediocridade de crescimento iria imperar ao longo de todo o governo FHC, em especial em função de uma política cambial irresponsável, sem que Serra movesse uma única palha contra.

Portanto, caveat, brasileiros: a República está em risco. Uma distração apenas e elegeremos um contador fiscalista como presidente, obcecado pela idéia de cortar gastos públicos a qualquer custo, capaz de enterrar a curto prazo com as grandes potencialidades de crescimento que temos, sobretudo depois do segundo mandato do Governo Lula: o mandato efetivamente coordenado por Dilma na Casa Civil. O que está em jogo não é a cadeira presidencial. É o futuro do Brasil. Fala-se em educação, fala-se em saúde, fala-se em aumento de salário mínimo... mas de onde virá o dinheiro para tudo isso, senão do crescimento da economia? Foi o crescimento que permitiu a Lula fazer os programas sociais que fez e reduzir drasticamente o desemprego. Sem ele, perderemos mais uma vez o trem da história.

Sim, porque estamos quase em pleno emprego. Para atingi-lo, será necessário ampliar, e não reduzir gastos públicos. E isso é perfeitamente possível sem gerar inflação. Temos uma dívida pública de pouco mais de 40% do PIB, uma das mais baixas do mundo. Há folga fiscal para crescer. E as pressões inflacionárias, aqui como em todo o mundo, estão longe de representar qualquer risco. Caveat, eleitor! Depois de anos de paralisação quase total do investimento público, sobretudo no período Fernando Henrique/Serra, temos grandes obras em andamento, de aeroportos a hidrelétricas, gerando dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos. E o risco que se corre não é de um deputado isolado, mesmo que influente, correndo pelo plenário da Câmara para bloquear um investimento público essencial. Seria de ter no Planalto um presidente que simplesmente não proporá ao Congresso os investimentos necessários. Nessa perspectiva, não seria eleito um presidente da República. Seria eleito o exterminador do futuro. O nosso!

J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor de Economia Internacional, introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil ainda no tempo da ditadura militar, autor de mais de 20 livros sobre economia política – dentre os quais A Chave do Tesouro e Os Mandarins da República, sobre os escândalos financeiros do período autoritário –, e o último dos quais sendo A Crise da Globalização, sobre a atual crise mundial.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO: ANIVERSÁRIO E HISTÓRIA

Os 80 anos de Plínio

Plínio de Arruda Sampaio completará 80 anos no próximo dia 26 de julho. Seus amigos e companheiros do PSOL preparam uma festa suprapartidária para o sábado, 24, em São Paulo. Os 80 anos deste intelectual da ação serão comemorados em meio a uma de suas mais duras batalhas. Plínio é candidato à presidência da República pelo PSOL. Pode-se concordar ou discordar das posições de Plínio. Mas não se pode ignorar a admirável trajetória desse comunista que acredita em Deus, como ele mesmo se define.

Gilberto Maringoni
Plínio nasceu no exato dia em que assassinaram o presidente da Paraíba – assim eram chamados os governadores -, no processo que deflagrou o início da Revolução de 1930. Ao longo do tempo, sua vida política o aproximou dos ideais de outro 26 de julho. Esta é também a data em que um grupo de barbudos tentou tomar de assalto o quartel Moncada, em Santiago de Cuba, em 1953. O comandante da ação era um grandalhão falante, cujo nome ecoaria mundialmente pelas seis décadas seguintes, Fidel Castro Rúz.

Plínio tem uma aparência de senador romano de filmes da Metro. Testa alta, nariz proeminente e olhar seguro. A voz calma e límpida e os gestos firmes não são próprios de alguém de sua idade. Mesmo quando faz um discurso incisivo contra o agronegócio ou em defesa de uma ação mais radicalizada por parte dos setores populares, parece o mais moderado dos homens. No fundo, poderia ser definido como um radical tranqüilo. “Se não fizesse política, o câncer teria me levado”, ironizou ao se recuperar de um tumor no estômago, há quase dez anos.

