Acabo de assistir o filme "Dúvida", produção norte-americana de 2008, baseada na peça teatral de John Patrick Shanley. A película foi adaptada pra o cinema e dirigida pelo próprio criador.
"Dúvida" - "Doubt", em seu título original - é uma peça teatral vencedora do Prêmio Pulitzer em 2005, uma das mais renomadas premiações concedidas aos autores literários e a repórteres nos Estados Unidos da América (EUA).
A peça aborda o dia a dia de uma escola católica no Bronx, bairro da cidade de New York, em meados da década de 1960. A escola é dirigida pela irmã Aloysius, interpretada pela atriz veterana Meryl Streep. Aloysius, uma mulher que se tornou freira após a morte do seu marido na II Guerra Mundial, dirige a escola com mão de ferro, atenta a tudo e a todos.
Do outro lado do ringue, temos o Padre Flynn, interpretado pelo ator Philip Seymour Hoffman, um padre progressista.
No meio da batalha, e como suas principáis vítimas, temos a comunidade e as crianças que estudam na escola.
Mais do que duas visões de como deveria ser a atuação da Igreja Católica no mundo - de um lado sua postura conservadora, defendida por Aloysius, e, de outro, sua versão moderna e aberta ao diálogo, defendida por Flynn - vemos como duas pessoas vêem a vida e, como consequência, relacionam-se com as pessoas.
A batalha começa a se decidir quando um estudante negro chega à escola. Hoje, o bairro do Bronx é basicamente ocupado por afro-americanos, mas, na década de 1960, sua população era basicamente formada por italianos, irlandeses e seus descendentes.
Os estudantes reagem à cehgada do novo aluno por meio do silêncio. A criança sofre provocação das outras e sua existência é solenemente ignorada.
Assim, o novo aluno volta-se para o serviço da igreja e inicia uma amizade com o padre, que se solidariza com sua situação.
Mas a amizade entre os dois - o estudante de 12 anos e o padre - é interpretada como um sinal de desvio do religioso pela diretora da escola, que passa a procurar provas de um relacionamento sexual.
Temas: crime, castigo e compaixão
Racismo, preconceito, intolerância... Esses são os temas do filme "Dúvida". Ou seja, temas atuais, que podem ser discutidos em qualquer livro, peça ou filme, não importando a época ou o cenário em que suas tramas se desenvolvem.
No caso de "Dúvida", existe também a questão da pedofilia (relações sexuais entre adultos e crianças), prática infelizmente comum entre uma minoria de sacerdortes da Igreja Católica, apesar de reprimida e punida pela instituição.
Do ponto de vista ético, ou moral, o tema do filme dúvida é a questão do pecado, do erro ou crime, e sua punição. E aqui, não importa se o crime em questão é um fato ou não, uma vez que a suspeita e a maledicência agem por contra própria, independente dos fatos concretos.
A igreja (a instituição em si, não suas fragmentações particulares) e o Estado, definiram o ato transgressor, respectivamente, como pecado e como crime. Para a igreja, alguns atos são passíveis de excomunhão, ou seja, a separação do indivíduo de sua comunidade religiosa, o mesmo que equivale a uma morte espiritual ainda em vida. Em alguns países, existe a pena de morte.
Ou seja, existe em nós a crença de alguns atos, por sua própria natureza, tornam a pessoa irrecuperável e, até mesmo, cancelam o seu direito à vida.
O que nos leva à questão da compaixão. É possível, ou moralmente aceitável, demonstrar compaixão e perdão por criminosos ditos irrecuperáveis, ou, mais simplesmente, por pessoas que cometeram atos por nós definidos como intoleráveis?
Essa é uma resposta que pode ser dada por cada indivíduo, diante de cada transgressão ou tragédia.
O problema é que, se dependermos de nossa reação pessoal ante a tragédia privada, dificilmente escaparemos ao "olho por olho, dente por dente". E, se fizermos isso, eventualmente, todos ficaremos cegos e banguelas.
Outra opção seria deixar essa decisão às instituições. Mas elas estão completamente desacreditadas, de uma forma ou de outra, em um nível ou outro. Não confiamos no Estado; não confiamos na igreja. Estamos ficando mais inteligentes com o passar dos anos...
Pessoalmente, acredito no poder da compaixão, no poder regenerativo do amor. Mas admito que amar e perdoar são exercícios extremamente dolorosos, uma vez que, em última instância, exigem a morte do orgulho e do nosso "direito" à justiça.
Ainda assim, o amor é sempre a melhor resposta.
Paz e Bem!