Militante
“Ele é antes de tudo um militante”, sintetiza sua esposa, Marieta Ribeiro de Azevedo Sampaio, com quem está casado desde 1954, época em que se formou em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco. “Quando eu o conheci, dois anos antes, ele já era um militante e é isso até hoje”.

Ligado à Igreja, Plínio deu seus primeiros passos na política através da Juventude Universitária Católica, organização surgida a partir da Ação Católica Brasileira. Em 1959, foi nomeado subchefe da Casa Civil de Carvalho Pinto, governador do Estado. Ali coordenou o Plano de Ação, um amplo programa de planejamento e de intervenção integrada de todas as esferas do Estado no desenvolvimento. Ainda nos anos 1950, entrou para o Partido Democrata Cristão (PDC), que tinha em André Franco Montoro (1916-1999) um de seus principais líderes.

Refaçamos as contas: são 80 anos de vida e quase 60 de atividade política incessante. Plínio vem de uma família de produtores de café e fez uma trajetória raríssima. De posições inicialmente moderadas, ao longo dos anos ele percorreu um caminho que o leva cada vez mais à esquerda. “Eu vim da direita”, costuma brincar. É um exagero. Mas contam-se nos dedos os ativistas com origem familiar abastada que transitaram rumo à esquerda socialista. No Brasil, possivelmente o caso mais notável seja o de Caio Prado Jr., com quem Plínio conviveu. O ex-Secretário Geral do Partido Comunista Italiano (PCI), Enrico Berlinguer (1922-1984) é outro. Se formos aos mais notáveis, vale lembrar que Friedrich Engels (1820-1895) era filho de um industrial inglês e Fidel Castro tinha um pai latifundiário.

Eleito deputado federal em 1962, Plínio logo se tornaria relator do plano de reforma agrária do governo João Goulart (1962-1964). A antipatia dos setores mais conservadores da sociedade foi imediata.

Golpe e exílio
Não deu outra: quando foi deflagrado o golpe de 1964, Plínio estava na primeira lista de cassações, juntamente com Luiz Carlos Prestes, João Goulart, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Darcy Ribeiro, Celso Furtado e dezenas de outros.

No exílio, ele trabalhou na FAO (órgão da ONU que trata das questões relativas à agricultura e à alimentação), em Santiago do Chile e, a partir de 1970, nos Estados Unidos. Assessorou programas de reforma agrária em quase duas dezenas de países da América Latina e da África.

O ex-deputado voltou ao Brasil antes da Anistia. Chegou em 1976 e tornou-se professor da Fundação Getulio Vargas, após ter concluído um mestrado em Economia Agrícola na Universidade Cornell.

Tomou parte nas intensas lutas sociais que marcaram o final da ditadura. Ingressou primeiro no Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e logo saiu para fundar o Partido dos Trabalhadores, em 1980, após as formidáveis greves do ABC paulista, lideradas por Luís Inácio Lula da Silva.

PT e Constituinte
Eleito deputado constituinte, em 1986, Plínio bateu-se por um projeto de reforma agrária que erradicasse o latifúndio. Com a paulatina destruição do texto constitucional, realizada por mais de 60 emendas, nos anos 1990, ele mostra um certo desencantamento com os rumos da Carta de 1988. Em palestra realizada há dois anos no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em Brasília, o ex-parlamentar foi ácido: “O breve resumo histórico das idas e vindas do processo de elaboração da Constituição Cidadã impõe a conclusão de que o texto promulgado em de 1988 foi fruto de uma ilusão. Baseava-se no falso pressuposto de que a nova ordem econômica e política neoliberal, então hegemônica em todo o mundo capitalista desenvolvido, ainda não havia fechado as portas para o prosseguimento de projetos de construção nacional nos países de sua periferia”.

Dirigente petista, membro da coordenação da campanha Lula à presidência em 1989, Plínio foi o principal formulador da política agrária do partido por muitos anos. Foi líder da agremiação na Câmara e candidato a governador pelo PT, em 1990. Tornou-se presidente da Associação Brasileira pela Reforma Agrária (ABRA) e um dos mais importantes colaboradores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Membro da corrente majoritária do PT, a Articulação, aos poucos ele se tornou um aliado da esquerda partidária.

Paulatinamente desencantado com os rumos do PT, após a eleição de Lula, em 2002, Plínio foi candidato à presidência da legenda em 2005. Sua maior contrariedade estava com a política econômica capitaneada por Antonio Palocci e Henrque Meirelles, o que entendia ser uma continuidade da orientação adotada durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

PSOL e candidatura
Em setembro daquele ano, juntamente com cerca de dois mil militantes de todo o país, ele deixa a legenda que ajudou a fundar e filia-se ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

A avaliação de Valter Pomar, membro do Diretório Nacional do PT, é dura sobre o episódio: “Foi um erro político imperdoável. Em 2005, a esquerda ganhou o primeiro turno na disputa pela presidência nacional do PT. Perdemos no segundo turno, entre outros motivos, porque ele e seu grupo saíram do partido".

Ivan Valente, deputado federal pelo PSOL-SP e ex-dirigente petista tem outra opinião: “A construção do PT representou um marco histórico de consciência e organização da classe trabalhadora brasileira. Mas é necessário reconhecer que o pragmatismo da chegada a todo custo ao poder desvirtuou seu programa, seus princípios e seus compromissos mais profundos com a transformação social”.

Em 2006, Plínio sai novamente candidato ao governo de São Paulo. “Tivemos quase 450 mil votos com um orçamento de cerca de R$ 20 mil reais. Os publicitários calculam, em campanha, que um voto custa, em média, de R$ 10 a R$ 15. Multiplicados pelo número de sufrágios, temos esses dispêndios milionários em campanhas. Pois gastamos cerca de R$ 0,04 por voto. Um fenômeno!”, diz ele.

Os 80 anos deste intelectual da ação serão comemorados em meio a uma de suas mais duras batalhas. Plínio é candidato à presidência da República pelo PSOL. Tem viajado incansavelmente. Sabe que o principal perigo para o Brasil e para o continente é a candidatura de José Serra, que reúne a maior parte da direita brasileira, de golpistas a neoliberais. Mas busca se diferenciar também da campanha de Dilma Rousseff, criticando especialmente a política monetária do Banco Central e a não efetivação da reforma agrária, no ritmo que julga necessário.

A festa dos 80 anos de Plínio será realizada no próximo sábado (24 de julho), num jantar-festa no restaurante Spasso Buffet & Music, a partir das 21h. O endereço é Avenida Rio Branco, 82, República (centro de São Paulo). Os convites custam R$ 20.

Sempre que perguntado quais os melhores anos de sua longa trajetória, Plínio repete um bordão:

“São aqueles que ainda vou viver”.

Para Ivan Valente, “Plínio é uma figura histórica da luta democrática, da resistência à ditadura e da construção de uma alternativa de esquerda para o nosso país. Sua trajetória é um exemplo para os que lutam por igualdade e justiça social”.

Pode-se concordar ou discordar das posições de Plínio. Mas não se pode ignorar a admirável trajetória desse comunista que acredita em Deus, como ele mesmo se define.

Texto publicado originalmente no site Carta Maior.

sábado, 9 de outubro de 2010

SEM VONTADE DE FALAR SOBRE POLÍTICA

Sinto que estou devendo a mim mesmo escrever algo sobre política. Este maldito segundo turno...

Mas ando meio cansado, e nem um pouco afim de chutar o tucano.

E pensar que esse homem já foi meu chefe...

Paz e Bem!

SE EU CONSEGUISSE...

Gostaria demais de escrever um poema. Algo profundo e comovente, que mostrasse o meu coração, ao mesmo tempo em que toca o seu, prezado leitor. Ou leitora...

Se eu conseguisse tocar o seu coração - seja esta a primeira vez, ou mais uma vez, se assim for possível - eu lhe diria que muito tempo se passou e que as águas que passam por debaixo da minha ponte não são mais as mesmas... 

Mas, então, eu estaria mentindo...

E isso simplesmente é uma coisa que não faço mais. 

A verdade verdadeira, pra valer mesmo, é que eu não sei mais como tocar outro coração. E o meu bate descompassado em alguns momentos.
Paz e Bem!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

DA REVISTA AGULHA

A arte de transgredir (uma introdução a Roberto Piva)
João Silvério Trevisan

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1.
Roberto PivaA história pessoal do poeta Roberto Piva começa e gira em torno da cidade de São Paulo. Ele cresceu e formou-se entre a capital e as antigas fazendas do pai, no interior do Estado de São Paulo. Seus primeiros poemas foram publicados em 1961, quando tinha 23 anos. Nessa mesma época, integrou a famosa Antologia dos Novíssimos, de Massao Ohno, na qual se lançaram vários poetas brasileiros iniciantes, que depois desenvolveram uma obra poética de importância. Piva formou-se em sociologia. Sobreviveu em grande parte como professor de estudos sociais e história. Em suas aulas aos adolescentes do segundo grau, costumava trabalhar as matérias a partir de poemas que os fazia ler e interpretar. Foi um professor de muito sucesso, com rara vocação como pedagogo. Nos anos de 1970, tornou-se produtor de shows de rock. Piva mora em São Paulo, cidade que lhe parece apocalíptica, exemplo do que não deve ser feito contra o meio ambiente, mas que forneceu todo o pano de fundo para sua obra poética. Tem medo de avião.
Por isso, raramente se distanciou  demais da capital, de onde foge sempre que pode, de ônibus ou carro, sobretudo para o litoral sul do estado de São Paulo,  refugiando-se em casa de amigos na Ilha Comprida ou em pensões baratas de Iguape. É lá que realiza seus rituais xamânicos e entra em contato com seu animal xamânico, o gavião.
2.
Mirta KupfermincA genealogia poética de Roberto Piva apresenta raízes e inclui influências muito raras na literatura brasileira, formando uma mistura-fina que é única por sua erudição, mas também por sua transgressão. Começa com Dante Alighieri. Ainda na década de 60, por três anos Piva aprofundou-se nos estudos da Divina Comédia, orientado por Eduardo Bizzarri, adido cultural do Consulado da Itália em São Paulo. Esse contato com Dante foi como seu imprinting poético-filosófico: marcou para sempre sua visão de mundo, sua política e sua poesia.
Ao conhecer os poetas metafísicos ingleses, sobretudo William Blake, Piva começou a aprofundar sua experiência mais direta com o sagrado e a vida interior.
A entrada em cena de Hölderlin e dos poetas expressionistas alemães Gottfried Benn e Georg Trakl temperaram essa experiência com uma ponta de pessimismo, que deixou de ser circunstancial quando, ainda na década de 60, Roberto Piva teve contato com a obra de um filósofo praticamente desconhecido,  no Brasil do período: Friedrich Nietzsche.
À experiência juvenil de Piva agregou-se a contundência desse profeta pessimista e decifrador da alma moderna. Mas nem só de espírito, nem só de intelecto fez-se o  aprendizado juvenil de Roberto Piva, que cedo descobriu Rimbaud e Lautréamont, recebendo a influência desses dois poetas visionários, que extrapolam os limites da expressão racional e das escolas literárias.
A partir daí iniciou-se em sua vida o cultivo do rimbaudiano “desregramento de todos os sentidos” para se chegar à poesia. Das vanguardas do começo do século 20, Roberto Piva absorveu lições do surrealismo, na vertente francesa de André Breton, Antonin Artaud e René Crevel. É um dos três únicos poetas brasileiros a constar no famoso Dicionário Geral do Surrealismo, publicado na França. A partir de Artaud, Piva incorporou a idéia de que existe um compromisso absoluto entre poesia e vida.
O dito artaudiano “para conhecer minha obra, leia-se minha vida” teve em Piva a contrapartida: “só acredito em  poeta experimental que tem vida experimental”. Também é flagrante em sua poesia a influência dos futuristas italianos (com seu culto à fragmentação moderna), acrescida de algumas expressões musicais da contemporaneidade do pós-guerra, através da onipresente marca do jazz e da bossa nova, duas fidelíssimas paixões de Roberto Piva.  Mas há mais duas fortes presenças contemporâneas em sua poética. Uma é a beat generation americana, da qual Piva não só absorveu a estilística fragmentada e a temática que aproxima o  contemporâneo do arcaico, mas através da qual  também sedimentou a orientação basicamente transgressiva dos costumes do seu tempo.
Na década de 70, a transgressão foi reforçada pela descoberta do outsider Pier Paolo Pasolini, protótipo do intelectual-profeta que caminha nas frinchas do paradoxo. Dos poetas brasileiros, essa genealogia poética agregou as figuras de Murilo Mendes  - com seu surrealismo intenso, expontâneo e sensorial, ao contrário dos franceses intelectualizados - e Jorge de Lima, sobretudo aquele barroco, visionário e atormentado de “Invenção de Orfeu”. Os elementos finais da construção  poética de Roberto Piva evidenciam uma substancial ligação com o aspecto mágico.
Suas constantes caminhadas xamânicas pela represa de Mairiporã  e serra da Cantareira, ambas nos arredores de São Paulo, além de Jarinu, no interior do estado, selaram sua ligação sagrada com a natureza.
Essa sacralidade é, para Piva, a única salvação possível ao mundo moderno, que colocou a destruição da natureza como parte do seu projeto consumista. No quadro da recuperação do sagrado e do mágico, enquanto forças da natureza, Piva passou a estudar e praticar o xamanismo. Para aprender o culto ao primitivo e às forças da natureza, foi buscar elementos não apenas em teóricos como Mircea Eliade, mas sobretudo nas culturas indígenas brasileiras e na prática do candomblé. Ele não só cultua seus orixás (Xangô,  Yemanjá e Oxum) mas também toca tambor para invocar seu animal xamânico, o gavião.
Paralelamente a essa trajetória em direção ao sagrado, Piva agregou dois elementos ligados à civilização grega. Um: a ingestão de drogas alucinógenas e bebidas libatórias, como formas de atualizar a tradição dionisíaca e a transgressão sagrada do paganismo. Dois: o culto a uma erótica homossexual, resgatando para a modernidade o amor grego, como um componente de transgressão do desejo. 
Tome-se, como referência, seu "Poema XIV", de 20 Poemas com Brócoli, dedicado ao Carlinhos:
"vou moer teu cérebro. vou retalhar tuas
                  coxas imberbes & brancas.
         vou dilapidar a riqueza de tua
                  adolescência. vou queimar teus
                  olhos com ferro em brasa.
              vou incinerar teu coração de carne &
                            de tuas cinzas vou fabricar a
                            substância enlouquecida das
                                     cartas de amor."  (20 Poemas com Brócoli, 1981)
3.
Mirta KupfermincOs traços mais presentes na obra de Roberto Piva giram em torno dessas influências ou ao menos partem delas. Trata-se, antes de tudo, de uma poética de transgressão: na abordagem, na temática e na quebra de fronteiras entre os contrários. Portanto, uma transgressão que desemboca no paradoxo - por exemplo, entre carne & espírito, vida & obra, contemporâneo & arcaico. Sua expressão poética  persegue o rastilho da escrita automática de extração surrealista: recuperar para a poesia os estados primitivos do sonho e da loucura. 
No caso de Roberto Piva, talvez fosse mais adequado falar em escrita delirante. Essa prática levou, também no caso do poeta brasileiro, à utilização do método da livre associação de idéias, a partir da crença na importância poética do inconsciente. Resultado: metáforas explosivas que Roberto Piva articula com estonteante propriedade. Do seu poema  “A vida me carrega no ar como um gigantesco abutre”, veja-se o final delirante:
"minha dor é um anjo ferido
     de morte
você é um pequeno deus verde
     & rigoroso
horários de morte cidades cemitérios
     a morte é a ordem do dia
a noite vem raptar o que
     sobra de um soluço". (Coxas, 1979)
Ou, no início do seu "Poema VII" de 20 Poemas com brócoli, note-se a homenagem embutida numa metáfora explosiva, que mistura elementos de sensualidade contraditória:
    "mestre Murilo Mendes tua poesia são
os sapatos de abóboras que eu calço
nestes dias de verão." (20 Poemas com brócoli, 1981)
Outro traço marcante na obra de Roberto Piva é o total desmantelamento da versificação métrica, influência modernista que, no seu caso, caotiza-se, na tentativa de transpor para a poética escrita o ritmo sincopado do jazz e a respiração do músico de jazz.
A  rítmica entrecortada, a batida imprevista e a respiração irregular, com notas se sucedendo lânguidas, são traduzidas inclusive numa distribuição desordenada dos versos o espaço da página. Veja-se como o poema dança, neste seu "O Robot Pederasta":
"Não vale
                  sair
com asas
                  onde
o cra          cra          cra          cra          cra          cra          cra
      cra          cra          cra             cra          cra              cra 
se amassava
              nas
                  velas apagadas
                            quem
                                 quer
                                     o telhado
                            de lágrimas?
                  beberei veneno
                            contra
                                     teu temperamento
                          alegria que se
                                     espera
                        raio X de gente que
                            desce do alto
                  porta acesa
              olhar inchado no escuro
Signorine, la danza della Morte è servita
                            algumas ficaram
                                     LOUCAS" (Piazzas, 1964)                       
Depois, veio a influência do cinema. Trata-se de uma obra pontuada por cortes cinematográficos que remetem ao cinema experimental, com passagens abruptas de espaço, tempo e imagética. Confira-se neste “Ganimedes 76”:
"Teu sorriso
olhinhos como margaridas negras
meu amor navegando na tarde
batidas de pêssego refletindo em teus olhinhos de
          fuligem
cabelos ouriçados como um pequeno deus de um salão
          rococó
força de um corpo frágil como âncoras
gostei de você eu também
amanhã então às 7
amanhã às 7
tudo começa agora num ritual lento & cercados de
         gardênias de pano
Teu olhar maluco atravessa os relógios as fontes a tarde
         de São Paulo como um desejo espetacular tão
         dopado de coragem
marfim de teu sorriso nascosto fra orizzonti perduti
assim te quero: anjo ardente no abraço da Paisagem" (Abra os olhos e diga Ah!, 1976)
No geral, temos uma temática muito diversificada, que parte do urbano e quotidiano, passando pelo erótico e carnal, até atingir o metafísico e o sagrado. Confira-se neste trecho do seu "Beija-flor badulaque":
"nus & feéricos/ olho no gatilho meia-lua/ nado esta
manhã a favor da correnteza/ à deriva/ no miolo do
furacão/ eu era uma Sibila entre os gonzos da lingua-
gem/ Samba-Vírus/ exus nanicos carregando cabaças
de pedra da lua no portal do meu ouvido/ cruzamento
das Avenidas Assassinato & 69/ garoto-pombinha no
balcão da lanchonete/ esperando o pernilongo da Mor-
te/ estrelas rachadas gotejam leite dos deuses/ é com  
este que eu vou sambar até a Pradaria -Kamikase/ no
trecho Belém-Brasília da Teogonia" (Quizumba, 1983) 

4.
Mirta KupfermincO resultado geral é uma expressão poética fragmentada, que resume exemplarmente as soluções expressivas, as inquietações e encruzilhadas da contemporaneidade. Assim, Roberto Piva inaugurou traços singulares no  contexto poético brasileiro, que fazem de sua obra uma das mais originais e inovadoras dentro da poesia brasileira contemporânea. Como sempre esteve eqüidistante das escolas conhecidas, pode-se dizer que ele é sua própria escola.
Roberto Piva persegue e vive o ideal do poeta-profeta, como menciona em seu "Poema Vertigem":
"Eu sou uma metralhadora em
         estado de Graça
Eu sou a pomba-gira do Absoluto".
No espelho da poesia, sua imagem é daquele que reflete, de modo nem sempre aceitável, os paradoxos da contemporaneidade, através dos seus próprios. Define-se a si mesmo como um anarquista de direita. E, muito  contemporaneamente, ama as corridas de carros, ainda que criticando o culto à tecnologia. Com suas transgressões na vida e na poesia - que formam um só organismo - Piva veio para confundir.
Por ser incômodo, recebe mais pedras do que reconhecimento dos seus contemporâneos. Para não falar da conspiração de silêncio da qual sua obra poética tem sido vítima.
Como gente demais no Brasil não o conhece, encerro com mais um exemplo da sua contundência.  Saboreiem este festival de musicalidade, ritmo e delírio expressivo em seu
"Piazza V", um dos poemas mais emblemáticos da sua obra emblemática:
"Oswald Spengler tem uma
         porta no seu tornozelo
                  & nuvens através dele
                            limpando a pele
         que projeta
                            um velho cachecol marrom
                                               em seu olho
eu penso
                            pelos seus
                                            líquidos compassos de sátiro
até
         um cenário de músculos
                                     impedido de esmagar
                                                        o carvão de
                                                                           vidro verde
                            que aquece
                                               a estrela nua de
                                                                           anteontem
Oswald Spengler tem uma porta no seu tornozelo
                                     batendo
                                               até
                                          altas horas" (Piazzas, 1964)  

Autor: João Silvério Trevisan (Brasil, 1944). Ficcionista, ensaísta e tradutor. Autor de livros como Em Nome do Desejo (romance, 1983), Devassos no Paraíso (ensaio histórico-antropológico, 1986), e Seis Balas num Buraco Só: A Crise do Masculino (ensaio, 1998). Palestra proferida na Biblioteca Mário de Andrade, 24/04/96, em São Paulo. Posteriormente publicada em Pedaço de mim (Ed. Record, 2002). Foto de Roberto Piva: Mario Rui Feliciani. Página ilustrada com obras da artista Mirta Kupferminc (Argentina).

terça-feira, 5 de outubro de 2010

REGENERAÇÃO

Regeneração não é doutrina, mas sim milagre.

Regeneração é ver que os pedaços arrancados de nós mesmos pelas doenças do pecado e pelos traumas da existência, crescem outra vez, são refeitos, gerando integridade no ser.

Regeneração é como fazer membros amputados florescerem para a normalidade do que é para o bem.

Regeneração é a transformação da mente, fruto de re-conexões que o Espírito Santo opera em nós; e é assim porque antes nós não falávamos com nós mesmos, nem nos ouvíamos, nem nos enxergávamos a nós mesmos.

Regeneração é a ressurreição do entendimento, é implantação do arrependimento como insistência na direção da transformação, é o abrir da semente da vida em nós.

Regeneração é a eternidade engravidando o espírito e fazendo-o dar fruto no tempo.

Regeneração é como a viagem das árvores de minha terra: um caminho da vida na direção da luz.



Caio

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ELECTIONS

Bom, acho que, depois de tanto falar de política, cabe uma nota, pelo menos, acerca das eleições.

A principal novidade é o fato de que teremos segundo turno para a eleição de presidente.

Pela primeira vez, um candidato, no caso, o Sr. José Serra, consegue ir para o segundo turno sem mérito próprio algum.

Serra foi para o segundo turno porque:

1. A Dilma caiu.

2. A Marina subiu.

Já o candidato tucano permaneceu em sua posição nos dois últimos meses, ou seja, cerca de 30% dos votos.

Isso mostra que o nosso sistema de dois turnos em eleições para cargos executivos é pra lá de duvidoso.

Veremos o que pode ser feito.

Paz e Bem!

sábado, 2 de outubro de 2010

MAIS UMA, ANTES DA INTERRUPÇÃO

Este ano, para estas eleições, como sempre, estive ao lado do que um dia foi o Partido dos Trabalhadores. Por meio deste blog e por meio de conversas pessoais, fiz campanha para  a candidata do PT, Dilma Roussef.

É uma relação de amor e ódio,a minha com o PT, como já anotei aqui diversas vezes. Ou seja, o melhor tipo de relação ou, pelo menos, a mais apimentada.

Entretanto, cabe aqui uma ressalva pessoal... 

Tenho diversos conhecidos, amigos e amigas, todos cristãos, que, amanhã, votarão na candidata do Partido Verde, a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva.

São pessoas que respeito, mas, infelizmente, não concordo com a sua opção de voto.

Acredito que Marina Silva seja bem intencionada. E sua honestidade pessoal está fora de qualquer cogitação.

Infelizmente, também acredito que essas características não são suficientes para se criar um bom presidente da República.

São necessárias, porém insuficientes. 
Mas o buraco é mais embaixo...

Aprendi há algum tempo que, a não ser que vivamos em uma ditadura, ninguém governa sozinho. 

Desta forma, caso eleita, Marina Silva, uma candidata sem um programa concreto de governo, mas com apenas boas intenções (das quais o Inferno está cheio, como afirma a sabedoria popular), terá de governar com o seu partido, que não passa de um grupinho de direita, e com poucas opções de alianças.

Entretanto, essas opções tenderiam a pender para a direita. Ou seja, uma eventual vitória de Marina Silva levaria, inevitavelmente, ao retorno da tucanaiada ao governo federal, do qual eles foram exilados pelo voto popular há oito anos - e do qual espero que continuem fora por mais uns oitenta, pelo menos. 

Por isso, não posso votar em Marina, apesar de seu histórico aparentemente irreprensível. 

Escrevi "aparentemente irreprensível" não para desabonar a senadora, mas simplesmente porque sou cuidadoso, e não calço seus sapatos. 

Aprendi que, no máximo, posso falar de mim mesmo. E olhe lá...

Paz e Bem!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ELEIÇÕES

Este blog será interrompido pelos próximos dias, devido à minha necessidade de viajar a Santos, minha terra natal, para participar das eleições, a tal "festa da democracia".

Este ano, quero participar da eleição da primeira presidenta da História do Brasil, já neste domingo, se tudo ocorrer conforme o previsto.

Daí, a viagem...

Aproveito para abrir o meu voto aos meus parcos leitores, e leitoras. 

Para presidente, voto em Dilma Roussef (13).

Para Senadores, Marta Suplicy (133) e Netinho (650).

Para governador do Estado de S. Paulo, Aloízio Mercadante (13).

Deputado Federal: Célio Turino (6513).

Deputado Estadual: Fausto Figueira (13713).

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AMIGOS DO PRESIDENTE LULA

Acabo de incluir na minha lista de sites favoritos, o blog Os Amigos do Presidente Lula, um dos tais "blogs sujos" criticados pelo candidato da oposição, José Serra. 

Recentemente, fiquei amigo da autora do blog, a senhorita Helena, uma simpática santista, assim como eu,  que, infelizmente, não sou assim tão simpático, hoje exilada na cidade de Campinas. 

E fiquei sabendo por ela que o Sr. José Serra, o "democrático", por meio de sua portentosa equipe de advogados, tentou tirar o blog do ar três vezes, sem conseguir nada.

Vale conferir! O endereço é: http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com/

Paz e Bem!